quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Todos nós somos nuvens



1. 

De todos os dias da vida. 
Quando ela chegou à vida. 
Quando se fez vida. 
Foi o dia mais feliz. 
O mais triste foi aquele em que o vidro estourou. E por mais lindo que fosse ver todas as cores refletindo em cada um dos mini pedacinhos de caco de vidro voando em câmera lenta, aquele foi o pior dia da vida. O pior dia da existência da humanidade - isso mesmo, com todo a hipérbole que a frase merece. O dia em que perdi quem mais amava. Que entendi, mesmo sem entender, que o que aqui começa, aqui se acaba. 
Se você olhar o mundo através de tubo cilíndrico, como se fosse um caleidoscópio, vai ver que as coisas mudam de proporção. Na verdade, tudo o que vemos, todas as coisas do mundo são um jogo de luz e sombra influenciados pelo formato dos nossos olhos, da nossa cabeça, do nosso cérebro, do nosso corpo, e da unha do pé. O que vemos é vida materializada em imaginação. Na verdade, todos nós somos nuvens. 

2. 

Uma menina de vestido vermelho. 7 anos. Franja. Entra num restaurante cheio. Olhar para o chão. Tem medo de ser vista. Do chão ninguém olha. Uma mesa vazia é um porto seguro. Ela experimenta. Olha para o lado. Levanta-se. Corre rapidamente por um curto espaço de tempo. Troca de mesa. A cena se repete. A menina experimenta cada uma das mesas vazias. Não são muitas. Uma menina de vestido vermelho está sentada em um restaurante. 

I belong to you

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É preciso se lembrar


Primeiro é preciso se lembrar como se faz. Escrever.


Não foi a primeira vez que entrei na casa de alguém que não conhecia. A profissão exige. Entrar na casa de um estranho à tarde pode ser bem invasivo. Ainda mais quando não se está sendo esperado. Ainda mais quando é hora do almoço, quando alguma coisa está no fogo, quando tem bife, arroz, feijão e batata. Quando a luz entra pela janela e bate direto no sofá. Quando é verão e tem brisa. Quando há gatos que, como fantasmas, aprecem sorrateiramente. É preciso chegar à tarde, sem avisar, na casa de quem não se conhece, para de fato capturar a atmosfera. Nada foi preparado. A moeda repousa no cinzeiro. O telefone antigo não toca. Dvds estão empilhados ao lado da televisão, um par de tênis seca na varanda e há roupa no varal. Não que fosse ser diferente, mas é preciso. É preciso esperar por uns 20 minutos na casa de alguém que não te conhece para entender o que se passa. Nunca sente direto no sofá, nem que ele seja de couro, nem que tenha mil almofadas coloridas, nem que tenha apoio para o pé e uma pilha de livros ao lado. É preciso sentar-se de frente para a porta, caso alguém chegue desapercebido. É preciso não cochilar. É preciso olhar cada detalhe, afim de se entender o que se passa na casa de quem não se conhece.