terça-feira, 7 de outubro de 2008

Do alto da ponte...

Meus olhos estão fechando, meu pé não tem mais sola e dentro de mim não sei o que fazer com um frio intenso que não corresponde a temperatura ambiente. Fui no Moma duas vezes hoje, e só. Estou com medo de não conseguir ver tudo o que há pra sentir. Não sei se escrevo, se pinto, se fotografo, se filmo, se canto, se deixo em paz em silêncio. Uma paralisia toma conta da minha alma. A lista de infinitas possibilidades me faz querer pular da Brookling bridge, do topo de algum prédio de 50 andares, ou até mesmo me juntar aos ratos cinzas que cruzam os trilhos do subway. Um final magistral, tragicômico, digno de filme holywoodiano. Os últimos dias de Anna em Nova York. Isso aqui fosse um papel, eu rasgaria em mil pedaços e jogaria antes do pulo. Se nós fossemos uma folha em branco, faria uma bolinha e deixaria que o vento levasse pelas ruas secas da cidade que nunca dorme. Até isso é mentira. Nova York dorme muito mais que eu - até de férias. É que eu não quero perder nada. Sugar a vida, ler todos os livros do mundo, conhecer todas as artes já feitas, permanecer para sempre no centro do mundo, onde tudo e todos se cruzam, correndo, com pressa, vem ver, tornando todas as imagens borradas, uma fusão de cores em um só vento colorido. E eu fico a observar. Parada. Enquanto tudo a minha volta gira. A vertigem de olhar do alto da ponte. O impulso do salto. Pensar duas vezes. É madrugada em Nova York. As luzes não se apagam, mas nas avenidas, só eu e o meu cigarro. Os lábios rachados não sabem sorrir, nem chorar. A fumaça branca confunde-se com a que sai do boeiro. Mas isso é uma carta para você, só mais uma carta, e por isso vou até o final, por mais que o xizinho branco no quadradinho vermelho no canto direito da tela funcione como um imã para as minhas mãos. Eu resisto a forças externas enquanto consigo. Sou uma mulher forte, sem senso de direção, isso é certo, mas forte. Nova York e toda sua simplicidade geométrica e espacial me faz perdida. Não fui feita para coisas simples e rasas, você sabe. Nem essa raiva que se confunde aqui dentro me deixa em paz. As linhas do metrô se cruzam embaralhadas sob prédios que alcançam o céu. Eu me embaralho entre os imigrantes do vagão. Não tenho coragem de tirar a foto, é invasão de privacidade congelar a alma das pessoas assim. Não sou capaz. Mas bem que queria guardar para sempre a imagem da indiana vestida a caráter ao lado do muçulmano, também típico, sentados lado a lado com o jovem loiro de boné NY, entre o casal de franceses, no banco da linha E, no sentido Downtown, bem em frente de mim. Hablas español? Me pergunta uma senhora. Si, un poco, soy brasileira, digo em portunhol. Ela começa a falar o sotaque alongado, com a língua entre os dentes. Entendo que ela diz que eu pareço perdida. Pergunto a mim mesma em que sentido ela se refere. Fui do Bronx ao Brooklin sem querer. Estava no Queens e queria mesmo é ir para o Soho. Eu sei que no final acabo me encontrando. Tudo dá certo no final. Tudo dá certo. E a sua sorte é que essa folha é digital. E que eu sou forte, muito forte, e que no fundo eu sei. Mas do que isso. No fundo eu sinto. Não preciso de palavras, nem de atitudes de culpa pela parte de quem for. Me poupem dos detalhes, eu não falo espanhol mas entendo tudo . E na real, eu tenho um mapa no bolso. Não uso porque acho que a melhor parte de viajar é se perder, para depois se encontrar. No caminho, tudo é novo. Algumas esquinas reconheço, outras me surpreendem. Entre lá e cá, eu penso na ponte, no alto do prédio, nos trilhos do trem, em deletar essa página. O que me segura é saber sem palavras. É esse frio na barriga. E a confirmação que vem por MSN. O coração bate apressado. Mas eu sabia antes mesmo de me perder que eu gosto é da aventura. Você é mero detalhe. Isso tudo aqui é raiva dentro da fortaleza de uma mulher só.
Não deleto essa página. Mas também não envio.
Em silêncio, eu te deixo a minha paz.
Lidar com a tempestade fica por minha conta, que eu aguento.

“A arte é aquilo que ajuda a escapar da inércia. Outra vez os olhos.
Os dele produzem uma indiferença quando ele me conta o que é a arte.
Estou te dizendo isso há oito dias. Aprendo a focar em pleno parque. Imagino a onipotência dos fotógrafos escrutinando por trás do visor, invisíveis como Deus. Eu não sei focar ali no jardim, sobre a linha do seu rosto, mesmo que seja por displicência estudada, a mulher difícil que não se abandona para trás, para trás, palavras escapando, sem nada que volte e retoque e complete.
Explico mais ainda: falar não me tira da pauta; vou passar a desenhar; para sair da pauta.
Estou muito compenetrada no meu pânico.
Lá de dentro tomando medidas preventivas”
ACC.

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