sábado, 29 de março de 2008

Os quesitos

Decidiu que iria de uma vez por todas focar objetivos. Ficar zanzando de lá pra cá em desgastes emocionais funcionava como correnteza puxando até o fundão. Então, estabeleceu uma lista de três quesitos básicos.

*Quesito primeiro: Drogado mas nem tanto. Ou seja, pode fumar de vez em quando, beber numa festa ou outra, mas drogas pesadas nunca. Caretice demais também ninguém agüenta.

*Quesito segundo: Capaz de conviver em sociedade. Ou seja, o cara não pode ser doidão, estranho, diferente, ou simplesmente chato ao ponto de não conseguir conviver numa boa com os amigos da moça e afins. Conviver numa boa significa, conversar, rir, brincar, ser boa companhia. Só ficar parado do seu lado não serve, se bastasse comprava um daqueles bonecos infláveis que ajudam na segurança noturna. Se o cara tiver carisma é 70% do caminho andando, e ajuda até a superar o próximo quesito.

*Quesito terceiro, o último e mais difícil de todos: Prazer de em conviver em família. Família grande, muitos irmãos, pais jovens e caretas, é igual a muita expectativa. Se ele não corresponder, a vida do casal pode se tornar um inferno assombrado por olhares de reprovação, exclusão dos convites para os grandes almoços e jantares, e no pior dos casos tortura psicológica. Aí entra a tal da carisma, a qualidade fundamental para conquistar a família alheia. É fácil, vá ao jogo de futebol com um irmão, toque violão com o outro, jogue videogame com a menorzinha, leve flores no primeiro dia de visita, converse de política, fume um charuto com o pai, e diga "nossa, sua mãe é uma garota", tudo permeado de um sorriso no rosto, um bom papo e senso de humor na medida certa.

Olhou os três quesitos e acreditou do fundo do coração que não estaria pedindo muito.

sábado, 22 de março de 2008

Todos os caminhos levam à rede

Jorge Amado discordaria, mas digo que muito pouco acontece em pequenas cidades do litoral sul da Bahia. Quatro dias de sol são sentidos como se fossem apenas um, só que interrompido por esparsos cochilos na rede. Perder a noção da hora e do dia semana é fácil, quilomêtros de praia deserta, sensacional. "Brigadeiros do bom" dão sono, muito sono. Como dizem os nativos, uma lezeira arretada. Lezeira daquelas de ficar curtindo na rede, ipod no ouvido. O mar verde-azul turquesa sempre por perto. E aí, muquequa, biju, acarajé, cocada, bastante dendê e o sotaque preguiçoso. E aí dá uma lezeira, daquelas que pedem rede no final da tarde, pôr-do-sol e o cochilo depois do banho. O som do berimbau, a roda de capoeira, os sinos da igreja da praça para a missa de páscoa, o burburinho do anoitecer. Cigarras, grilos e sapos. O movimento na praça, o fazer nada no café, o jeitinho baiano. E o brigadeiro especial - agora na mochila, embrulhadinho para os amigos. Um pedaço da Bahia, onde todos os caminhos levam à rede.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Um relacionamento em um dia

O mundo pelos olhos dele:



O casal que não é casal brincou de ser o que não é. Travessa, estação, devassa, carro, apartamento. Já almocei, pede a conta, cinema?, sai , foi a primeira vez que fiz isso. Uma coca, a conta, pode ser Irina, sai Anna, eu não ia tentar uma segunda vez. Você já foi mesmo hippie? Você é mesmo hetero? Pelo menos beijamos bem. Ô. Tenho certeza que ela não ouviu o Ô. Eu não vou falar ô uma segunda vez. Patricinha! Garoto! No interpol eu não achava que... Estou com raiva. Porque no Interpol... Pára. Então lá no cinema eu achei que o beijo... É sério, muita raiva. Um minuto de silêncio. Não que tenha sido amor à primeira vista. Anote aí, nunca fale a palavra amor num primeiro encontro. Então, amigos? Anote aí, nunca faça essa pergunta num primeiro encontro. Acho que você é a mulher mais velha que eu já fiquei. Anote aí, nunca use as palavras mulher e velha na mesma frase. Ela fuma. Ele não acredita lá muito em cavalheirismo. E, então, a Georgia que está mais pra Meredith com pitadas de Izzy fala tchau pro George (somente George), no máximo com algumas manias à la Burk.

E pelos olhos dela:

O casal que não é casal brincou de ser o que não é. A brincadeira pareceu real demais e isso pode causar estragos. Travessa, capuccino, jornal, ela vai convidá-lo para o cinema. Não ,já chamou pro café. Estação, ele jura que ela disse sai, deve ter sido automático, ela e essa mania de virar a cara. E agora. E agora. E agora. Ele não ia tentar uma segunda vez. Você já foi mesmo hippie? Você é mesmo hetero? Pelo menos beijamos bem. Ela não ouviu a resposta. Patrcinha! Garoto! Estou com raiva. Não é brincadeira, muita raiva. Eu to brigando, ele não ta percebendo. Paspalho. Paspalho é uma boa palavra, soa redondo e gostoso como o beijo. Mas ele é um paspalho. Mas o beijo. Um minuto de silêncio. Ai esse silêncio. Ele ta se auto-sabotando, não é possível. Deve ser a culpa. Não que tenha sido amor à primeira vista. Hã?? Então, amigos? Eu e o meu gênio difícil estragamos tudo. Era pra ser uma tarde de domingo agradável, e agora ele quer ser amigo. Ele deve ser a culpa. Acho que você é a mulher mais velha que eu já fiquei. Acho que você é o cara mais paspalho que eu já fiquei, afinal, nunca tive que beijar um homem. Raiva, muita raiva. Mas o beijo. Ela fuma. Ele não dirige. Ele não acredita lá muito em cavalheirismo. Como boa princesa, ela quer um cavalheiro, se preferível que saiba cavalgar. Se não for pedir muito, um cavalo branco seria perfeito. E, então, a Geórgia coloca os pés pelas mãos, como sempre, e briga, e pede desculpas, e beija, e briga. Meredith, Izzy, Meredith. O que ela está fazendo é um mistério universal. Mas afinal, nem o George consegue ser tão paspalho, mas o beijo... Ela acha que ele não gostou.

sábado, 15 de março de 2008

A versão dele sobre o post abaixo

Aceitou o convite, mesmo ele sendo meio idiota. Tomou a caipirinha de limão, e ele nem pagou o chopp que ele tinha falado que pagaria por causa do estacionamento. Acendeu um, dois, três cigarros. Mastigou o chiclete de hortelã. Ele também, tanto que ele quase acabou com a cartela. Sorriu durante a conversa, mesmo sendo super sem graça. O cara aqui atrás ta querendo saber se você é minha namorada, que pena que era um emo, porque se fosse melhorzinho vc até pegava. E o que você disse? Sorriso de lado, cara de sem resposta. O cara aqui atrás ta me cutucando. Por que? É um gesto meio ou vai, ou racha. Quer sair daqui. Vamos para outro lado? Se não pegou o emo, provavelmente não pegará o gordinho estranho que fica encarando. Eu vou colocar a mão na cintura. Eu vou colocar a mão na cintura. Já sei! Vou colocar o queixo na cabeça!!! Grande idéia.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Se tá na chuva é pra se molhar

Aceitou o convite. Tomou a caipirinha de limão. Acendeu um, dois, três cigarros. Mastigou o chiclete de hortelã. Sorriu durante a conversa. Pediu a conta. Viu o temporal. Voltou para a mesa. Outra caipirinha. Um, dois, três cigarros. A conta por favor, desta vez é sério. Entrou pelos bastidores. Conversa pra lá, conversa pra cá. Só percebeu a banda estava ao seu lado quando ele disse: “Ih, olha os caras aí”. Foi mais blasé que o próprio grupo conhecido como tal. Fingiu saber cantar as músicas. Fingiu dançar. Gostou de fingir. Seus corpos esbarravam um no outro durante toda a encenação. O cara aqui atrás ta querendo saber se você é minha namorada. E o que você disse? Sorriso de lado, cara de sem resposta. Dançou de alegria. O cara aqui atrás ta me cutucando. Por que? É um gesto meio ou vai, ou racha. Quer sair daqui? Se importa se formos mais para lá? Ta fugindo, né? To. Paspalhão. Paspalhão é uma boa palavra porque soa redonda na boca e identifica sem erro a atitude desse tipo de homem, quer dizer, garoto, porque homem não fica parado com a bola no pé na frente do gol sem goleiro. Enfim. Goteiras pra lá, goteiras pra cá. Show sem carisma. O público não saiu do chão. A galera não cantou em coro. Intervalo por problemas técnicos. Ainda bem que o convite foi de graça. Paspalho, espantalho sem atitude. As luzes clareiam. Acende um cigarro. Procissão pra sair da Fundição. Maré de água marrom e xixi de rato. Riscos de leptospirose. Estacionamento é sinônimo de ilha urbana. Carrinho de mão para levar papel vira charrete para pessoas. Se liga na promoção: solteiro é três, casal é cinco. É a única maneira segura de atravessar o rio, a não ser que vocês esteja acompanhada de um homem de verdade, pra chamar de seu, que pega no colo e heroicamente enfrenta correnteza. Bando de paspalhos. E aí dá um vazio...

domingo, 9 de março de 2008

Grey

Estar numa fila indiana eterna até chegar em casa valia a pena, afinal era sexta-feira à noite e consegui fugir do trabalho mais cedo que de costume. O dia havia sido melhor do que o esperado, a tal entrevista que ninguém conseguia estava de uma vez por todas marcada, nós dois finalmente tínhamos saído para almoçar e menos de duas horas depois já trocávamos e-mails. Excelente resultado para uma tarde de trabalho. A oi fm estava particularmente boa naquele início de noite, eu comecei a entender que no jardim de infância aprendemos a ficar em fila indiana para ter paciência de ficar no trânsito e, só pensava no almoço, nos e-mails que o sucederam e naquelas borboletas saindo do casulo dentro da minha barriga. Mal podia esperar para que elas batessem asas. "Qual é o seu personagem preferido em Grey's Anatomy? (isso pode dizer muito sobre uma pessoa) George, e o seu? George (rsrsrs) Eu gosto muito da Meredith também. Peek mee, choose mee. Blah! Ela me cansa. Às vezes eu me canso de ser George. Eu passo o tempo todo querendo ser mais Cristina. É por isso que eu faço análise". Estava lembrando da conversa quando olhei pelo retrovisor. Um gatinho numa scooter passou pelo lado esquerdo. Dois garotos numa moto vinham devagar pelo esquerdo. Pararam do meu lado e ficaram me olhando. Foi tudo muito rápido. Os pedaços do vidro da janela voaram em meu rosto, senti alguns cacos entrarem no meu sapato. Gritei, gritei muito. O corpo começou a tremer, não obedecia mais aos movimentos. Eles colocaram as mãos para dentro do meu carro e pegaram a bolsa de palha em cima do banco. O movimento foi tão brusco que deixaram tudo o que tinha dentro dela cair no chão. O sinal não abriu. Os carros de trás não buzinaram, não andaram, não se manifestaram. Os motoqueiros do lado esquerdo foram embora me deixando em ruínas. O gatinho da scooter se aproximou. Mandei ele me deixar em paz, gritei, ultrapassei o sinal vermelho. Olhei pelo retrovisor novamente. Ele havia saltado da moto, parado o trânsito e catado todas as coisas da minha bolsa que estavam no chão. Corri até lá, mas meu corpo ainda tremia e eu estava tão em estado de choque que não consegui nem agradecer. Tive medo dele, medo de levar um tiro, medo. Segui na fila indiana sem vidros, sem bolsa, sem paz. Mais Meredith do que George.