quarta-feira, 30 de abril de 2008

O poema

Pediram-lhe que escrevesse um poema
Um poema que falasse de amor e de coisas da vida
Disseram-lhe que era cheia de poesia

Pediram-lhe que colocasse as palavras enfileiradas
Que saísse da horizontal
Que crescesse para cima

Pediram-lhe que as palavras estivessem umas sobre as outras,
Como corpos quando se amam
(Doeu pensar nos corpos)

Pediram-lhe que fosse belo,
o poema, o amor e a vida

Disseram-lhe que era fácil colocar os três em uma só frase
Difícil foi fazê-los reais
Só os sonhos podem ser perfeitos

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Se isso é um jogo, estava ganhando

“…pela primeira vez pensou na sua forma de olhar (e admirar) os homens. Acendia-se uma luz verde que facilitava avançar ou uma luz vermelha que freava? Se estivesse certa, a questão deixava de ser externa - falta de homens adequados - para ser interna - falta de receptividade para os homens”, ponto final na crônica de Alberto Godin. A areia da praia estava na canga, nas pernas, na nuca, na barriga, grãos que como aquele último parágrafo não saiam de sua cabeça. Todo o papo de não se entregar era uma grande balela, um muro de proteção às coisas do coração. O Joaquim Ferreira dos Santos também anunciava o presságio nas páginas de O Globo: “Por favor. Olha. Escuta. Não faça o mesmo. Dói. Veja a multidão desesperada na Lapa, no Baixo Botafogo, todos dedicados ao jogo sem regras de pegar gente. Olhos em giroscópio, caçadores de alma. (…) Como se diz adeus para uma pessoa com quem você imaginou ficar junto a vida inteira? Como se percebe que aquele beijo foi o último (…) Não há bula, nem genérico. (…) As mulheres mais lindas desta geração estão sozinhas, os rapazes mais espertos não sabem o que fazer. Foi aí que tocou o horror de se fazer súbito silêncio nos sete sinos da felicidade (…) gritou uma dor qualquer - e eu amplifico. Fica. Bateu o medo surdo de virar personagem de filme, virar coreografia de vanguarda, virar bolero antigo e depois ronronar sozinho pelas ruas. (…) Abra a porta de novo. (…) Nunca mais qualquer migalha noturna que sirva apenas para esquecer. (…) Nunca mais o “procura-se” piscando néon na boca do peito de um Baixo qualquer…” Chegou em casa e olhou a azaléia ainda linda, e branca, no pequeno vaso azul. Uma lembrança de alguém que apareceu de repente, e insistia em se fazer presente desde então. Aí a Olivia Byton disse em alto e bom tom, com aquela voz firme e doce, de timbre reconfortante: “A vida é perto”. E em outro momento, pareceu falar mesmo para que ouvisse: “A gente tem mania de soprar montinhos”. Isso mesmo, montinhos. Vamos juntando todos os brownies divididos, ingressos desbotados, livros emprestados, cds trocados, beijos ao pé do ouvido, mensagens de texto recebidas, promessas definitivas e todos os resquícios de uma vida feliz em um montinho. E assim, como se não tivesse sido nada, sopramos. E as memórias perdem-se no ar, como átomos, partículas de vida desperdiçadas. Não queria continuar sendo mais uma “vítima de perplexidades amargas, de perguntas sem resposta, de telefones que emudeceram, de uma ausência que nada preenche”, da crônica do Joaquim. Não seria de maneira alguma a moça que escreveu para o Godim dizendo que ora acreditava na possibilidade de encontrar o homem certo, ora perdia as esperanças. Queria viver a vida que estava perto e não ficar mais escondida por trás de um muro de ideais. Estava ali para viver em voz alta, criar mais lembranças para o montinho e nunca mais soprá-lo. Então olhou para a azaléia branca, para o bordeaux do vinho e pensou que ele apareceu no lugar certo, na hora exata, e se deu bem. Um pensamento um pouco cruel, mas forte o suficiente para ela percebesse que já era passado o momento de colocar os quesitos de lado e apenas viver. “Sofre-se das maneiras mais inéditas e sem vacina de prevenção. Uma dengue que dá no peito”, diz o Joaquim. Tudo bem, respondia mentalmente, o que importa mesmo é o caminho.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Dearest

O breu. A lua laranja que se esconde entre as esparsas nuvens no horizonte. O vestido de malha listrado de preto e branco. A iluminação inconstante das velas acesas no quarto. Os óculos meio tortos no rosto redondo. O notebook é o único que ainda tem energia. Amy Whinehouse no media player. As palavras que demoram a se formar e o relógio que demora a trocar os números. A sensação estranha ainda está dentro do peito e não consigo saber o porquê. Quando abri a janela, a porta abriu também...

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Preste atenção...

... no Seu santo nome, de Drummond. Não facilite com a palavra amor, se não tem certeza do que diz. Não a jogue no espaço, bolha de sabão, meu coração pode ser feito de cristal e quebrar em mil pedacinhos, assim como a bolha que estoura ao encontro do menor obstáculo. Não se inebrie com o seu engalanado som, estar ao seu lado já me deixa meio tonta. Não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro). Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra. Se tens o mínimo de carinho, por favor, Não a pronuncie.

domingo, 20 de abril de 2008

Vida de escritor

This morning, I was waiting for a coffee in Starbucks when I found myself staring at a young woman sitting at one of the tables. I was staring at her because she was reading ‘A Long Way Down’. She noticed me staring. I was embarrassed. I explained. She was suspicious. First I was staring at her, now I was telling her lies. I was embarrassed anew. I think it would have been easier for both of us if I’d told her I was trying to imagine what she looked like naked.

Nick Hornby no blog http://nickhornby.campaignserver.co.uk/ . É bom, vai lá.

domingo, 13 de abril de 2008

My blueberry nights

Quando decidiu ir, o resto do sorvete de creme já havia derretido no pouco que sobrou da torta. As colheres ficaram apoiadas no prato. Os copos d’água meio cheios, meio vazios, com as bordas marcadas pelas bocas. Um cigarro ainda morria no cinzeiro. Mesmo sabendo que a conta ainda não havia sido fechada, não encontrou motivos para permanecer no mesmo lugar. Preferia tornar-se apenas sorvete de creme, mesmo que perdesse as cores da torta, a ficar ali, derretendo-se. Aprendeu a ser acompanhamento para qualquer sabor. Experimentou tortas de outros tipos, mousses areadas, recheios de doce-de-leite, massas de biscoito, pedaços de chocolate. Cansou de dar a primeira colherada a receitas mais rebuscadas, queria alguém que simplesmente apreciasse um bom sorvete de creme. Cortou o cabelo, mudou os móveis de lugar, limpou o armário. Esperava uma cobertura, não só um acompanhamento. Queria tornar-se uma só sobremesa. Sorvete de creme com calda de chocolate, castanhas de caju e uma cereja pode virar um delicioso sundae.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Quando o mundo parece estar de cabeça para baixo

Como você descreveria sua trajetória até aqui?
Você quer dizer minha trajetória de vida?
Isso
Houveram alguns momentos importantes primordiais para compreende-la
Você pode me contá-los?
Quando eu tinha uns 15 anos…
Não, não. Comece antes disso, por favor.
Quando eu nasci (risos) Você deve estar brincando, quer mesmo que eu conte a minha vida desde o momento do meu nascimento?
(Ele assentiu) Como era a casa em que você nasceu?
Acho que eu nasci num apartamento em São Conrado, em cima do supermercado Sendas
Como era?
Não me lembro, acho que só fiquei lá por um ano. Depois nos mudamos para uma casa no Itanhangá. Depois para João Pessoa.
O que você foi fazer em João Pessoa?
Não sei, meu avô trabalhava lá. Então nos mudamos. De lá eu só lembro da escola de natação.
Quantos anos você tinha?
Uns 5, eu acho. Ou 6.
E o que você lembra?
Lembro do meu pai me levando para a natação, chamava-se Pingo D’água.
Não lembra de mais nada?
Não.
Nenhum detalhe?
Não.
Você lembra de algum momento da sua vida em um passado distante?
Não. Só às vezes, uns flashes.
O que o seu antigo analista falava disso?
Não sei. Nunca falamos sobre isso.
Por que?
Porque eu sempre achei que todas as pessoas do mundo se lembravam do mundo assim como eu. As pessoas lembram de tudo?
De quase tudo.
Eu esqueço… Eu esqueço muito rápido…
Você tem problemas de vínculos.
Isso eu já sabia.
Como você poderá definir a si mesma se não tem memória?
Eu não sei. Nunca pensei sobre isso.
Quem é você?
Eu não sei. Um pingo d’água escorre pelo rosto.
Desculpe-me, mas vamos ter que continuar na semana que vem. O seu tempo acabou.

Limpou o rosto no klinex sobre a mesinha ao lado. O lenço ficou sujo com maquiagem. A lágrima fez uma listra branca nas bochechas salpicadas por sardas. Ela sentia-se como aquela lágrima, um pingo d’água. O que é, o que é que cai em pé e corre deitado? A gota de chuva. Muito provavelmente essa era a explicação para o mundo parecer estar de cabeça para baixo. Muito provavelmente essa era a explicação para pensar que todas as pessoas do mundo viam o mundo como ela. As pessoas se lembravam. Ela não. Uma gota d’água.

domingo, 6 de abril de 2008

Anyone else but you

O primeiro post no novo computador é escrito ao som das palavras (com música não sai) As palavras devem ter ritmo próprio e irem se conjugando naturalmente. Assim como no começo dos relacionamentos: se você tem que fazer muito esforço é porque já desandou. Assim como recita de bolo: se você mexe, mexe, mexe e a massa nunca fica boa é porque deve ter colocado leite demais. E então, as palavras foram se ajeitando lado a lado, se esbarraram meio sem jeito, a princípio sem fazer muito sentido. A princípio.
O primeiro post poderia ser sobre a tal passeata do Tibet, só que a manifestação foi na semana passada e já tem videozinho por aí: http://www.vimeo.com/841134 . O primeiro post poderia ter sido sobre o pacotinho de açúcar. “Diga mais sim”, trazia escrito em fonte de mão dada. O outro dizia “Beije mais”. Batata! O primeiro post poderia ter sido aquele que eu escrevi com a cabeça no travesseiro ontem a noite. E na noite anterior. E na antes dessa. Toda vez que a minha bochecha direita encosta na fronha branca e meus olhos fecham, um post é escrito. Um não, O post. Sempre perfeito. As palavras formam melodias, e depois frases, e depois sentimentos, e pensamentos, e quando eu vejo já esqueci tudo. Meu sonho é ter um gravador de ideias. O primeiro post poderia ter sido sobre a sensação de ver um filme no cinema deitada em uma chaise long. Poderia ter sido sobre o tempo. Sobre o vento. Sobre as tardes de chuva na cama. O primeiro post poderia ter sido sobre o pedido que fiz àquele cilho que caiu, mas que não se realizou. Poderia ter sido sobre casos virando amizades, sobre o fato dele ter esquecido que fui eu quem não quis mais, ou sobre ele ficar repetindo toda hora “nós somos amigos”. Eu sei que somos amigos (aqui entre nós, ainda bem que somos só amigos). O primeiro post poderia ter sido sobre o mar de possibilidades que se abre, sobre a confusão que estou arrumando, sobre o outro ter namorada, sobre a mais nova promessa na lista das promessas que repito todas as segundas-feiras e não consigo cumprir: a partir de segunda não fico mais com ele. O primeiro post poderia ter sido sobre o Nick, do filme Sem Reservas - leve em consideração que assisti o filme sozinha, debaixo da coberta durante um domingo chuvoso. O Nick é o homem perfeito para mim. O problema é que a vida começa depois que sobem os créditos. O problema é que os sonhos só se realizam depois que a gente sai debaixo da coberta, deixa o pijama em cima da cama meio largado, entra no banho e vai pra rua. Se todas as promessas de segunda-feira forem realizadas, o segundo post escrito no novo computador poderá ser sobre o Nick da minha vida. Ainda bem que amanhã é segunda.