segunda-feira, 28 de abril de 2008

Se isso é um jogo, estava ganhando

“…pela primeira vez pensou na sua forma de olhar (e admirar) os homens. Acendia-se uma luz verde que facilitava avançar ou uma luz vermelha que freava? Se estivesse certa, a questão deixava de ser externa - falta de homens adequados - para ser interna - falta de receptividade para os homens”, ponto final na crônica de Alberto Godin. A areia da praia estava na canga, nas pernas, na nuca, na barriga, grãos que como aquele último parágrafo não saiam de sua cabeça. Todo o papo de não se entregar era uma grande balela, um muro de proteção às coisas do coração. O Joaquim Ferreira dos Santos também anunciava o presságio nas páginas de O Globo: “Por favor. Olha. Escuta. Não faça o mesmo. Dói. Veja a multidão desesperada na Lapa, no Baixo Botafogo, todos dedicados ao jogo sem regras de pegar gente. Olhos em giroscópio, caçadores de alma. (…) Como se diz adeus para uma pessoa com quem você imaginou ficar junto a vida inteira? Como se percebe que aquele beijo foi o último (…) Não há bula, nem genérico. (…) As mulheres mais lindas desta geração estão sozinhas, os rapazes mais espertos não sabem o que fazer. Foi aí que tocou o horror de se fazer súbito silêncio nos sete sinos da felicidade (…) gritou uma dor qualquer - e eu amplifico. Fica. Bateu o medo surdo de virar personagem de filme, virar coreografia de vanguarda, virar bolero antigo e depois ronronar sozinho pelas ruas. (…) Abra a porta de novo. (…) Nunca mais qualquer migalha noturna que sirva apenas para esquecer. (…) Nunca mais o “procura-se” piscando néon na boca do peito de um Baixo qualquer…” Chegou em casa e olhou a azaléia ainda linda, e branca, no pequeno vaso azul. Uma lembrança de alguém que apareceu de repente, e insistia em se fazer presente desde então. Aí a Olivia Byton disse em alto e bom tom, com aquela voz firme e doce, de timbre reconfortante: “A vida é perto”. E em outro momento, pareceu falar mesmo para que ouvisse: “A gente tem mania de soprar montinhos”. Isso mesmo, montinhos. Vamos juntando todos os brownies divididos, ingressos desbotados, livros emprestados, cds trocados, beijos ao pé do ouvido, mensagens de texto recebidas, promessas definitivas e todos os resquícios de uma vida feliz em um montinho. E assim, como se não tivesse sido nada, sopramos. E as memórias perdem-se no ar, como átomos, partículas de vida desperdiçadas. Não queria continuar sendo mais uma “vítima de perplexidades amargas, de perguntas sem resposta, de telefones que emudeceram, de uma ausência que nada preenche”, da crônica do Joaquim. Não seria de maneira alguma a moça que escreveu para o Godim dizendo que ora acreditava na possibilidade de encontrar o homem certo, ora perdia as esperanças. Queria viver a vida que estava perto e não ficar mais escondida por trás de um muro de ideais. Estava ali para viver em voz alta, criar mais lembranças para o montinho e nunca mais soprá-lo. Então olhou para a azaléia branca, para o bordeaux do vinho e pensou que ele apareceu no lugar certo, na hora exata, e se deu bem. Um pensamento um pouco cruel, mas forte o suficiente para ela percebesse que já era passado o momento de colocar os quesitos de lado e apenas viver. “Sofre-se das maneiras mais inéditas e sem vacina de prevenção. Uma dengue que dá no peito”, diz o Joaquim. Tudo bem, respondia mentalmente, o que importa mesmo é o caminho.

Um comentário:

Pedro Lago disse...

Quando li seu post, o formato veio na hora. Uma vez, o Ferreira Gullar disse uma coisa que sempre repito: "O poema é onde a prosa vira poesia". Seu texto transbordava poesia, fiquei tão mexido que quis lhe mostrar como ficaria em forma de poema. Tente escrever um poema, o que com certeza você já deve fazer em algum caderninho. Mande pra mim que será um prazer lê-lo.
pedrolagolj@gmail.com
bjs
Pedro Lago.