domingo, 23 de novembro de 2008

O mito do pintinho

Domingo de manhã, ou de tarde, sei lá. Acordei às 14hs. Descalça, meio descabelada, camiseta e calcinha, peguei o jornal do dia em cima da mesa. Aos domingos, vou direto pras revistas. Veja Rio, Domingo e Revista devidamente recolhidas, sentei na mesa do café da manhã, e a medida que preparava a mistura de iogurte, semente de linhaça, cereais integrais e salada de fruta, folheava as publicações. E aí aconteceu. Entre uma colherada e outra, abri a capa da Revista e li: “Entrevista: Selton Mello fala de amor, de ócio e até de nudez”. Larguei a colher imediatamente. Ainda bem que não era café preto. Filhasdaputa. Filhasdaputa, pensei sem censura.

Semana passada mesmo, conversava com um casal de amigos na mesa do Bar Lagoa, era quarta-feira, eu acho, e comentávamos sobre o mito dos mitos: o tamanho da coisa do Selton. Não que eu, ou qualquer um deles, já tenho visto o dito cujo do ator, ou qualquer pessoa que eu conheça já tenha estado frente a frente, ou mão a mão com a coisa. E era justamente isso que nos fazia argumentar sobre como um boato toma tamanhas proporções a ponto de se tornar tão verdade. Porque é assim: todo mundo diz que sabe que o pinto do Selton é pequeno. Não há dúvidas que o cara seja um puta ator, carismático pacas, gatinho e charmoso. Zero problema se ele tiver um pintinho… A questão é: será que ele mesmo sabe que é uma das maiores lendas urbanas do Rio? Não lembro de já ter lido nada sobre o assunto.

Na mesa do bar, amigos começavam a desenrolar teorias sobre o Selton nunca ter feito um papel nu. Outros disseram que ele até foi convidado a fazer o Vadinho, em Dona Flor e seus Dois Maridos, mas recusara sem explicações. Sorte do Marcelo Faria que estourou as bilheterias peladão no palco do Teatro dos Quatro. Mas especulações a parte, naquela quarta-feira, prometi aos meus amigos, e a mim mesma, que se algum dia tivesse a chance de entrevistar o Selton, eu perguntaria sobre o mito do pintinho. É aí que voltamos a reportagem da Revista…

Quando li a chamada, tive certeza: eles perguntaram, roubaram a minha pergunta. Filhasdaputa. Fui direto pra página 18. Todas as provas estavam lá. Legenda da primeira foto: Selton, que acaba de estrear como diretor, fala do movimento anti-nudez de Pedro Cardoso: “Ele ofereceu algumas casacas nesse manifesto, e nenhuma delas é o meu número”. Mais a diante: “Talvez não tenha sido saudável esse modus operandi, mas foi funcionando… Agora estou a fim de subversão”. E outra: “Eu vivo num momento de sentar no carrinho e bater no elefante”. “Não sou tão festeiro, nem tão pegador. Fico muito em casa, sozinho com meus botões”. Ao final da entrevista, a tal pergunta ainda era minha.

Eu juro que quando estiver entrevistando o Selton, a minha última pergunta será: Você conhece o mito do pintinho? Aí ele provavelmente vai me responder algo como: “É patético. A gente é patético, a vida é patética”. O triste, e hilário, é que não existe maior verdade no mundo, mas pelo menos terei feito a pergunta.

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Momento de identificação com o Selton: “O amor é algo muito importante, mas não sei se é fundamental. Eu não acredito muito na frase “É impossível ser feliz sozinho.” Duvido também de fidelidade, não sei se ela existe. E a vida vai bem só, nestes anos em que estou sem namorar. Nesse tempo, casos, rolos, ficantes, quase casamentos… A Nanda Torres uma vez me disse: “Você não precisa casar, você já é casado com a sua profissão.” Está tudo em xeque agora, inclusive isso.” Tudo em xeque, Selton, tudo em xeque.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Não me leve a sério

Vou escrever em terceira pessoa. Não, não vou escrever. Vai ficar tudo em branco. Aqui tem coisa demais, gente demais, pensamento que não acaba mais. Ando vivendo por demais e ainda não deu tempo de processar. O que aconteceu com o ócio criativo? Não há. Não há nada aqui. Os números do pé da página mostram que tem gente que lê. Tem gente que leva a sério essas palavras, que não dizem nada, mas formam frases e isso já basta para que acreditem que têm alguma espécie de significado. Vou contar amenidades pra ver se alguém se entedia e eu possa voltar a ser o que era antes. Antes de vocês esperarem por palavras. Soa mal educado da minha parte, mas tenho me sentido na obrigação. Não sei de onde tirar aquele frio na barriga que me dava a página em branco. A emoção da primeira frase, o lead conciso, a última palavra que precede o ponto final. É que na verdade não existe o ponto final. Veja a gente por exemplo. Aos quatorze anos quase tive um treco quando você segurou a minha mão. Estávamos encostados na pilastra, numa noite escura. Eu de body e botas - pode rir, mas era o que as meninas de 97 usavam - e você de top sider e blusa social do cavalinho. A minha mão estava gelada e eu fechei os olhos com tanta força que a luminosidade fez doer quando o beijo acabou. Mais de dez anos depois, quando eu achei que já tinha superado toda a dor do término, lágrimas incontáveis, e noites em claro discutindo a relação, você me levantou do chão, me beijou no meio da pista de dança. Se algum dia inventarem a máquina do tempo, não será novidade pra mim. O dj colocou Do you remember como se soubesse que a música era para gente, depois veio Time after time e aposto que só não tocou I touch myself porque a música apareceu listada como uma das 10 melhores para se fazer um streap tease no novo livro da Diablo Cody e aquilo era um casamento, e aí já viu. Nossos amigos de infância cochichavam coisas como “nossa, eles estão juntos”, e aqueles que não nos viam há anos juravam que sempre estivemos assim: felizes. Naquela noite fomos a prova de que no Rio, não importa quantos anos passem, nada muda. Me senti com 15 anos, só que mais feliz. Sai ano, entra ano, estaremos todos lá, cantando Time after time. Só que essa impressão não serve para mim. É pra gente que nada no rasinho. Eu sempre gostei de ir pro fundão. Foi uma viagem no tempo. A prova de que não existe ponto final. Que não acaba nunca, só quando chega o fim, e o fim é muito mórbido para entrar nesse texto. E se hoje minhas amigas usam aliança na mão esquerda, ou direita, sei lá qual é a mão certa; se hoje o seu amigo é papai; se vou fazer um filme, lançar um livro, ou abandonar tudo e virar dona de casa, pelamordedeus alguma coisa tem que ter acontecido; se apesar de toda a intimidade eu e você não nos conhecemos mais no escuro do quarto, no chope do dia seguinte, na mão que procura por fim na ansiedade com cigarro, é porque muita coisa mudou. Eu mudei. Eu não vou mais escrever porque você não pode sair por aí achando que eu sou esse amontoado de letras. Eu não sou isso, nem aquilo que você já conheceu tão bem. Por isso eu peço, imploro: não leve essas palavras a sério. É muito mais vivo quando não é sério, me deixa brincar de imaginar. Nem eu mesma sei o que é real, o que é invenção, e o pior: o que é mentira. Se alguém acreditar no que digo aqui, juro que paro de escrever. Não me leve a sério. Aqui sou meio eu, mais outro alguém, e uma parte que não sei da onde vem. A credibilidade nas palavras escritas é pior que censura. O que conta mesmo são os olhos nos olhos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Emprestamos futon

A noite foi longa. Tomei o último gole de chope ao som dos passarinhos do Leblon. Para mim, os passarinhos que cantam no Leblon têm todo um significado: quando eles começam a piar antes que eu tenha ido dormir - nesse caso, quando ainda nem saí do bar - é sinal de que a coisa está preta. Enfim. Cheguei em casa, tirei a maquiagem, tomei um banho, troquei de roupa e comecei mais uma sexta-feira. “Você tem espaço no quarto para um futon?”, perguntou o editor assim que eu coloquei os pés – ainda doloridos pelo salto da noite anterior – na redação. Passei a noite em claro, mas convenhamos que ainda não tinha chegado ao ponto de ter alucinações. Se a pergunta era aquela mesmo, só havia duas opções, ou ele me tinha mudado de ramo e queria me convencer a comprar um colchão japonês; ou era mais uma idéia maluca.
Era o seguinte: Ele tinha ouvido falar por aí que a Futon Company – loja especializada na tecnologia que nos anos 80 virou mania entre europeus e americanos – está emprestando o tal colchão por três dias, assim o cliente pode saber se gosta ou não. É só ligar e pedir para experimentar. Então, achou que eu deveria fazer o teste. O meu primeiro pensamento foi: “E se eu acordar com dor nas costas, ganho folga na segunda-feira?”, mas a pergunta ficou só no pensamento mesmo. Tem coisas que não se diz para chefe, e essa era definitivamente uma delas. A outra era que eu tinha passado a noite em claro, e que mesmo que fosse no chão da cozinha essa noite eu não teria a menor dificuldade em cair no sono. Mas tudo bem, que venha o tal futon.
Como era de se esperar, passei a tarde inteira sonhando com a minha cama. Quando cheguei em casa, armada com quatro DVDs para assistir embaixo do edredom e com o ar condicionado no máximo, dei de cara com colchão oriental no lugar do meu clássico. A loja entregara o colchão de algodão, esmpuma de látex e fibras de coco, revestido com lonita crua no mesmo dia. Era no colchão de 15 cm de espessura desenvolvido especialmente pela Futon Company para se adaptar as camas “ocidentais” que eu passaria a minha noite.
Segundo o site da loja, um futon é um futon porque é feito de algodão. A fibra é hipotérmica e por isso garante noites mais frescas. É bom para a coluna, porque se adapta de forma ortopedicamente correta. É um colchão firme, mas confortável. Apesar de futon significar colchão em japonês, quem inventou a coisa foram os indianos, há 3 mil anos. A tecnologia só chegou ao Japão no início do século XV, e virou mania no ocidente na década de 80.
Deitei na cama e me senti como a princesa daquele conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, “ A princesa e a ervilha”, que conta a história de um principe a procura de uma princesa de verdade. Apesar das inúmeras concorrentes, não havia provas de que elas eram de fato da família real. A rainha disse que só teria um jeito de descobrir a verdade: colocar uma ervilha sob os vários colchões e cobertas da cama da moça. Somente uma princesa de verdade poderia ter a pele tão sensível a ponto de sentir o pequeno caroço embaixo de tanto algodão. A “pequena” diferença é que no conto a garota sente o tal caroço, e na vida real eu dormi profundamente das 21h ao meio-dia. A experiência se repetiu por mais três noites – claro que nunca por tantas horas assim, mas com certeza foram noites bem dormidas.
O curioso de dormir em um futon várias noites é que assim como um sapato confortável, o colchão sofre uma leve deformação com o peso do corpo, e “imprime” algo parecido com a impressão digital da sua posição de dormir. Eu adorei, mas atenção: quem gosta de colchão mole deve ficar longe de um futon.

sábado, 8 de novembro de 2008

Is the end of the world as I know it

Tentei o quanto pude. As palavras enganam e não sei como reagir. E não posso voltar. O tempo é traiçoeiro e passa. Tentei o máximo que pude.
O peito angustiado não sabe se vai ou se fica. Se ganha dinheiro ou se vive. Não tem coragem de partir e não aguenta mais ficar. Tentei o quanto pude. Mesmo agora, quando as palavras demoram a sair, continuo procurando. Imagino textos infinitos, palavras incontáveis publicadas na tela do computador. Tudo impede. A angústia não me deixa escrever. É que sou decidida, cheia de certezas, pronta para o front. Momento de escolha me deixa sem ar. Os olhos grandes de criança observam o mundo assustados. O tempo passa e sempre chega a hora de decidir.
Jornalismo é salário vida. Um mundo de possibilidades. Turbilhão de informações. Uma agenda apertada e olheiras cobertas por maquiagem.
Do outro lado do mundo, tempo e dinheiro. Projetos paralelos. Vida calma e estável. Tempo para cuidar das olheiras. Tempo para olhar para dentro. Tempo. Esse mesmo que corre sem que eu veja, que me angústia, que compete com o salário vida. Vou sair antes da festa acabar. Eu vou embora na parte boa, antes que o melhor chegue ao fim. É sempre assim.
Não consigo saber se é sonho ou realidade. Fico desconcertada. Quem não sabe ouvir elogio é mesmo patético. Eu tentei o máximo que pude. Escolhi o melhor vestido, tento de verdade ser uma pessoa melhor. É sério, sempre. Eu vou, me jogo, mas sempre arrumo um jeito de estragar tudo. Um jeito doce de dizer que não, um jeito confuso de não conseguir escolher, uma desculpa qualquer para não ser feliz.
E esse texto muda de tom conforme a música. Não sei se essas palavras são reais. Palavras enganam. E já é hora de desistir e entender. O que nos impede de ser francos. Os pequenos problemas são pequenos, se soubermos dizer que sim. Eu prometi dizer mais sim. Só que nunca temos a mesma chance duas vezes. O que passou sempre será um retrato em preto e branco, daqueles que vão amarelando e sempre pensamos com carinho.