domingo, 9 de março de 2008

Grey

Estar numa fila indiana eterna até chegar em casa valia a pena, afinal era sexta-feira à noite e consegui fugir do trabalho mais cedo que de costume. O dia havia sido melhor do que o esperado, a tal entrevista que ninguém conseguia estava de uma vez por todas marcada, nós dois finalmente tínhamos saído para almoçar e menos de duas horas depois já trocávamos e-mails. Excelente resultado para uma tarde de trabalho. A oi fm estava particularmente boa naquele início de noite, eu comecei a entender que no jardim de infância aprendemos a ficar em fila indiana para ter paciência de ficar no trânsito e, só pensava no almoço, nos e-mails que o sucederam e naquelas borboletas saindo do casulo dentro da minha barriga. Mal podia esperar para que elas batessem asas. "Qual é o seu personagem preferido em Grey's Anatomy? (isso pode dizer muito sobre uma pessoa) George, e o seu? George (rsrsrs) Eu gosto muito da Meredith também. Peek mee, choose mee. Blah! Ela me cansa. Às vezes eu me canso de ser George. Eu passo o tempo todo querendo ser mais Cristina. É por isso que eu faço análise". Estava lembrando da conversa quando olhei pelo retrovisor. Um gatinho numa scooter passou pelo lado esquerdo. Dois garotos numa moto vinham devagar pelo esquerdo. Pararam do meu lado e ficaram me olhando. Foi tudo muito rápido. Os pedaços do vidro da janela voaram em meu rosto, senti alguns cacos entrarem no meu sapato. Gritei, gritei muito. O corpo começou a tremer, não obedecia mais aos movimentos. Eles colocaram as mãos para dentro do meu carro e pegaram a bolsa de palha em cima do banco. O movimento foi tão brusco que deixaram tudo o que tinha dentro dela cair no chão. O sinal não abriu. Os carros de trás não buzinaram, não andaram, não se manifestaram. Os motoqueiros do lado esquerdo foram embora me deixando em ruínas. O gatinho da scooter se aproximou. Mandei ele me deixar em paz, gritei, ultrapassei o sinal vermelho. Olhei pelo retrovisor novamente. Ele havia saltado da moto, parado o trânsito e catado todas as coisas da minha bolsa que estavam no chão. Corri até lá, mas meu corpo ainda tremia e eu estava tão em estado de choque que não consegui nem agradecer. Tive medo dele, medo de levar um tiro, medo. Segui na fila indiana sem vidros, sem bolsa, sem paz. Mais Meredith do que George.

Um comentário:

Pedro Lago disse...

Tirando o óbvio, uma beleza!