quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Não me leve a sério
Vou escrever em terceira pessoa. Não, não vou escrever. Vai ficar tudo em branco. Aqui tem coisa demais, gente demais, pensamento que não acaba mais. Ando vivendo por demais e ainda não deu tempo de processar. O que aconteceu com o ócio criativo? Não há. Não há nada aqui. Os números do pé da página mostram que tem gente que lê. Tem gente que leva a sério essas palavras, que não dizem nada, mas formam frases e isso já basta para que acreditem que têm alguma espécie de significado. Vou contar amenidades pra ver se alguém se entedia e eu possa voltar a ser o que era antes. Antes de vocês esperarem por palavras. Soa mal educado da minha parte, mas tenho me sentido na obrigação. Não sei de onde tirar aquele frio na barriga que me dava a página em branco. A emoção da primeira frase, o lead conciso, a última palavra que precede o ponto final. É que na verdade não existe o ponto final. Veja a gente por exemplo. Aos quatorze anos quase tive um treco quando você segurou a minha mão. Estávamos encostados na pilastra, numa noite escura. Eu de body e botas - pode rir, mas era o que as meninas de 97 usavam - e você de top sider e blusa social do cavalinho. A minha mão estava gelada e eu fechei os olhos com tanta força que a luminosidade fez doer quando o beijo acabou. Mais de dez anos depois, quando eu achei que já tinha superado toda a dor do término, lágrimas incontáveis, e noites em claro discutindo a relação, você me levantou do chão, me beijou no meio da pista de dança. Se algum dia inventarem a máquina do tempo, não será novidade pra mim. O dj colocou Do you remember como se soubesse que a música era para gente, depois veio Time after time e aposto que só não tocou I touch myself porque a música apareceu listada como uma das 10 melhores para se fazer um streap tease no novo livro da Diablo Cody e aquilo era um casamento, e aí já viu. Nossos amigos de infância cochichavam coisas como “nossa, eles estão juntos”, e aqueles que não nos viam há anos juravam que sempre estivemos assim: felizes. Naquela noite fomos a prova de que no Rio, não importa quantos anos passem, nada muda. Me senti com 15 anos, só que mais feliz. Sai ano, entra ano, estaremos todos lá, cantando Time after time. Só que essa impressão não serve para mim. É pra gente que nada no rasinho. Eu sempre gostei de ir pro fundão. Foi uma viagem no tempo. A prova de que não existe ponto final. Que não acaba nunca, só quando chega o fim, e o fim é muito mórbido para entrar nesse texto. E se hoje minhas amigas usam aliança na mão esquerda, ou direita, sei lá qual é a mão certa; se hoje o seu amigo é papai; se vou fazer um filme, lançar um livro, ou abandonar tudo e virar dona de casa, pelamordedeus alguma coisa tem que ter acontecido; se apesar de toda a intimidade eu e você não nos conhecemos mais no escuro do quarto, no chope do dia seguinte, na mão que procura por fim na ansiedade com cigarro, é porque muita coisa mudou. Eu mudei. Eu não vou mais escrever porque você não pode sair por aí achando que eu sou esse amontoado de letras. Eu não sou isso, nem aquilo que você já conheceu tão bem. Por isso eu peço, imploro: não leve essas palavras a sério. É muito mais vivo quando não é sério, me deixa brincar de imaginar. Nem eu mesma sei o que é real, o que é invenção, e o pior: o que é mentira. Se alguém acreditar no que digo aqui, juro que paro de escrever. Não me leve a sério. Aqui sou meio eu, mais outro alguém, e uma parte que não sei da onde vem. A credibilidade nas palavras escritas é pior que censura. O que conta mesmo são os olhos nos olhos.
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3 comentários:
Nuvens se dissipando
vejo dias claros adiante
na renovação lunar
agora não será como antes
Calma, calma que a alma acalma e refloresce a aura.
bjs
PL
"(...) a música apareceu listada como uma das 10 melhores para se fazer um streap tease no novo livro da Diablo Cody (...)"
Poderia me dizer se "You can leave your hat on" figura na lista?!? :)
Como já te disse, adorei o texto sweet and sour. Mt bom!
bj
T.
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