segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Deixa o verão para mais tarde

Da janela do ônibus a cidade ganha outras formas. O Rio é uma grande avenida. Bailarinas tornam-se equilibristas, inebriadas tentam aguentar o peso do próprio corpo ao procurar sem sucesso apoio no ombro de palhaços que tropeçam nos próprios sapatos. Gargalhadas ecoam nas esquinas. A columbina aguarda a chegada do pierrô, mágico de peruca rosa. Vem meu amor, vem ver a banda passar. Esse ano eu não vou de marinheiro, nem de pirata. Esse ano eu vou assistir de camarote. Deixa o verão para mais tarde. A caixa de fantasias jaz intacta. Ali tem tapa olho de pirata, pulseira de cigana, chapéu de cowboy. Tem colar de havaiana, cartola de purpurina, confete, serpentina. Tem notas de um samba não cantado neste domingo de carnaval.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Suspira

Tudo em branco. Até que a nova caneta de pena - réplica idêntica a usada por Shakespeare - riscou a folha. A tinta manchou o dedo do meio e, como no naquele filme que ela esquecera o nome, já não havia mais como esconder que era escritora, ou fora. Um dia qualquer, quando as palavras surgiam com mais facilidade e a angústia morava no peito, fora escritora. Desta vez ela somente assinara seu nome. Afirmação. A pena era fora de época. Utensílio de outro século.

A mancha preta de tinta no papel, a mariposa no azulejo, o borrão na mente branca. O fim da clareza. A gente enterra o amor pensando que ele nunca mais vai aparecer. Até que chega o dia onde todas as palavras ganham sentido. E o borrão se espalha. E branco nunca mais é branco. Horizonte e ar ganham formas humanas. O outro é tudo que é preciso para respirar.