quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Histórias do Municipal

Espanta fantasmas

Atenção é palavra de ordem para o grupo de mais de 30 homens responsável pelas trocas de cenário do Teatro Municipal. Uma pequena falha é o suficiente para desordenar todo o espetáculo. Primeiro a chegar e último a sair, o grupo conhece o as entranhas do teatro na palma na mão. Cada passo em falso, cada ruído suspeito é detectado instantaneamente. Luis Gonzaga, 57 anos, 30 de labuta no Municipal é que o diga, está tão acostumado a conviver com os fantasmas locais que já até desenvolveu uma técnica para afastá-los: acender as luzes. O truque é o mesmo que usa para encantar a platéia de O Quebra-Nozes, já que o responsável pela iluminada árvore de natal do cenário.

Certa vez, por volta da meia-noite, estava jogando carteado com um colega de trabalho, quando ouviu o som de um violino. “Eu sabia que não tinha ninguém no fosso da orquestra, mas mesmo assim corri para ver quem tocava tão tarde da noite. Quando acendi as luzes, a música parou. Não havia ninguém lá”, conta o maquinista. As brincadeiras do além já quase causaram sérios acidentes. Era fim do expediente quando a vara da cenografia disparou, fazendo com que todo o cenário se soltasse e caísse no chão. O grupo ficou apavorado. Gonzaga saiu correndo e ligou as luzes. “Mais uma vez tudo se acalmou. Já descobri como espantar os fantasmas”, revela orgulhoso.

A mais recente aparição

Até o término da apuração desta reportagem, o último fenômeno sobrenatural registrado pelos maquinistas do Teatro Municipal ocorreu durante a cerimônia de entrega do Prêmio Craque do Brasileirão 2007, na noite do dia 03 de dezembro. Gonzaga estava sentado na varanda, quando foi chamado por um colega. “A porta da escada de operações estava batendo, como se alguém tivesse trancado lá dentro e não conseguisse sair. Havia muito barulho de gente gritando. Foi horrível”, diz. Apesar de já ter presenciado tantos fenômenos, Gonzaga garante bravura. “Não tenho medo, aqui é assim mesmo”.

O grito

Eram 19h30, de algum dia do final da década de 90, quando Sérgio Domingos, funcionário do Municipal há 27 anos, hoje responsável pelos figurinos dos espetáculos, saiu de sua sala no foyer da galeria do lado da Av. Treze de Maio para fumar um cigarro. O teatro estava vazio. A porta que dá acesso a sala de espetáculo estava aberta. “Não sei porque fui olhar o palco. Quando vi, exatamente no mesmo sentido que eu, porém do lado oposto, quatro fileiras de cadeiras estavam ocupadas por homens. Eles vestiam terno e chapéu e olhavam atentamente para o palco”, conta. Intrigado pela presença dos homens, Sérgio foi investigar. Andou pelos corredores até o outro lado da platéia. Não encontrou ninguém. “Fiquei paralisado e trêmulo. A minha única reação foi gritar: ‘Aldaaaaaa me ajudaaaa!’”, recorda. Alda era a colega de trabalho, que ao chegar no local nada encontrou.

O susto

Era noite de grande espetáculo. Ana Botafogo se preparava para entrar no terceiro ato de O lago dos cisnes. Sérgio fazia companhia no camarim. Antes de sair, a pedido da bailarina, levou para o palco uma garrafa d’água pela metade e um copo meio cheio, que repousavam lado a lado em cima da mesa do camarim. Era praxe que Ana pedisse um gole entre um passo e outro. Durante o terceiro ato, antes de entrar no palco para fazer a variação do grand pas-de-deux, Ana bochechou o líquido do copo. Imediatamente cuspiu tudo. “Não era água, era álcool com éter para tirar a cola que prende o penteado das bailarinas!”, lembra Sérgio. “Mesmo assim ela executou os passos lindamente, parecia mesmo movida a álcool”, brinca.

A lenda viva

A vida de José Bertelli Sobrinho renderia um livro. De seus 87 anos, 57 foram dedicados a trabalhos voluntários no Municipal. Formado em medicina, fundou o centro médico do Teatro, mas essa não sua única função. Seu Bertelli é dos responsáveis pelo sistema de iluminação local. “Fui eu que fiz as plantas de iluminação da maioria dos espetáculos encenados aqui. Na ópera “O escravo”, a idéia de colocar a orquestra crescendo a medida que o dia fosse amanhecendo também foi minha”, gaba-se. Diz ter ganhado uma medalha das mãos de Getúlio Vargas, recebido elogios de Castelo Branco pela iluminação de “Vida e morte Severina”, nomeado pessoalmente por Carlos Lacerda para o cargo de chefe de iluminação e ser primo do Papa Paulo VI.
O Teatro Municipal já foi palco de muitas histórias na vida de Seu Bertelli. Historias felizes, mas a principal delas, digna de filme hollywoodiano. Foi no teatro que conheceu e perdeu sua esposa. Solista, bailarina e professora da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, antigamente localizada atrás do Municipal, Virginia Lucia de Carvalho Bertelli morreu em 1997, aos 54 anos, atropelada em frente ao Municipal. Deixou a Seu Bertelli um filho único, que hoje mora em São Paulo. “Sou um homem muito sozinho, a minha vida é o teatro”, diz.

Tutu feito com amor

Jarina Neves de Azevedo, 68 anos, aprendeu a costurar sozinha. Aos 7 anos, fez com as próprias mãos seu primeiro uniforme escolar. “É a minha vocação”. Hoje é chefe de costura do Theatro Municipal, responsável pela execução de figurinos de todos os espetáculos encenados no local. Para o Quebra Nozes, fez apenas reparos nas roupas já existentes. Enquanto conversávamos, cuidava da Madame Bombom. Natural de Santa Maria Madalena, quando Jarina chegou no Rio de Janeiro, há mais de 30 anos, recusou-se a trabalhar em casa de família. “Quando vi o teatro fiquei louca! Não desisti enquanto não aprendi a fazer tutu”, diz. O primeiro tutu foi para a netinha usar num baile de carnaval da Penha. A primeira peça profissional foi para nada mais nada menos que a ópera Turandot. “Desde então, sempre choro de alegria quando o espetáculo fica pronto”, revela a costureira, que de tanta emoção já foi até parar no hospital.

3 comentários:

Unknown disse...

Eu conheci José Bertelli uma pessoa maravilhosa como amigo, como profissional. só tenho elogios para tal pessoa.
André Gomes

Unknown disse...

Eu conheci José Bertelli uma pessoa maravilhosa como amigo, como profissional. só tenho elogios para tal pessoa.
André Gomes

Unknown disse...

Conheci o Dr. José Bertelli no consultório de Fisioterapia de meu filho. As sessões sempre demoravam, pois as histórias eram muitas... E ele costumava andar com duas sacolas plásticas contendo reportagens, documentos das histórias que contava. Era um homem triste, parecia sem família pois o seu chão - sua esposa - havia falecido e deixado um vazio enorme no seu coração. Trazia no peito um colar, ao qual tinha muito apêgo pois havia sido um presente dela. Se alguém, algum dia, fôr escrever um livro sôbre ele, gostaraia de ser contactada pois acho que posso contribuir com alguns dados. Jane Gomes