domingo, 7 de setembro de 2008

Previsão do tempo: chuva forte com rajadas de vento. Cuidado: risco de desabamento

O sol da manhã passou pelo vidro da janela e um feixe de luz refletiu sobre as pétalas de flor laranja espalhadas pelo chão do hall. Os pés descalços sentiam a textura do tapete de palha. A porta entreaberta deixava entrar o vento forte que antes despetalara as flores do arranjo em cima da mesa. A luminosidade do dia que começava a fez franzir os olhos e o nariz. A pele pálida e sem cor pedia o abrigo escuro do quarto, o calor da cama, o afago do sono. A camisola curta de algodão branco deixava transparecer o coração em pedaços. Alma encolhida pela falta do abraço. Lembrou do sonho do qual acabara de acordar. Ele o perseguia pelas ruas do Centro, mas ela não sabia que direção tomar. Todos os prédios pareciam iguais, as recepções tinham o mesmo ar e a presença dele atrás dela desaparecia no momento em que ela virava-se para encontrá-lo. O cheiro de gente deixava rastro. Angústia que tomava o peito agora amornado pelo sol da manhã. Vontade de não começar o dia, de voltar para a cama. Por mais tristes que fossem os sonhos, pior ainda seria a realidade. O cheiro do café fresco encontrava seu caminho pela casa. O estômago embrulhado pedia que ela chorasse na manhã de mais um domingo de sol. Que lindo domingo de céu azul, brisa quente e pétalas laranjas pelo chão. Lágrimas secas amontoadas no fundo do peito formavam um imenso mar, oceano profundo em seus mistérios. A dor tão íntima não alcançava os olhos, não se deixava correr pela face branca. As solas sentiram a segurança do piso de tábua corrida e caminharam em direção ao mármore gelado do chão da cozinha. Ela sentou na cadeira de plástico branco, de design moderno e formas arredondadas, cruzou as pernas e esperou que lhe servissem o café quente. Ouviu dizerem que a camisola estava curta demais, que deveria cobrir as pernas, que os ombros com as sardas de fora a faziam meio nua, e imediatamente lembrou que estava nua, mesmo vestida. Entregara sua alma, seus defeitos e qualidades, na esperança de que ele fosse capaz de entende-la. Que a segurasse em seus braços, reconfortasse com o abraço apaziguador e confirmasse aquilo que ela já sabia: que foram feitos um para o outro. O rosto sem sorriso, a vontade de silêncio, transparecia toda a dor que sentia. Perdia aos poucos o rumo e a palavra. Ele recusou o maior presente que ela poderia oferecer: coração, alma, corpo, carinho, noites e noites de risada. Ele disse que não, obrigada. E agora ela tinha que encarar mais um domingo de sol. Provou o café quente e decidiu voltar para o quarto. Ficar na escuridão é bem mais seguro que se aventurar numa tarde de sol, principalmente quando o vento quente avisa que por aí vem temporal. Ela vai desabar a qualquer momento.

2 comentários:

zicorei disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Gostei do blogue, Anna. Continue escrevendo!