domingo, 25 de maio de 2008
Espaço
Ele quer espaço. Ela quer ele por perto. Não está apaixonada (jura que não), é só que às vezes o coração bate mais forte que o normal e aí vem sensação que ele está pensando nela. Parece mesmo loucura, mas é que às vezes o batimento acelerado dura a tarde inteira e quando o coração já está quase pulando pela boca, ela vai a procura dele. Vê-lo faz o coração parar. Não precisa de nem uma palavra, só saber que ele está ali já faz o coração parar. Ele quer espaço. Ela ainda acredita que ele pensa nela. A noção de tempo e espaço se perdem. Espaço. Ele pensa muito e quer espaço. Ela não consegue mais colocar a cabeça no travesseiro sem procurar nas memórias de cada encontro o sinal que ela não entendeu. Ele deve ter dado algum sinal, não é possível. Ele quer espaço. Ela sabia que sexo complica tudo. Ele… bem, ela não sabe mais. Deve ser espaço. Ela sabia que não devia se deixar levar. Mas é que quando os dois estão juntos… Deixa para lá, ele quer espaço. O coração bate. “Ele está pensando em mim”, ela sabe. Ela se sente estranha, não quer mais sair. É que o espaço… bem, o espaço… Ela não entende a noção de espaço. Sempre foi expert em ficar sozinha no meio da multidão. Ele quer espaço. Ela acredita que espaço e distância não necessariamente precisam estar juntos. Mas ele quer assim. O espaço que ele cria entre os dois a deixa sem alternativa para nada além do próprio espaço. E o silêncio.
sexta-feira, 23 de maio de 2008
Aloooonga!
Quando o professor de balé Jean Marie separou as alunas de sua classe em dois grupos e ordenou que elas cruzassem a sala em diagonal, uma por uma, em passos que lembram balé clássico, eu sinceramente achei que fosse ter que cavar um buraco no chão e me esconder. A cena me lembrou a infância, quando cruzar a sala vestindo um tutu rosa fazendo piruetas na frente de outras pequenas bailarinas era o meu maior pesadelo. “Menina tem que saber dançar”, dizia a minha mãe. Não tive escapatória, pulei de curso em curso. Balé clássico, jazz, sapateado e até ginástica rítmica estão no meu currículo; ritmo, postura e consciência corporal passam longe. Não teve escola de dança no Rio de Janeiro que me fizesse desempenhar um pas de burrée descente. Até mesmo as aulas de dança de salão – minha última incursão pelo mundo dos passos contados, afinal carioca que é carioca tem que saber arriscar pelo menos uns passinhos de samba – foram um fracasso. Pisar no pé do par foi o menor dos meus erros. Assim, quando o editor da Domingo, sugeriu que eu escrevesse sobre a aula de alongamento com fundamentos em balé que as atrizes cariocas fazem para manter o corpo em dia, meu primeiro pensamento foi “ai meu deus”, afinal imaginava que a turma do francês Jean Marie seria de alunos com corpos esguios e aquela desenvoltura que só os que fizeram curso de teatro têm. Carolina Dieckmann, Leticia Spiller, Luana Piovanni, Alinne Moraes, Fernanda de Freitas e Cris Vianna ocupariam o lugar das minhas coleguinhas bailarinas de infância que, enfileiradas, assistiriam eu quase cair ao realizar uma pirouette no piso de tábua corrida.
(Leia o texto inteiro no domingo, na revista Domingo, do JB)
(Leia o texto inteiro no domingo, na revista Domingo, do JB)
terça-feira, 20 de maio de 2008
Para o humor não ficar na gaveta:
Saída de bar, fim de noite, uma quarta-feira qualquer. Na calçada, se abraçaram tipo travesseiro. Dançaram em silêncio. Ele sorriu, ela sorriu. "Tem uma coisinha preta no seu dente". A bochecha ficou rosa: "É carne seca". "E você achava que estava por cima da carne seca...". A frase veio acompanhada de um beijo, logo interrompido por risadas. Nada como um pouco de humor nessa vida...
sábado, 17 de maio de 2008
Por medo de amar, preferiu não estar
“Atendeu o telefone e disse: ‘Eu não estou.” Desde que olhara as nuvens pesadas e negras no céu e sentira o ar abafado que antecede o temporal , decidira que não estaria, simples assim. A voz ecoou no silêncio do outro lado da linha e ele repetiu: “Eu não estou.” As gotas densas ressonavam na máquina do ar-condicionado. O céu aliviava-se por sua ausência. Nenhum dos dois atreveu-se a apertar o botão vermelho que terminava a ligação. Do lado de lá, ela prestava atenção na respiração forte de alguém que não estava, no som ao redor e jurava que no fundo no fundo ele escutava blues. A presente ausência doía no peito dela. O mundo dele estava caindo e ela compartilhava em silêncio. - - - - - - - - - - - - - - -- - - - -- - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- . Por mais que desejasse largar o telefone em cima da mesa, bater a porta sem ao menos se calçar e atravessar a cidade molhada ao encontro do abraço reconfortante do corpo dele, não havia o que fazer senão consentir. “Eu não estou.” Desligou o telefone sem adeus. Pela janela observou os guarda-chuvas amontoados. As cores escorriam como na aquarela do pintor, não se sabe se era efeito das gotas no vidro da janela, da lágrima em seus olhos, ou se a realidade simplesmente derretia. Por dentro permaneceu estático. Era mais fácil não estar. Há quem não suporte a ponta de dor que há em todo amor. “Tout le reste est littérature”.
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Um abrigo
Lê poesia no banheiro, é bom para passar o tempo. Pede mentalmente que ele volte, antes que seja tarde demais e descubra que é sonho. Fecha a porta. Para o lado de lá, o toque do telefone, o e-mail do chefe, a foto enquadrada piscando no canto da tela. No bolso da calça jeans o ingresso desbotado, uma nota de dois reais, o botão que caiu da blusa. Um chiclete com gosto do beijo na saída da escola, do esconderijo, daquele lugar. Lembrou aonde perdeu o botão. Escova os dentes já mentolados, o ar frio ocupa o espaço dentro da boca, a língua desliza nos dentes, os lábios grossos pedem outros. Abaixa os olhos, a barra da calça molhada de chuva, a pele dos pés já enrugada. Provas. O azulejo gelado sob a sola tem a temperatura da realidade.
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Aqui tem catupiry
O café fechou, a música do restaurante parou de tocar, o garçom olhou meio de lado, e as cadeiras do bar estão sendo postas em cima das mesas. A garrafa de vinho esvaziou, o copo de cerveja já entornou, mais uma água, por favor. Aí tem catupiry, acho que dá um caldo, mas e agora, garçom? Se já perdemos a noção da hora, me diga agora como hei de partir. Queria caminhar eternamente pelos espelhos, espelhos, espelhos, espelhos de Hilal, só que esta noite não consegui dormir direito. Andava tão encolhida no mais profundo de mim mesma que me surpreendi quando notei que as minhas mãos cabem dentro da sua e que essa é realmente a melhor maneira de aquecê-las. Os meus pés ainda não tocam os seus, mas isso é porque eles não estão tocando o chão. Agora não há sopa de cebola, chá de hortelã, xale de lã, nem pijama de flanela xadrez que me reconfortem. Até mesmo o meu edredon de pena de ganso deixou passar um friozinho e essa noite eu não consegui dormir, mas não foi por nada não.
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Uma carta em braile
Achei que precisava te responder. É que por mais que seja belo, o texto, o poema e tudo mais, eu não concordo. Não me leve a mal, mas é que a minha opinião fica aqui meio morando dentro de mim e às vezes ela tem que dar uma volta, encontrar outras idéias e quem sabe até voltar meio diferente. É raro, mas às vezes a idéia volta mesmo modificada, como num texto a quatro mãos, quando os pontos vão se unindo e depois não se sabe de onde partiu.
É por isso que eu queria te dizer (mesmo que não seja novidade para você), que Homero não inventou sua própria Odisséia. A Ilíada foi contada oralmente na tradição grega, e passada de boca em boca, até que alguém fez um mexidão e deu-se o que deu. Homero pode ter sido um contador de histórias, um pseudônimo, um cego, assim como escreve Pound em seus Contos “pobre velho Homero, cego, cego como um morcego”, ou até mesmo tudo isso junto. Mas não acredito que ele tenha escrito um texto a quatro mãos, mas sim dado forma a milhares de vozes que contavam a história, a sobrancelhas que se levantavam a cada batalha, suspiros de jovens que esperavam a volta do amor. É como se Homero fosse aquela deusa indiana das mil mãos, sabe?
Outra coisa é que você fica dizendo que eu sou uma jovem escritora, mas eu não sou. E sinceramente, nem sei se quero ser uma escritora. Eu gosto (e em resposta ao Rilke: preciso) escrever e só – talvez essa seja a única certeza que tenho agora. É que ando em fase de mudanças radicais e isso pode significar o fim de qualquer rastro do que já fui um dia. Ando gostando de não saber aonde o meu rio vai desaguar. Se numa grande baía, em outro rio maior, ou no oceano sem fim. (RS). A certeza do desconhecido e os mistérios do futuro me alentam. Não quero parar no que sou agora, por isso peço para que não me rotule. Deixe-me ser. Não quero caber em nenhum grupo, sindicato ou generalidade. Não sou escritora e nem reconheço a tal poesia dentro de mim. Minhas palavras não servem para iluminar, no máximo distrair. Deixe-me ser só mais uma folha, reunião de palavras, amontoado de sonhos; que tenho estado feliz e isso já basta.
Não me leve a mal, mas como disse lá no início, quando a opinião fica meio entalada, não tem jeito. Tem que sair para ver gente...
Com toda a simpatia,
Eu.
É por isso que eu queria te dizer (mesmo que não seja novidade para você), que Homero não inventou sua própria Odisséia. A Ilíada foi contada oralmente na tradição grega, e passada de boca em boca, até que alguém fez um mexidão e deu-se o que deu. Homero pode ter sido um contador de histórias, um pseudônimo, um cego, assim como escreve Pound em seus Contos “pobre velho Homero, cego, cego como um morcego”, ou até mesmo tudo isso junto. Mas não acredito que ele tenha escrito um texto a quatro mãos, mas sim dado forma a milhares de vozes que contavam a história, a sobrancelhas que se levantavam a cada batalha, suspiros de jovens que esperavam a volta do amor. É como se Homero fosse aquela deusa indiana das mil mãos, sabe?
Outra coisa é que você fica dizendo que eu sou uma jovem escritora, mas eu não sou. E sinceramente, nem sei se quero ser uma escritora. Eu gosto (e em resposta ao Rilke: preciso) escrever e só – talvez essa seja a única certeza que tenho agora. É que ando em fase de mudanças radicais e isso pode significar o fim de qualquer rastro do que já fui um dia. Ando gostando de não saber aonde o meu rio vai desaguar. Se numa grande baía, em outro rio maior, ou no oceano sem fim. (RS). A certeza do desconhecido e os mistérios do futuro me alentam. Não quero parar no que sou agora, por isso peço para que não me rotule. Deixe-me ser. Não quero caber em nenhum grupo, sindicato ou generalidade. Não sou escritora e nem reconheço a tal poesia dentro de mim. Minhas palavras não servem para iluminar, no máximo distrair. Deixe-me ser só mais uma folha, reunião de palavras, amontoado de sonhos; que tenho estado feliz e isso já basta.
Não me leve a mal, mas como disse lá no início, quando a opinião fica meio entalada, não tem jeito. Tem que sair para ver gente...
Com toda a simpatia,
Eu.
O banheiro da nova casa da Joana é um universo paralelo no Leblon. Quando fechei a porta, fui abduzida pelo cantinho. Forrado de prateleiras repletas de revistas de moda - devem ter mais de cem - o banheirinho é extremamente aconchegante e transforma qualquer rápido pipi em uma jornada de pelo menos 20 minutos pelo mundo da moda. As edições são separadas por títulos e organizadas cronologicamente, assim o acesso as novidades é mais fácil que ao rolo de papel higiênico. Fazer pipi na casa da Jô é melhor que ir tomar um café na Letras.
domingo, 4 de maio de 2008
Conto de fadas
Os nome das amigas na barra da saia, o vestido branco arrastando no chão, os votos de felicidade, eternos sim. É maio e as igrejas da cidade estão lotadas, votos de amor. Assim que o novo mês despontou no horizonte desta vida caótica, o editor anuncia a próxima matéria: um ensaio fotográfico de casamentos. Sou envolvida pelo ar romântico do tema e por um ideal que ainda há pouco não me encantava. R$ 4 mil é o preço médio para fotos ideias do dia perfeito. O meu começa com um anel de brilhante, o noivo de terno risca de giz e tênis Puma, pétalas de rosa vermelhas caindo do céu, o pôr-do-sol no horizonte visto do altar montado no jardim da minha casa, um poeta no lugar do padre (o que significa poesia no lugar do Pai Nosso), champanhe rosé, uma banda tocando, música até o amanhecer e um fusquinha bicolor decorado com flores e latinhas rumo ao Copa.
Quando o mês de maio despontou à meia-noite da última quinta-feira, como na história da Cinderela, só que às avessas, virei meio princesa. Ando com vontade de meninices, de ganhar flores, de não esconder as lágrimas quando elas escorrerem, de usar vestidos, de me sentir meio paparicada, deixar que eles escolham os programas, paguem a conta, digam eu te amo e todas essas coisas que sempre escondi por trás da fantasia da Mulher Maravilha. Não que ainda não goste de dirigir à noite sozinha, de ligar quando tenho vontade, de saber me virar em situações inusitadas, comprar sapatos e lingeries com o dinheiro ganho em horas e horas intermináveis de trabalho, de almoços solitários, tardes de leitura, da sensação de independência e liberdade e, principalmente, de ter espaço para dormir esparramada sozinha na minha cama. Mas é como a Sininho, que precisa ouvir que as crianças acreditam em fadas para existir. Ando precisando sentir que sonhos se realizam. Então, foi basicamente por isso que preferi não escrever sobre o telefone que não tocou, sobre o assalto que vi da janela do carro, sobre o menino preso na Marcha da Maconha, a noite frustrada de sexta-feira e os caras eternamente presos na própria adolescência. Estou dando uma chance aos sonhos.
Que toquem os sinos. (rs).
Quando o mês de maio despontou à meia-noite da última quinta-feira, como na história da Cinderela, só que às avessas, virei meio princesa. Ando com vontade de meninices, de ganhar flores, de não esconder as lágrimas quando elas escorrerem, de usar vestidos, de me sentir meio paparicada, deixar que eles escolham os programas, paguem a conta, digam eu te amo e todas essas coisas que sempre escondi por trás da fantasia da Mulher Maravilha. Não que ainda não goste de dirigir à noite sozinha, de ligar quando tenho vontade, de saber me virar em situações inusitadas, comprar sapatos e lingeries com o dinheiro ganho em horas e horas intermináveis de trabalho, de almoços solitários, tardes de leitura, da sensação de independência e liberdade e, principalmente, de ter espaço para dormir esparramada sozinha na minha cama. Mas é como a Sininho, que precisa ouvir que as crianças acreditam em fadas para existir. Ando precisando sentir que sonhos se realizam. Então, foi basicamente por isso que preferi não escrever sobre o telefone que não tocou, sobre o assalto que vi da janela do carro, sobre o menino preso na Marcha da Maconha, a noite frustrada de sexta-feira e os caras eternamente presos na própria adolescência. Estou dando uma chance aos sonhos.
Que toquem os sinos. (rs).
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