terça-feira, 15 de julho de 2008

Uma tarde em Santa

Um gato eriçou os pêlos e espreguiçou-se com aquela manha que só os gatos têm. Eu mal cheguei em Santa e os gatos já me olhavam pela janela. Minha primeira reunião foi na Chácara do Céu. Subi a rua de paralelepípedos a pé e lembrei daquela foto que você tirou de mim, aquela em que estou com a blusa florida azul e verde e o sorriso de quem tem só vinte anos e um mundo de sonhos pela frente. Aquela exposição do Debret não está mais exposta, hoje as paredes mostram "Bichos". A chácara estava vazia, não recebe visitas às terças-feiras. Segui à procura da rua Triunfo, o nome não me parecia estranho, mas eu ainda não tinha me tocado que era a nossa rua. Passei pelo Sobrenatural, pela venda do português, pelo Mineiro, e me disseram que a rua era a próxima à direita. Sempre sozinha. Em cada canto, uma cena, uma memória, um diálogo, uma história de amor. Nós tínhamos amor em cada palavra. Em cada troca de olhar, versos infinitos. Coragem de quem não tem nada a perder. Outro dia li em algum lugar algo explicando porque os casais apaixonados vivem em uma bolha, como se o mundo inteiro fosse o outro… Não me lembro agora. Já faz tanto tempo que eu não me apaixono. Às vezes me pergunto se ainda consigo. O número 38, o número que eu procurava, era o castelo aonde a Paula estudava acupultura. A janela do nosso quarto estava fechada. A janela do rés do chão. Coloquei o rosto pela grade do seu portão. Tinha uma bicicleta naquele pátio interno, mas não era a sua (ela ainda existe?). O pátio está florido e bem cuidado, mas o menino que hoje mora no castelinho (você sabia que virou uma pousada?) me disse que o ap está para alugar. Lembrei dos pêlos dos gatos pela casa, do futon, do edredon verde e das manhãs frias em que eu esperava você voltar com o pão e jornal. Meus ouvidos atentos aos assobios - um jeito tão seu de avisar que estava chegando, que aquela seria mais uma manhã fria na rede. Seria bom se o amor sempre assobiasse quando estivesse chegando perto. Eu tenho medo de cair se ele chegar assim de repente. Se ele ainda chegar. Eu ainda vou me apaixonar de novo, não vou? Comi uma cocada branca. Não devia comer cocada desde aquele tempo. Hoje em dia eu vivo sempre de dieta. Deve ser um sinal de que a vida anda mais séria. Ninguém quer mais se entregar, e as coisas vão ficando assim, sem graça. Mal sabem eles que o segredo é não se levar tão à sério. E era tão gostoso né? Não se levar a sério, só se deixar levar. Quem me ciceroneou em Santa foi a Ana, e eu já tinha achado essa coincidência incrível, até que eu vi o Chico. Calma, não é o Buarque (esse eu ainda vejo de vez em quando pelo Leblon, e o meu coração ainda pára). Eu vi foi o Chico seu primo, que subiu meio correndo, esbaforido, a escadaria do casarão da Livraria Largo das Letras (acho que o nome é esse mesmo, Largo das Letras). O Chico carregava uma caixa de som, e eu olhei no olho dele e disse “Opa”. O menino que vinha atrás do seu primo parou e me olhou. Procurei no rosto daquele garoto qualquer traço familiar, mas não o reconheci. Perguntei o que eles faziam ali. “Tocamos às terças”, ele disse. O nome da banda era Brasil com Z. Eu achei o nome meio ruim para uma banda instrumental, mas lembrei das noites em que você me carregava a contragosto ao Clube Naval. “Vocês tocavam no Clube Naval, ao lado do Municipal?”, perguntei. O garoto demorou um pouco para entender, mas no final disse que eram meio que uma ramificação do grupo daquela época. Ainda tentei trocar algum olhar com o Chico, em busca de que ele se lembrasse de mim. Mas acho que não. Desci as escadas de volta ao Largo dos Guimarães saudosa. Ah que saudade que me deu dos meus 20 anos, dos planos e de tudo mais. Não deve ter sido por acaso, mas estava agorinha limpando a minha caixa de e-mail e achei uns escritos por você. Cartas cheias de saudade, quando eu estava em Buenos Aires. Cartas cheias de mágoas, quando você não entendeu que eu simplesmente precisava seguir. Precisava conhecer mais. Experimentar mais. Ser mais. Precisava ver sozinha. E as cartas de amor. O que dizer das cartas de amor. E aí me veio de novo aquela agonia de não ter como falar com você. De vez em quando eu sinto essa agonia. É que eu fico te imaginando depois de tanto tempo. O meu olhar ainda é o mesmo, mas os olhos já são outros. Procurei seu telefone nos e-mails, mas nada. Se não me engano, a última vez que nos falamos era você quem estava em Buenos Aires. Fuxiquei os e-mail mais um pouco e encontrei um número antigo. Não lembro se esse número era da casa do seu pai ou da sua, só tenho certeza que não era da sua da mãe. O da sua mãe começava com 2551. Disquei o tal do 2225. Não sei para que, mas disquei. O telefone tocou, tocou, tocou, e uma menina atendeu. Uma voz novinha, um jeito de garota. E eu desliguei. Vai que não era a sua casa, vai que era a sua namorada, vai que era a sua irmãzinha que cresceu. Ver o tempo passar assusta.

2 comentários:

carolmacdowell disse...

Lindo.
Até um pouco meu... ;)
Lindo.

Carol Mac

Anônimo disse...

Gostei muito desse post. Me vi em Sta, senti o frio de Sta. O amor vem e vem qdo menos esperamos. Não faz alarde, vai chegando devagar silencioso.
Dos últimos tempos, vc é uma das pessoas mais interessantes que cruzou o meu caminho. Linda por dentro e por fora. Excelente profissional. Ame-se, ame a vida acima de tudo.
Grande bj
Jaque