segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O mar

Você se lembra do dia que nos conhecemos? Eu quero dizer o quanto eu te amo. Venha comigo, meu amor, vem para o mar. Eu quero te dizer. Só funciona se me deixar livre, se me deixar digitar aqui essas palavras, sentada na soleira do janela, no escuro, olhando a noite negra, vivendo no meu mundo paralelo. E é assim. Está na hora de deixar-me ser. O contrário não é amor. Se você me deixa andar pela rua, e pela sua rua, enquanto a noite cai. Se você me deixa comprar uma arma, nem que seja branca, dessas de partir o coração. Todo o resto é trilha sonora de sitcom. Anuncie aí a minha ida. Partida para o lugar onde seja livre nas ruas escuras. Acordar numa cidade com calor. Esse lugar pequeno, onde andar descalça é proibido, os olhos abaixam, esse lugar de pessoas sozinhas e tristes... Já disseram eu te amo mil vezes antes. Mas agora é diferente. É a mesma pessoa. A única pessoa. Mas se vou jurar, é melhor você estar sem nenhum sinal de honra, escutar o espaço e o tempo, me deixar entrar. Uma vez eu quis ser alguém que pudesse explicar os sentimentos. Sem franzir os olhos, ou arrumar o cabelo. Um vez eu quis. Aí veio o vento. Me levando pela sua rua escura. Nós nunca tivemos escolha. Eu preciso que você me diga que lembra. Levei a marca da arma. O peso no bolso, e depois , quando tudo se acalmou e você deitado no meu lado, de volta para mim. Depois. Tão perto, seguro, tão calmo. Bem, aí… Aqui está o meu amor. Vem para o mar, vem.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Estranhos sinais

Acontecimentos muito estranhos se sucedem. Estivéssemos nós na virada do milênio, seria esta a explicação para tantas coincidências em tão curto espaço de tempo. Já que não é o caso, convém procurar outra desculpa. Vamos aos fatos:
Chove muito em dezembro. Desde que o magma da Terra esquentou, há mais de 3 mil anos, e as encostas cariocas foram criadas, nunca se viu nada igual. Verão sem sol. Areia molhada de água doce, mar com água escura. Muito mexido, alertam os surfistas. Culpa do vento e da água que cai do céu. Essa mesma água pinga no banco do meu carro. As janelas estão fechadas. Goteira. Pinganimim. Tem um furo no teto. Tem um buraco perto da luzinha que ascende quando a porta fica aberta. Por ali passa a água da chuva do verão - não confundir com chuva DE verão.
Muito estranho.
Vinte e quatro chopes. Cumé? Vinte e quatro chopes! Quem bebeu? Nós dois. Nós dois? Meio a meio. Jesus, eu bebo mesmo que nem homem… Deve ter sido isso. Isso o que? Isso que me fez descobrir que os meus dois acontecimentos mais importantes do ano nasceram no mesmo dia, mês, ano e hora. Isso mesmo, na mesma hora. Tivesse a mãe de um deles decidido parir no Brasil, e não no Canadá, eles seriam exemplares iguais de seres tão diferentes. A informação desceu quadrada junto com o último gole do chope final. O gole quente. Fosse possível juntar a afinidade intelectual que tenho com um, e a afinidade fundamental que tenho com o outro - vida, carinho, a segurança do abraço conhecido - estaria aí o ser ideal.
Muito estranho.
Almoço de domingo. Quatro sentados da mesa ao ar livre. A chuva deu uma folga, mas o céu continua cinza. Dezembro no Rio não é dourado, em 2008, o final do ano é cinza. Um passarinho faz cocô no meu braço. Êca, vou limpar. É sorte, os outros três entoam em coro. Sorte nada, vou limpar. Levanto, lavo, sento de novo. E a cena se repete. Como se não existisse tempo. Como se estivéssemos sempre encontrando as mesmas pessoas, os mesmos signos, a mesma merda de pássaro no braço.
Muito estranho.
Mistérios de dezembro chuvoso. Pequenos sinais alertam que o caminho é mesmo este.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Dois mil e oito em fotos

Uma retrospectiva em imagens. 365 dias em 120 fotos. Aquela sensação de que tudo é muito grande. E belo. E muitas vezes triste.

http://www.boston.com/bigpicture/2008/12/the_year_2008_in_photographs_p.html

Já é Natal

Escondo as unhas roídas. Mãos atrás do corpo magro e pequeno. A franja lisa começa a grudar na testa, estou um pouco suada. É dezembro, está quente e minha mãe me forçou a usar meia calça. Tem um embrulho grande na árvore de Natal. Deve ser uma bicicleta, tem que ser uma bicicleta. Papai Noel está sentado na cadeira ao lado da árvore. Os primos formam uma fila indiana. É por ordem de idade. Eu sou a segunda da fila. A primeira mulher de uma família de homens, muitos homens. Estou nervosa. Esse ano Papai Noel não vai me dar presentes. Sei que não fui uma boa menina. Estou com vontade de chorar. O Bom Velhinho chama meu primo. A bicicleta é para ele. Eu quero ir embora. Não quero ficar na fila. Ter que pensar em tudo o que passou. Papai Noel pede para ver as minhas mãos. Eu digo que não mostro. Desde pequena só faço o que quero. Pergunta se quero sentar no colo dele. Eu digo que não com a cabeça e uma lágrima escorre pelo meu rosto pequeno cheio de sardas. Eu quero ir brincar. Papai Noel me coloca sentada no colo dele. A roupa tem cheiro de mofo e me dá ataque de espirros. Preciso de ar. Não quero conversar com Papai Noel. Ele não pode ver que eu roí as unhas. Eu quero uma boneca Patinadora e patins novos. Para isso, me forçam a ficar na fila, mostrar as unhas, prometer que no ano que vem não vou sujar o meu vestido de festa na terra do parquinho, não vou implicar com o meu irmão, não vou ficar acordada até tarde, não vou fazer guerra de massinha, nem desarrumar o sofá da sala para montar uma cabana com almofadas. E depois me perguntam por que eu não gosto de Natal...

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Com Diablo no corpo

Esta é uma história real. Diablo Cody, a vencedora do Oscar de melhor roteiro de 2008, por Juno, estava prestes a completar 25 anos e ainda se sentia uma adolescente com formigas na calcinha. Medo de cruzar a fronteira para o lado negro dos 20 anos e perder a última chance de fazer uma grande loucura sem ter que lidar com responsabilidades da vida adulta. Para fugir do tédio, decidiu tirar a roupa em bares sujos de Minnesota – rebolando por notas de 10 dólares e passando noites em claro agarrada a um poste, ou qualquer coisa vertical e dura, depois escrever o livro Minha vida de stripper, ganhar o tal prêmio da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood e, e aí sim, fazer a vida valer a pena.
Longe de ser uma diva do sexo, Diablo não é o tipo que chama a atenção ao atravessar a rua e jura – no livro – que até ter decidido virar stripper nas horas vagas era praticamente beata. Afinal, nunca havia andado de moto, engravidado por acidente ou feito um aborto, jogado bebida na cara de alguém no meio de um porre, roubado batom de uma loja bacana. Pior: recebeu cada um dos sacramentos católicos, com exceção do matrimônio e da extrema-unção e terminou a faculdade em exatamente oito semestres. “Podia sentir meu fogo apagando. Minha crise dos 25 anos pesou no estômago como um cheeseburguer duplo. Acho que esta é uma das razões para eu ter acabado seminua numa boate”, escreve no livro, em que conta absolutamente tudo sobre a experiência, que deve ser muito mais interessante que fazer mochilão pela Europa, intercâmbio na Nova Zelândia, cortar o cabelo curtíssimo, ou essas coisas que as garotas com medo de chegar aos 30 costumam fazer.
Dá até vontade de seguir as sugestões da moça. Literalmente. Ela lista as 10 melhores e piores músicas para tirar a roupa – a melhor fica com Remix to ignition, de R. Kelly, seguida por Purple rain, do Prince: “Arqueie suas costas como se o próprio Prince estivesse derramando glitter no seu abdômen. Tem mais efeito em lojas de suco quase vazias, que promovem uma atmosfera emocionante”, escreve. Será? Acho que não... O fato é que Diablo vive com a mesma intensidade com que escreve. O característico humor ácido, rápido e pra lá de moderninho de Juno é usado com a ousadia de quem passa longe de ser uma diva do sexo, mas tem coragem de leiloar a própria calcinha ao som de Honky tonk woman, dos Rolling Stones, ao mesmo tempo em que trabalha como redatora em uma agência de publicidade. E ela conta tudo sobre a indústria do sexo pago, com os mínimos detalhes. Talvez picantes até demais, mas que nas palavras de Diablo soam mais como conversa de garotas moderninhas que papo de filme pornô.
Pois foi com esse espírito – com, digamos, com a Diablo Cody no corpo – que convidamos escritoras brasileiras também pra lá de moderninhas para se despirem de moralismos e se sentirem na pele de uma stripper. Em microcontos de cerca de 20 linhas, as nossas divas deveriam escrever experiências de um striptease. A poeta Maria Rezende levou a brincadeira para o lado romântico, sem deixar de ser exibida. A consagradíssima Ana Miranda transforma o ritual em sagrado, praticamente místico. A autora teatral e romancista Manoela Sawitzki experimenta a negociação com o contratante do serviço. A sempre moderna Ivana Arruda Leite faz uma enfermeira tirar o uniforme ao som de Roberto Carlos. Todas elas e Diablo colocaram em suas personagens a adrenalina pulsante de quem expõe suas maiores vulnerabilidades em público.

(Leiam mais sábado, no caderno Idéias, do Jornal do Brasil)

sábado, 20 de dezembro de 2008

Um suspiro

Observa a formiga encontrar seu caminho sobre a mesa de laca bege - o bichinho mexe as perninhas rápido demais, as antenas buscam espaço livre. Seu rosto tem manchas vermelhas, sinal do pranto. A lista de afazeres é infinita. Não vai dar tempo, não vai dar tempo. Corre para lá e para cá como o coelho branco, de Alice no País das Maravilhas. De vez em quando bate um desespero e ela chora ainda mais. É filme, é blog, é site, é revista, é jornal. Todas as mídias em uma pessoa só. Curto –circuito. As amigas ficam para depois, a academia para janeiro, manicure também. Sai às 7h, volta às 3h – tudo da manhã. Tem que terminar antes que 2008 acabe. E às vezes, mas só às vezes, quando a lista de afazeres é escrita em pilot vermelho no bloquinho de anotações, a cabeça pára de pensar. E ela observa a formiga ser livre sobre a mesa.

Dois mil e nove é um suspiro.