Acordei na manhã de sábado em Copacabana. Na manhã de sábado , em Copacabana, já tem gente no boteco. Já tem homem levando o cachorro para passear, porteiro conversando na calçada, eu saindo do prédio andando meio torta com cara de ontem. Eu tentando equilibrar o salto alto no chão de pedras portugueses. Malditos portugueses que inventaram esse chão que eu preciso me equilibrar às 7h30 da manhã do sábado nublado. (Depois fez sol, mas às 7h30 o dia estava nublado). Um caminhão da Fábrica da Felicidade - imagino que seja algum tipo de Baú da Felicidade - está estacionado na esquina. Mas eu ando mais um quarteirão, não quero pegar o táxi na cara dos porteiros que conversam na calçada. Tenho vergonha de pegar um táxi às 7h30 da manhã em Copa com a roupa de ontem. Esqueço que é dia, e digo boa noite, quer dizer, bom dia. Os porteiros me olham passar, os homens do boteco me olham passar, o cara dentro do carro parado no sinal me olha esperar. O taxista me olha como quem diz: “Eu sei o que você fez ontem à noite”.
XXXX
Eu vivo para escrever o que vivi. O meu maior medo é o coração parar de tanto bater. Causa mortis: vida.
O olhar que congela a alma e põe silêncio onde antes havia palavras entrou pelos meus olhos. Causa mortis: olhos nos olhos, quero ver o que você faz.
domingo, 27 de julho de 2008
El portunhol selvagem
Domador de Jacaré olhou nos olhos do Céu de Maracujá e disse: “El sentido normal de las palabras no le hace bien al poema”
Na fronteira entre Brasil, Bolívia e Paraguai, 11 mil pessoas falam uma língua que mais parece um poema: El Portunhol Selvagem. Mistura de português, espanhol e guarani, o novo idioma pode ser considerado o mais democrático da América do Sul. Cada pessoa fala, escreve e pensa seu próprio portunhol. Segundo reportagem no caderno Idéias, no JB, até o poeta Manoel de Barros enviou à comunidade uma carta de próprio punho autorizando a transposição de toda sua obra para o idioma. A Mariana Filgueiras, repórter que escreveu o texto, grande companheira de risadas na redação e minha gêmea astrológica - ela também é peixes com escorpião e lua em sagitário - esteve pessoalmente em San Bernardino, a 35 quilômetros de Assunção, para acompanhar o evento chamado Kapital Mundial de la Ficción, uma reunião de gente que escreve e traduz el portunhol selvagem. A Mari me trouxe de presente histórias contadas com o brilho nos olhos de quem viu de perto um movimento que quem vive aqui nem sonha, causos de gente cuja o nome significa “céu de maracujá” e “domador de jacaré”, frases de um idioma onde a palavra preguiça não está no vocabulário. Em portunhol selvagem preguiça equivaleria a “vento do outono”, um vento morno que sopra devagar. Mas a Mari me trouxe também um livro em cartonera - “Tapa hecha com cartón comprado en la via pública de Asunción (Paraguay) a G$ 1000 el kilo y pintada a mano por El Domador de Yakarés nel Outono del 2008 nel taller de Yiyi Yambo” - do escritor paraguaio Edgar Pou. O título é Pombero Tamaguxi. Segue o poema “Tesarai“:
Fueras tú la que espera
Al final de la cuerva del beso del ácido
Traspasados los pechos por una sed furibunda
Estallara la asfixia retórica que precede al grito
La luna lavada de silencio si fuera noche
La humareda de smog si fuera día
Non se trata de agorafobia
Soledad uñas fiebre
Horizonte palideciendo
Nightmares
Al encuentro de algo como encerrado
(un niño que no puedes ver)
O una mordida fulmínea en un puño
Donde patalea una sonriza
Y la tarde envenenara la doble avenida del antes y el
después
Y la tarde olvidara cerrar los ojos inútiles de las flores
La tarde para morir sin que te arranquen tu secreto
No sé de que trata la película
Y
Aunque no fueras tú la que espera
Al final deal zarpaso amniótico del sueño
Acurrucada en la luz de mil dientes de léon sin soplar
Te encontraré y solo ahí sabremos
Para que te he buscado tanto Sharón Tate…
Na fronteira entre Brasil, Bolívia e Paraguai, 11 mil pessoas falam uma língua que mais parece um poema: El Portunhol Selvagem. Mistura de português, espanhol e guarani, o novo idioma pode ser considerado o mais democrático da América do Sul. Cada pessoa fala, escreve e pensa seu próprio portunhol. Segundo reportagem no caderno Idéias, no JB, até o poeta Manoel de Barros enviou à comunidade uma carta de próprio punho autorizando a transposição de toda sua obra para o idioma. A Mariana Filgueiras, repórter que escreveu o texto, grande companheira de risadas na redação e minha gêmea astrológica - ela também é peixes com escorpião e lua em sagitário - esteve pessoalmente em San Bernardino, a 35 quilômetros de Assunção, para acompanhar o evento chamado Kapital Mundial de la Ficción, uma reunião de gente que escreve e traduz el portunhol selvagem. A Mari me trouxe de presente histórias contadas com o brilho nos olhos de quem viu de perto um movimento que quem vive aqui nem sonha, causos de gente cuja o nome significa “céu de maracujá” e “domador de jacaré”, frases de um idioma onde a palavra preguiça não está no vocabulário. Em portunhol selvagem preguiça equivaleria a “vento do outono”, um vento morno que sopra devagar. Mas a Mari me trouxe também um livro em cartonera - “Tapa hecha com cartón comprado en la via pública de Asunción (Paraguay) a G$ 1000 el kilo y pintada a mano por El Domador de Yakarés nel Outono del 2008 nel taller de Yiyi Yambo” - do escritor paraguaio Edgar Pou. O título é Pombero Tamaguxi. Segue o poema “Tesarai“:
Fueras tú la que espera
Al final de la cuerva del beso del ácido
Traspasados los pechos por una sed furibunda
Estallara la asfixia retórica que precede al grito
La luna lavada de silencio si fuera noche
La humareda de smog si fuera día
Non se trata de agorafobia
Soledad uñas fiebre
Horizonte palideciendo
Nightmares
Al encuentro de algo como encerrado
(un niño que no puedes ver)
O una mordida fulmínea en un puño
Donde patalea una sonriza
Y la tarde envenenara la doble avenida del antes y el
después
Y la tarde olvidara cerrar los ojos inútiles de las flores
La tarde para morir sin que te arranquen tu secreto
No sé de que trata la película
Y
Aunque no fueras tú la que espera
Al final deal zarpaso amniótico del sueño
Acurrucada en la luz de mil dientes de léon sin soplar
Te encontraré y solo ahí sabremos
Para que te he buscado tanto Sharón Tate…
sexta-feira, 25 de julho de 2008
O tempo passa
A sua mão sente a falta da minha?
Sente.
Falta.
Eu.
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo foi e me deixou aqui sozinha. O espelho refletiu as veias da minha mão. Quando via a minha prima tocar piano, achava que o mais bonito eram as veias da mão pulando ao som de cada nota. As mãos magras e brancas. As veias, a vida que pulsava dentro dela. 26 anos de vida, e eu achava as veias dela lindas. E o tempo foi. Andou. Correu pelo caminho. E eu tinha, e tenho tanto a fazer. E as veias. As veias pulsam aqui. E o tempo foi. E eu caminho. Eu ando pelo tempo. Eu corro no tempo. E as coisas passam. Eu flutuo. Eu pairo sob o correr do tempo. E olho estarrecida o fim de tarde na Lagoa. A chuva de folhas do lado de fora do vidro. A força do vento. Eu sinto estarrecida a força do vento. As veias da minha mão vibram com a força. Força. Força. Força.
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo passa. Os corpos ficam aqui. A pele fica aqui. Aqui. As veias pulsam aqui. Por mais que o tempo corra, por mais que tempo gire, por mais que o vento rodopie num furacão de folhas secas, as veias pulsam aqui. Aqui, onde os corpos ficam secos. Uma folha seca que flutua ao vento da tarde. Terral. O vento terral. Aqui a força terral faz o tempo passar. A pele seca. O corpo fica aqui.
Sente.
O corpo.
Sente.
Falta.
O seu corpo sente a falta do meu corpo?
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo passa.
É aqui que a veia pulsa.
Anda logo, o tempo passa.
Se a sua mão sente falta da minha,
Segura.
Força.
Segura, senão o tempo passa.
Sente.
Falta.
Eu.
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo foi e me deixou aqui sozinha. O espelho refletiu as veias da minha mão. Quando via a minha prima tocar piano, achava que o mais bonito eram as veias da mão pulando ao som de cada nota. As mãos magras e brancas. As veias, a vida que pulsava dentro dela. 26 anos de vida, e eu achava as veias dela lindas. E o tempo foi. Andou. Correu pelo caminho. E eu tinha, e tenho tanto a fazer. E as veias. As veias pulsam aqui. E o tempo foi. E eu caminho. Eu ando pelo tempo. Eu corro no tempo. E as coisas passam. Eu flutuo. Eu pairo sob o correr do tempo. E olho estarrecida o fim de tarde na Lagoa. A chuva de folhas do lado de fora do vidro. A força do vento. Eu sinto estarrecida a força do vento. As veias da minha mão vibram com a força. Força. Força. Força.
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo passa. Os corpos ficam aqui. A pele fica aqui. Aqui. As veias pulsam aqui. Por mais que o tempo corra, por mais que tempo gire, por mais que o vento rodopie num furacão de folhas secas, as veias pulsam aqui. Aqui, onde os corpos ficam secos. Uma folha seca que flutua ao vento da tarde. Terral. O vento terral. Aqui a força terral faz o tempo passar. A pele seca. O corpo fica aqui.
Sente.
O corpo.
Sente.
Falta.
O seu corpo sente a falta do meu corpo?
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo passa.
É aqui que a veia pulsa.
Anda logo, o tempo passa.
Se a sua mão sente falta da minha,
Segura.
Força.
Segura, senão o tempo passa.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Acredite
Depois de conversas infindáveis, regadas a vinho e risadas, a lua ilumina o caminho, que há tempos planejávamos seguir. O que somos agora é o prenúncio da imensidão do que seremos. Hoje somos produtos em compasso. Mas o amarrar do tempo de nada impede que os sonhos sejam realizados. A completude da nova rota, traçada pela vontade, ímpeto de ser, realiza projetos impossíveis. Almejar novas escolhas clareia as certezas de tal forma, que quem está de fora não percebe a multiplicidade do que somos. Amiga, tenha certeza que o futuro é próspero, que os frutos serão colhidos. De nada adianta ter o mundo nas mãos, se a alma não está completa. Pelo amor a arte e as palavras, pelo amor ao ser e ao viver, sejamos plenas, mesmo que isso signifique sermos únicas e diferentes. A beleza está na essência da individualidade. No ser infinito que somos, no acreditar sem palavras e no sentir ao respirar. Amiga, sejamos simples assim. É preciso apenas acreditar na vida, e nas escolhas. Há muito mais por aí do que nossos olhos podem enxergar.
domingo, 20 de julho de 2008
Entregue-se, digo eu.
Eu que nada sei desconfio de muita coisa, afinal senti antes de pensar. Na suavidade de nada dizer e tudo se entender, o correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinqueta. O que ela quer da gente é coragem. Por isso sigo vivendo em voz alta. E não tem jeito, quem não quiser sofrer que se isole. Feche as portas da própria alma enquanto possível à luz do convívio. A realidade está repleta de acasos, é o que nos faz ser quem somos. Não se preocupe em entendê-la, viver ultrapassa todo o entendimento. Não há problema em hesitar, se depois você prosseguir. O certo é que se você ficar fazendo o que sempre fez, vai sempre conseguir os mesmos resultados. Por isso que eu digo: Entregue-se.
O resto quem disse foi (na respectiva ordem das frases citadas): Guimarães Rosa, Rousseau, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, E. Zola, Fernando Pessoa, Paul Auster, Clarice Lispector, Brecht, Antony Robbins.
O resto quem disse foi (na respectiva ordem das frases citadas): Guimarães Rosa, Rousseau, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, E. Zola, Fernando Pessoa, Paul Auster, Clarice Lispector, Brecht, Antony Robbins.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
A maldição de Newton
Muito antes que eu começasse a desejar um dia com mais 8 horas e o mundo contemporâneo criasse o tempo real, tornando cada vez menor a possibilidade dos sonhos se realizarem, Platão acreditava que o tempo era parte de uma ordem divina, Aristóteles fazia de sua noção algo intrínseco ao universo, Santo Agostinho dizia que o passar dos segundos resultava do movimento de todos os corpos, Kant acreditava que apesar de essencial, o tempo era destituído de realidade, até que um dia Newton afirmou que o tempo era de fato uniforme, e aí criaram o relógio, e por consequência surgiu o meu desespero. Por que quando dá sexta-feira, e eu fico quinze minutos deitada enrolada no edredon antes da angústia de perder a vida que está passando lá fora me empurre para o Baixo, tudo o que eu mais queria é que não estivesse tão cansada. Por que quando a Pri me convida para ir para Angra, tudo o que eu queria é que não estivesse precisando tanto da minha casa. E quando o chefe me oferece uma nova coluna, eu queria muito poder aceitar sem que isso se tornasse mais um estresse. E os freelas. E a proposta da Produtora. E o livro. E a natação. E aquele livro que eu queria ler. E aquele texto que eu pensei em escrever. O e-mail que eu não tive tempo de responder. Todos os filmes que estão no cinema e eu não vi. A exposição da amiga que eu simplesmente esqueci. Aquele amigo que eu deixei falando sozinho no msn. E para piorar a arrumadeira foi embora, a pilha de roupa suja está amontoando, eu já acordei atrasada, não deu tempo de fazer a cama, nem de gravar o vídeo para o chá de panela daquela amiga, nem de separar as fotos de infância com aquela outra, nem de fazer uma salada para o almoço. E agora vou ter que pedir delivery do Espoleto e comer macarrão aqui no teclado, porque ainda tenho duas matérias para escrever, e mais três colunas para pensar, e já são 20hs e o chefe está me perguntando o que está acontecendo com a qualidade do meu trabalho. O que está acontecendo? O que está acontecendo é que eu não durmo mais de 5 horas por noite, choro escondido no banheiro da redação e passo muito mais tempo Online no MSN do que eu gostaria - e não é para bater papo, é que o meu chefe acredita que MSN é a melhor forma de comunicação da humanidade. O que está acontecendo é que a minha vida tem sido para o trabalho, e por mais que eu ame tudo que eu faço, agora eu estou muito cansada para sair. Muito cansada para tomar chope com as amigas, com preguiça de conhecer alguém novo e sem paciência para papinho. Vamos logo ao que interessa. E mesmo assim, só de pensar em me arrumar me dá preguiça. Hoje eu quero sair de pijama. Só vou dançar se puder ir com a minhaa calça xadrez de flanela rosa e não precisar colocar lentes. Hoje só vou se for de óculos e mesmo assim só se não precisar dirigir. Só vou se for para te encontrar e você gostar de mim assim mesmo, com essas olheiras. E até que ponto vale a pena conseguir fazer tudo em 24 horas (menos 5 horas para dormir), se no final, eu só queria mesmo um abraço (e quem sabe aquelas 5 horas de sono pudessem ser ao seu lado).
terça-feira, 15 de julho de 2008
Uma tarde em Santa
Um gato eriçou os pêlos e espreguiçou-se com aquela manha que só os gatos têm. Eu mal cheguei em Santa e os gatos já me olhavam pela janela. Minha primeira reunião foi na Chácara do Céu. Subi a rua de paralelepípedos a pé e lembrei daquela foto que você tirou de mim, aquela em que estou com a blusa florida azul e verde e o sorriso de quem tem só vinte anos e um mundo de sonhos pela frente. Aquela exposição do Debret não está mais exposta, hoje as paredes mostram "Bichos". A chácara estava vazia, não recebe visitas às terças-feiras. Segui à procura da rua Triunfo, o nome não me parecia estranho, mas eu ainda não tinha me tocado que era a nossa rua. Passei pelo Sobrenatural, pela venda do português, pelo Mineiro, e me disseram que a rua era a próxima à direita. Sempre sozinha. Em cada canto, uma cena, uma memória, um diálogo, uma história de amor. Nós tínhamos amor em cada palavra. Em cada troca de olhar, versos infinitos. Coragem de quem não tem nada a perder. Outro dia li em algum lugar algo explicando porque os casais apaixonados vivem em uma bolha, como se o mundo inteiro fosse o outro… Não me lembro agora. Já faz tanto tempo que eu não me apaixono. Às vezes me pergunto se ainda consigo. O número 38, o número que eu procurava, era o castelo aonde a Paula estudava acupultura. A janela do nosso quarto estava fechada. A janela do rés do chão. Coloquei o rosto pela grade do seu portão. Tinha uma bicicleta naquele pátio interno, mas não era a sua (ela ainda existe?). O pátio está florido e bem cuidado, mas o menino que hoje mora no castelinho (você sabia que virou uma pousada?) me disse que o ap está para alugar. Lembrei dos pêlos dos gatos pela casa, do futon, do edredon verde e das manhãs frias em que eu esperava você voltar com o pão e jornal. Meus ouvidos atentos aos assobios - um jeito tão seu de avisar que estava chegando, que aquela seria mais uma manhã fria na rede. Seria bom se o amor sempre assobiasse quando estivesse chegando perto. Eu tenho medo de cair se ele chegar assim de repente. Se ele ainda chegar. Eu ainda vou me apaixonar de novo, não vou? Comi uma cocada branca. Não devia comer cocada desde aquele tempo. Hoje em dia eu vivo sempre de dieta. Deve ser um sinal de que a vida anda mais séria. Ninguém quer mais se entregar, e as coisas vão ficando assim, sem graça. Mal sabem eles que o segredo é não se levar tão à sério. E era tão gostoso né? Não se levar a sério, só se deixar levar. Quem me ciceroneou em Santa foi a Ana, e eu já tinha achado essa coincidência incrível, até que eu vi o Chico. Calma, não é o Buarque (esse eu ainda vejo de vez em quando pelo Leblon, e o meu coração ainda pára). Eu vi foi o Chico seu primo, que subiu meio correndo, esbaforido, a escadaria do casarão da Livraria Largo das Letras (acho que o nome é esse mesmo, Largo das Letras). O Chico carregava uma caixa de som, e eu olhei no olho dele e disse “Opa”. O menino que vinha atrás do seu primo parou e me olhou. Procurei no rosto daquele garoto qualquer traço familiar, mas não o reconheci. Perguntei o que eles faziam ali. “Tocamos às terças”, ele disse. O nome da banda era Brasil com Z. Eu achei o nome meio ruim para uma banda instrumental, mas lembrei das noites em que você me carregava a contragosto ao Clube Naval. “Vocês tocavam no Clube Naval, ao lado do Municipal?”, perguntei. O garoto demorou um pouco para entender, mas no final disse que eram meio que uma ramificação do grupo daquela época. Ainda tentei trocar algum olhar com o Chico, em busca de que ele se lembrasse de mim. Mas acho que não. Desci as escadas de volta ao Largo dos Guimarães saudosa. Ah que saudade que me deu dos meus 20 anos, dos planos e de tudo mais. Não deve ter sido por acaso, mas estava agorinha limpando a minha caixa de e-mail e achei uns escritos por você. Cartas cheias de saudade, quando eu estava em Buenos Aires. Cartas cheias de mágoas, quando você não entendeu que eu simplesmente precisava seguir. Precisava conhecer mais. Experimentar mais. Ser mais. Precisava ver sozinha. E as cartas de amor. O que dizer das cartas de amor. E aí me veio de novo aquela agonia de não ter como falar com você. De vez em quando eu sinto essa agonia. É que eu fico te imaginando depois de tanto tempo. O meu olhar ainda é o mesmo, mas os olhos já são outros. Procurei seu telefone nos e-mails, mas nada. Se não me engano, a última vez que nos falamos era você quem estava em Buenos Aires. Fuxiquei os e-mail mais um pouco e encontrei um número antigo. Não lembro se esse número era da casa do seu pai ou da sua, só tenho certeza que não era da sua da mãe. O da sua mãe começava com 2551. Disquei o tal do 2225. Não sei para que, mas disquei. O telefone tocou, tocou, tocou, e uma menina atendeu. Uma voz novinha, um jeito de garota. E eu desliguei. Vai que não era a sua casa, vai que era a sua namorada, vai que era a sua irmãzinha que cresceu. Ver o tempo passar assusta.
domingo, 13 de julho de 2008
Você conseguiu ser o centro das atenções. Ele me disse isso enquanto o M. pegava ar para continuar mais uma frase. Eu fiz aquela minha cara que faço antes de receber uma crítica. Dizem que é uma cara de "manda ver que eu agüento" misturada com "minha intenção não era essa", que resulta basicamente no olhar atento àquele que fala, e no pior dos casos um leve franzir das sobrancelhas e contração do canto da boca. Ele disse "você conseguiu ser o centro das atenções", o M. olhou para mim, eu fiz a cara de quem não entendia e ele continuou: Em cinco minutos de conversa você conseguiu que eu te contasse coisas que eu nunca disse para ninguém, e mais, me fez ouvir o meu irmão dizendo coisas que nunca ouvi ele dizer, e mais ainda, fez com que eu e ele praticamente brigássemos para ver quem ia falar primeiro. O M. ficou me olhando sério enquanto ele falava. E eu fiquei sem saber se aquilo era uma crítica ou um elogio. Quando ele disse que saber ouvir era uma qualidade rara, eu pude finalmente relaxar o lábio e a sobrancelha. Ele ficou me olhando, o M. ficou me olhando e eu me senti o centro das atenções, aí não consegui falar mais nada. Dei uma gargalhada para descontrair, mas aí ela chegou dizendo que ele estava dizendo aquilo porque nunca tinha sido entrevistado por mim. Ser entrevistado por mim era muito pior. Aí o outro disse que tinha medo do meu olhar. E era tanta gente reparando em mim que preferi mesmo é continuar muda, escapulir pelo buraco. Aì fiquei pensando nisso, pensando que tenho preferido mesmo escutar. É que ultimamente, quando tento colocar as coisas em palavras elas perdem a sua imensidão, mais ainda quando elas dizem respeito a mim. Deve ser por isso que não tenho conseguido escrever. As dimensões das palavras não significam nada sem o valor de seus sentimentos. O lado de dentro está tão sem forma, que as palavras embaralham e todos ficam me olhando com uma cara muito de não sei o que, meio sem entender porque eu segurei o choro na hora de falar, porque eu não consegui dizer nada. Acho que é por isso. Por isso que eu venho transformando as minhas conversas em entrevistas. Por isso que quando ele disse "Você conseguiu ser o centro das atenções" eu tomei como crítica. Porque o pior mesmo é quando as palavras ficam presas aqui dentro não porque eu não sei como dizê-las, mas porque talvez não haja quem possa compreendê-las. Talvez não haja quem de fato se interesse.
sábado, 12 de julho de 2008
Very Important People *
É mais um começo de noite de domingo no Rio de Janeiro. Isso mesmo, domingo. Não é sexta-feira à noite, muito menos madrugada de sábado. Ao mesmo tempo que boêmios da cidade ocupam as mesas dos botecos preferidos para o último gole do final de semana, familiares se despedem do tradicional almoço semanal e crianças escrevem as últimas linhas do dever de casa, uma fila de gente na faixa dos 30 anos se forma na esquina da rua Farme de Amoedo e Prudente de Moraes, em Ipanema. Às 19h30, ambos os lados da calçada do quarteirão entre as ruas Visconde de Pirajá e Prudente de Moraes estão ocupados por carros. Motoristas impacientes buzinam em fila única, inconformados com o trânsito causado pelos manobristas em frente ao Clube 69, boate descolada que cativa a juventude cool da cidade. Ali, seguranças de terno e gravata e a hostess da casa decidem quem é digno ou não de se acabar em mais um Bailinho. Isso mesmo, Bailinho – a festa de nome vintage (existe algo mais in que vintage?) que durante 35 semanas ferveu o Rio. Sim, ferveu.
Domingo passado foi o último – embora ninguém da fila soubesse disso. A festa, que a princípio seria exclusiva para amigos e os amigos dos amigos do ator-produtor-diretor-DJ-agitador cultural Rodrigo Penna alcançou notoriedade e tornou-se um inferno, e passou a ser mais uma a usar indiscriminadamente o antigo, mas tão atual, conceito de VIP, sigla para Very Important People.
E é exatamente por causa disso que a fila de jovens que dobrava um dos quarteirões mais nobres de Ipanema não saía do lugar. E mais: crescia em progressão geométrica, a medida em que mais pessoas se infiltravam nela – afinal, no Rio, todo mundo conhece alguém na fila. O problema é que para entrar na casa, hoje, só com o reconhecimento do staff. “Só entra VIP, quem não tem nome na lista tem que esperar”, berra o leão de chácara.
Amigo do amigo
Ok, mas uma vez que a cena relatada aqui não é exclusividade do Bailinho e repete-se na porta de outras casas pela cidade, quem é VIP?
Bem, definir o conceito VIP carioca não é fácil. Isto por que, além de dândis, modelos, filhos de gente importante, celebridades e grã-finos, as listas estão repletas de... amigos. Gente que conhece quem organiza a casa, quem convida, quem promove, gente que é amigo do amigo. Nem sempre com dinheiro, mesmo assim, gente que paga a entrada. Sim, no Rio, muito “VIP” paga a entrada.
As pessoas que conseguiram entrar no Bailinho domingo passado, por exemplo, não eram VIP, mas amigos. Pelo menos foi o que me disse Rodrigo Penna: “Nós temos uma lista amiga. Só quem entra sem pagar são os Djs que já tocaram na festa, designers e fotógrafos envolvidos no processo de produção do evento”. A tal lista amiga à qual Rodrigo se refere é uma mala direta normalmente enviada por e-mail a amigos, freqüentadores cativos e pessoas que conhecem esses nomes, tornando possível definir e estabelecer o público específico – sem misturar grupos. E, principalmente, deixando a playboyzada de fora. Gente descolada odeia playboy, ou seja, gente que vai para a night só para pegar mulher.
*Lista amiga, um glossário do vocabulário vip carioca, muita polêmica sobre a noite no Rio e a continuação deste texto, na revista Domingo
Domingo passado foi o último – embora ninguém da fila soubesse disso. A festa, que a princípio seria exclusiva para amigos e os amigos dos amigos do ator-produtor-diretor-DJ-agitador cultural Rodrigo Penna alcançou notoriedade e tornou-se um inferno, e passou a ser mais uma a usar indiscriminadamente o antigo, mas tão atual, conceito de VIP, sigla para Very Important People.
E é exatamente por causa disso que a fila de jovens que dobrava um dos quarteirões mais nobres de Ipanema não saía do lugar. E mais: crescia em progressão geométrica, a medida em que mais pessoas se infiltravam nela – afinal, no Rio, todo mundo conhece alguém na fila. O problema é que para entrar na casa, hoje, só com o reconhecimento do staff. “Só entra VIP, quem não tem nome na lista tem que esperar”, berra o leão de chácara.
Amigo do amigo
Ok, mas uma vez que a cena relatada aqui não é exclusividade do Bailinho e repete-se na porta de outras casas pela cidade, quem é VIP?
Bem, definir o conceito VIP carioca não é fácil. Isto por que, além de dândis, modelos, filhos de gente importante, celebridades e grã-finos, as listas estão repletas de... amigos. Gente que conhece quem organiza a casa, quem convida, quem promove, gente que é amigo do amigo. Nem sempre com dinheiro, mesmo assim, gente que paga a entrada. Sim, no Rio, muito “VIP” paga a entrada.
As pessoas que conseguiram entrar no Bailinho domingo passado, por exemplo, não eram VIP, mas amigos. Pelo menos foi o que me disse Rodrigo Penna: “Nós temos uma lista amiga. Só quem entra sem pagar são os Djs que já tocaram na festa, designers e fotógrafos envolvidos no processo de produção do evento”. A tal lista amiga à qual Rodrigo se refere é uma mala direta normalmente enviada por e-mail a amigos, freqüentadores cativos e pessoas que conhecem esses nomes, tornando possível definir e estabelecer o público específico – sem misturar grupos. E, principalmente, deixando a playboyzada de fora. Gente descolada odeia playboy, ou seja, gente que vai para a night só para pegar mulher.
*Lista amiga, um glossário do vocabulário vip carioca, muita polêmica sobre a noite no Rio e a continuação deste texto, na revista Domingo
quarta-feira, 9 de julho de 2008
Por não estarem distraídos
"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.Tudo, tudo por não estarem mais distraídos",
da Clarice, sempre ela...
da Clarice, sempre ela...
quarta-feira, 2 de julho de 2008
Covardia
Tá doendo. Tá doendo lá dentro do peito. É que quando a realidade é jogada assim na sua cara, não tem jeito. A culpa é toda do Pedro Lago, que escreveu lá no blog dele uma poesia tão minha, que não poderia ter saído dele. Escreveu lindo e claro, e me fez doer. O Pedro fez dele as palavras que há tempos moram dentro de mim. Coisas de poeta… É que poesia não tem fala, impactos de amor não são poesia, me explicaria o Carlos Drummond de Andrade. Poesia é coisa que eu não conseguiria fazer. Calma clama calma, já, já faço copio o texto do Pedro aqui. É que antes tenho que fazer uma ressalva (parece mesmo que eu sempre tenho ressalvas a fazer). Não é orgulho. A palavra não é essa. Também não sei qual é ao certo, se soubesse tinha escrito uma poesia, como fez o Pedro, ou até mesmo um texto, o que seja. Se eu tivesse escrito, talvez colocasse a coragem no lugar do orgulho. É que tem que ser muito covarde para desistir de um castelo tão belo antes que suas paredes estejam de todo levantadas. Onde já se viu desistir do símbolo de um reino assim, só mesmo covarde. O sorriso na face é por não acreditar que o que nem chegou a ser, chegou ao fim. Negação, responderia o Pedro com razão. É que o peito rígido fechado fica mais desgastado com o passar desta anedota, eu responderia com o peito doído, mas ainda assim usando as palavras dele. O esplendor da manhã não se abre com faca, o Pedro está certo, diria a Mariana Filgueiras se lesse esse blogue e se intrometesse na conversa. Sou voto vencido. Cabe somente a mim conseguir descobrir se fazer o bem àqueles que não são mais espelhos - não consigo colocar em palavras, talvez peça ajuda ao Pedro. Voltando: cabe somente a mim descobrir se fazer o bem àqueles que não são mais espelhos é parte do ser infinitamente harmônico que sou (será?), ou manobra para adiar a partida, fugir dos olhares da despedida, porque até o para sempre tem um fim. Só que até as alcachofras têm coração…
Enfim, de volta à vaca fria, aí está a tal poesia do Pedro.
Orgulho juvenil
Embriagada por reflexos quebrados,
finge não ver pela face,
a óbvia harmonia do virar da página,
escrita em palavras soltas
que outrora compunham o romance.
Defende-se dos doces ventos,
sorrindo sem sorrir verdadeiramente
na vã negação à imagem,
que se desfaz em lentas erosões
pelos muros de areia seca
de um castelo que não foi,
mas seria lembrada sua estrutura.
Orgulho juvenil,
derrota da lágrima pura,
cairía simples como o orvalho
mas esbarra na postura frívola,
trazendo riso falso a quem
não reconhece a própria face,
agora mudada,
pela fresta quebrada
do espelho que não há.
Como é duro interpretar
personagens sem estado.
Vazios como armaduras de lata
que nada passam ao olhar
da platéia única, que agoniza
no gelo da ausência de vida cênica,
sem ballets nem cantos,
apenas o rígido peito fechado
que fica mais desgastado
no decorrer desta anedota.
Vale mais ser harmônico,
reconhecendo o passar da estação,
sem mágoas e negação,
e sentir o pesar da partida,
lamentar o olhar da despedida
depois sorrir à nova ilusão.
Não permita o ar da postura
pois é isso que faz a fissura,
e mancha de vez a composição,
que deve ser bela e inocente,
afinal é nela que há deleite
da plena realização.
Enfim, de volta à vaca fria, aí está a tal poesia do Pedro.
Orgulho juvenil
Embriagada por reflexos quebrados,
finge não ver pela face,
a óbvia harmonia do virar da página,
escrita em palavras soltas
que outrora compunham o romance.
Defende-se dos doces ventos,
sorrindo sem sorrir verdadeiramente
na vã negação à imagem,
que se desfaz em lentas erosões
pelos muros de areia seca
de um castelo que não foi,
mas seria lembrada sua estrutura.
Orgulho juvenil,
derrota da lágrima pura,
cairía simples como o orvalho
mas esbarra na postura frívola,
trazendo riso falso a quem
não reconhece a própria face,
agora mudada,
pela fresta quebrada
do espelho que não há.
Como é duro interpretar
personagens sem estado.
Vazios como armaduras de lata
que nada passam ao olhar
da platéia única, que agoniza
no gelo da ausência de vida cênica,
sem ballets nem cantos,
apenas o rígido peito fechado
que fica mais desgastado
no decorrer desta anedota.
Vale mais ser harmônico,
reconhecendo o passar da estação,
sem mágoas e negação,
e sentir o pesar da partida,
lamentar o olhar da despedida
depois sorrir à nova ilusão.
Não permita o ar da postura
pois é isso que faz a fissura,
e mancha de vez a composição,
que deve ser bela e inocente,
afinal é nela que há deleite
da plena realização.
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