terça-feira, 24 de julho de 2007

Central de atendimento ao consumidor

Ligou o carro, abaixou o freio de mão, deu a ré, engatou a primeira e enquanto descia a ladeira ligou o rádio. Não ouviu música. Escutou o som do trânsito lá fora, do motor, da chuva caindo no vidro, do pára-brisa tentando contê-la, o som da própria respiração. Mas nada de música. Quinze minutos antes Nouvelle Vague quase estourava as caixas, In a manner of speaking. Parou o carro no acostamento. Tirou a frente do rádio, assoprou a partezinha dourada. Não adiantou nada. Apertou todos os botões. Ele estava morto. E agora? é possível dirigir sem música? Os carros vizinhos estavam de vidros fechados, não queriam emprestar a ela um pouco de seu universo particular. Parece que tem sido assim ultimamente. Ela não tem tido acesso a universos particulares. O dela próprio estava sendo desconstruído aos poucos. Como reconhecer-se em alguém que nunca imaginara ser? Estacionou. Subiu as escadas. Era um dia incomum, precisava de som. Não havia silêncio interno. A cabeça não parava de pensar. Precisava distrair. Ligou a tv. Nada. Por favor, ligue para nossa central de atendimento ao consumidor: 4004-777. OFF. Ligou o computador, impossível encontrar o servidor. Nouvelle Vague no ipod. Acabou a bateria. A única saída era dormir. No dia seguinte, o carro não pegou. Ela perdeu a ioga. Chegou no jornal e a pauta caiu. Pensou se não estaria soltando faíscas. Caiu um prantos. Soluçou. A barriga tremeu. A chefe se preocupou. A lente escapou do olho. Ufa! Ela conseguiu segurá-la antes que caísse no chão. E as lágrimas não paravam de brotar. Se sentiu com cinco anos, indefesa. Precisava de colo, de cafuné, de abraço de urso. Precisava de férias, mas não sabia ficar sem trabalhar. Tinha medo de ter tempo para olhar a si mesma. Encontrar algo que não gostaria. Todo mundo sabia que ela tinha mania de perfeição. Se exigia tanto, mas tanto, que quando algo dava errado debulhava-se em lágrimas. Mas como tudo poderia dar tão certo se ela era apenas uma? Se tivesse uma dupla, talvez tudo se resolvesse. Se olhasse mais para si, teria uma dupla. Mas ela não sabe ficar parada. E o tempo passa. E o início torna-se final, e o final início, num ciclo eterno. Ela quebrou, a água escorria por seus olhos e não há central de atendimento para humanos. Mas o carro já está na oficina, o ipod carregou, a net está no ar, e como vocês podem ver, ela está online. Dando choque, mas online. Portanto, cuidado.

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Da série "não consigo parar de ler": Como fazer uma canção , por Elvis Costello

Um comentário:

Mariana disse...

essa criança de 5 anos, costuma passar pelas nossas vidas. e o mais intrigante é que nunca se sabe quando será a proxima visita.

muito bom braile.