Na Praia, do inglês Ian McEwan, começa num quarto de hotel, palco da noite de núpcias de um jovem casal. Os dois são virgens. É o que o leitor fica sabendo na primeira linha do romance. Enfim, sós. Mas Florence e Edward não estão sozinhos, e sim acompanhados de suas histórias. Ele, um rapaz da província, professor de história, tem uma mãe com problemas mentais, e um pai que é professor do ensino médio. Ela, promissora violinista de família abastada, tem pai industrial e mãe professora de filosofia na Universidade de Oxford. Como se não bastasse carregarem em suas bagagens particularidades e diferenças , também sofrem o peso da moral vigente da época. O romance se passa em fins da década de 60, logo antes da chamada revolução sexual. Um tempo em que a sociedade dizia uma coisa, e o corpo, outra.
Lentamente, McEwan narra a noite das núpcias dos dois jovens que ali, parados, inexperientes, não sabem o que fazer. A história é simples: a primeira vez de um jovem casal. Mas o narrador vai construindo a cena com tamanha delicadeza que captura o interesse do leitor. Descreve um beijo, que poderia ser mostrado com apenas oito dígitos, em página inteira. Isso porque detalha cada momento, com minúcias: "Com os lábios firmemente colados nos dela, devassou-lhe o fundo carnudo da boca, e em seguida fez um movimento circular por trás dos dentes da arcada até o vazio onde três anos antes um dente de siso crescera torto, para acabar removido sob anestesia geral". A história entrelaça sensações e sentimentos que se misturam com as sensações e sentimentos do próprio leitor. A precisão dos detalhes faz da cena principal quase um ensaio de cinema. A narração é construída de modo a que sejam dadas informações da vida dos personagens, adiando desse a concretização do ato em si. Com isso, o narrador cria um jogo temporal que justifica os medos e angústias dos personagens diante da sua própria castração. O que é fundamental, já que são as suas historias que eles carregam para dentro do quarto de hotel. As diferença ficam claras. Apesar de ambos terem passado a adolescência em Londres, cada um tem o seu mapa da cidade. Um definitivamente não coincide com o do outro. Enquanto ela mora em um albergue severo para moças, praticando quatro horas de violino por dia, ele estuda história do outro lado da cidade, com os hormônios ávidos para se libertarem. Ela ouve os clássicos: Mozart, Beethoven. Ele: Stones, Beatles. Então, estão eles lá, no quarto, com suas diferenças, frente à frente, tentando ao máximo esconder seus medos. O medo dele vinha da ansiedade, da inexperiência. O dela vinha de sua rigidez, de sua sensibilidade feminina. Os dois medos não se entendem. Ele, ingênuo demais, é um homem no cio. Ela, racional demais, sente dificuldade de se entregar. Por terem tempos diferentes, ela se sente oprimida pelas expectativas dele e, interrompendo o sexo, sai em disparada em direção à praia. Ele, humilhado, vai atrás. Ela precisava de um tempo para entender. Ele queria explicações dela para entender.
A retomada da cena é uma revisão da vida dos personagens. Revisão que passa lentamente, como que para dar sentido às escolhas feitas no passado. Sabemos que a cena já se perdeu no tempo quando, mais velho, Edward retoma o momento de suas núpcias não realizadas. O narrador, que antes era democrático, agora fala pelos sentimentos revisitados. É como se, dando um gosto de presente à cena passada, tentasse dar sentido a sua vida, que corre veloz, em apenas quatro páginas, nas quatro últimas páginas da narrativa.
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