sexta-feira, 27 de junho de 2008

Sexta-feira de manhã

O despertador tocou às 6hs. A pontualidade do toque sugeriu que ela jogasse o objeto contra a parede. Não o fez. Como de costume, abriu os olhos, mirou o teto branco e com a mão esquerda calou o som atordoante que anunciava mais um dia. Vontade de andar de metrô. (?) Acordou com vontade súbita de andar de metrô. Ônibus também servia, mas é que metrô tem mais variedade, tem o entra e sai, as portas que se abrem e fecham, gente indo trabalhar. Estava com saudades de andar de metrô de manhã. Vestiu o vestido de malha vermelho que estava jogado na poltrona (aquele que ela sempre usa para ficar em casa, estampado com flores e bonecas japonesas em traços de graffite), nos pés as havaianas slim cor cobre, no rosto os óculos escuros de aro branco, estilo anos 70. A luz da manhã ainda estava fria e a obrigou a vestir o moletom de capuz preto, já meio desbotado. Escolheu a Niemeyer, estacionou na Maria Quitéria e lembrou que era dia de feira. Gostava de andar pela feira e sentir os cheiros, as cores, as vozes. As vozes da feira tem vida. Era a primeira cliente do dia na loja de café da praça. Pediu um cappucino e pão de queijo. “As pessoas aparentam leveza de manhã”, pensou. Dois gringos em direção à praia, uma estudante apressada, um senhor de terno com o jornal de baixo do braço. Andou mais dois quarteirões sentindo-se parte da cidade. Era isso, precisava ser parte, nada de vidros fumê, ar-condicionado, vidas virtuais. Sentia falta do ar da manhã, do sol brando na pele, do som da rua, do cheiro de Rio de Janeiro com sol. Pintou as unhas de uma cor indefinida, mistura de rosa chá e ameixa. A manicure perguntou se aquele livro já era outro: cada semana você lê um livro diferente, eu também gosto de ler, me empresta um romance daqueles de arrebatar o coração? A manicure gosta de sentar perto da janela, cada vez que muda de unha, dá uma espiada. Está de caso com o motorista do ônibus. Toda vez que a lotação para no ponto ali da frente, eles trocam olhares. Quero um romance igual a esse que estou vivendo… Essas coisas acontecem em livros também, não acontecem? Acontecem, respondeu ela. Estava acostumada a pensar essa pergunta ao avesso. Caminhou mais duas ruas e ficou um tempo parada dentro da venda de havaianas, tinha havaianas até no teto. Passou em frente a loja daquele poeta, dois rapazes na padaria da esquina mexeram com ela. Sorriu. Sentiu o cheiro da barraca da moça que vende ervas. Comprou duas mudas de arruda, uma de alecrim e outra de alevanta por seis reais. Levou embrulhado em jornal dentro de um saco plástico azul. Ferveu tudo junto. deixou a fumaça se espalhar pelo quarto. Jogou a água quente na pele seca. Estava pronta para mais uma sexta-feira. Quem sabe no sábado, não passearia de metrô?

2 comentários:

Anônimo disse...

Linda, inteligente e ainda escreve bem. Pena que foi embora tão cedo ontem.

Anna disse...

Ficou faltando: simpática e gente boa (rs)