Na minha casa a água é Petrópolis. Não separo o lixo, não faço compostagem, não deixo de comer alimentos enlatados ou em embalagens plásticas, mas não como doces nem gorduras - até que a promessa se realize. Durante mais da metade do ano uso ar-condicionado, mesmo que tenha que dormir com uma colcha extra por cima do meu edredom de pena de ganso e acorde com as janelas suadas. Na outra metade, ligo o aquecedor. Não como apenas produtos orgânicos, nem sou vegetariana, mas adoro carne de soja. Berinjela é uma das minhas comidas preferidas.
Não realizo trabalhos voluntários, mas quando tenho a oportunidade escrevo matérias que os divulguem. Não acumulo nada. Quando compro uma camiseta, dôo outra. Quando ganho um tênis, dôo um sapato. Às vezes procuro uma roupa e quando lembro já doei. Não dou dinheiro para crianças carentes na rua. Uma vez ofereci um biscoito e ela não aceitou. Também não pago flanelinhas. Muito menos se eles já aparecem exigindo cinco real pra dar uma olhada aí tia. Frequentemente bato boca com eles. Uma vez o cara da rua do BB Lanches mandou eu nunca mais voltar lá. Teve outro em Copacabana também, mas esse lembrou de mim quando eu voltei. Desde então, tento não passar por aquela rua, e quando passo, não paro no sinal NUNCA. Mas olho pelo retrovisor e sempre tenho a impressão que ele está fazendo sinais obscenos para mim.
Subi a Rocinha de moto-táxi. Lá no meião meus olhos encheram de lágrimas. Lá onde os carros não passam, crianças brincam descalçadas no esgoto e famílias inteiras moram no espaço entre a laje de um barraco e o piso do outro. Fiquei com medo quando visitei uma casa lá no topo e vi de longe a minha no horizonte, rodeada de verde. Fiquei caustrofóbica ao notar tantas casas empilhas com vista para o clube de golfe do qual sou sócia. Não tive medo quando três moleques de quinze anos passaram por mim carregando fuzis e gritando Sai da frente! Senti culpa. Comprei um pedaço de bolo de fubá numa venda lá mesmo. Sob o olhar duvidoso da vendedora, comi o pedaço inteiro. Questão de orgulho. Mas nunca mais cruzei o túnel da mesma maneira. Apesar de achar a Rocinha linda à noite - é como olhar através de uma lente de aumento o mais estrelado dos céus. Também quase abandonei tudo quando deduzi porque o complexo da Maré deve se chamar Maré. Lá de dentro, olhar para a favela é como olhar para o horizonte. Em todos os sentidos. Quase abandonei a minha casa com vista pro mar, o meu edredom de pena de ganso, o meu arroz de pato com laranjas carameladas e me dediquei exclusivamente ao projeto Uerê. Também quase abandonei a cidade grande para morar com comunidades carentes do interior do Maranhão.
Não faço meditação, mas faço questão de ficar sozinha em silêncio durante pelo menos meia hora por dia. Gostaria de poder contar que fiquei em um monastério por quatro anos. Ou que fui criada por lobos. Ou que nasci numa tribo indígena no interior da Amazônia. O máximo que posso confessar é que fui completamente apaixonada por um namorado filósofo de dreads durante dois anos, saí de casa e peguei carona na estrada para Lumiar. Abri mão dos bens materiais, mas depois de um certo tempo, não agüentei e cedi. Não faço ashtanga em centros de yoga, quer dizer, yôga. Pratico poweryoga na academia e depois vou direto para o spinning. Já fui na umbanda, no centro espírita, no daime, em missas aos domingos e cerimônias de barmitzva. Acredito em pensamento positivo, na força do desejo, em sinais e no poder da mente, mas tenho preconceito quanto a livros de auto-ajuda. Acredito que tudo se aprende com a prática.
Tenho uma garrafinha de água no trabalho, é pet, mas pelo menos economizo em média dez copos descartáveis por dia. Sempre recuso sacolas de plástico. Geralmente a minha bolsa é grande o suficiente para levar todas as baboseiras em que eu gasto o meu suado dinheiro. No http://www.iniciativaverde.com.br/, estimei a quantidade de gás carbônico que emito por ano. Penso que se eu contratar a empresa para plantar por mim todas as árvores suficientes para repor o meu gasto de CO2 me sentirei menos culpada. Custa R$12 a unidade. Há quem diga que o início do século 21 é marcado pelo atentado às Torres Gêmeas. Fico com o outro grupo, que acredita que o século 21 começou em 2001, quando cientistas do mundo inteiro se reuniram no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) para anunciar ao mundo que a culpa do aquecimento global é nossa. Me sinto bem por pelo menos me sentir culpada. É como fazer análise: já tenho consciência, só falta agir.
"Curioso es que la gente crea que tender una cama es exactamente lo mismo que tender una cama, que dar la mano es siempre lo mismo que dar la mano, que abrir una lata de sardinas es abrir al infinito la misma lata de sardinas", Julio Cotázar
Um comentário:
É... é verdade que temos consciência daquilo que não devemos fazer e que a culpa de tudo que acontece no mundo é nossa. Somos nós os responsáveis pelas tristezas do mundo, mas também pelas alegrias. Nós constituímos o mundo e somos os personagens deste gigantesco cenário. Mas, saber, conhecer, participar, sentir na pele o resultado de tudo aquilo que fazemos, de todas as nossas atitudes é fundamental para transformar a consciência em atitude e ter um mundo melhor.
Aline
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