segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
O mar
Você se lembra do dia que nos conhecemos? Eu quero dizer o quanto eu te amo. Venha comigo, meu amor, vem para o mar. Eu quero te dizer. Só funciona se me deixar livre, se me deixar digitar aqui essas palavras, sentada na soleira do janela, no escuro, olhando a noite negra, vivendo no meu mundo paralelo. E é assim. Está na hora de deixar-me ser. O contrário não é amor. Se você me deixa andar pela rua, e pela sua rua, enquanto a noite cai. Se você me deixa comprar uma arma, nem que seja branca, dessas de partir o coração. Todo o resto é trilha sonora de sitcom. Anuncie aí a minha ida. Partida para o lugar onde seja livre nas ruas escuras. Acordar numa cidade com calor. Esse lugar pequeno, onde andar descalça é proibido, os olhos abaixam, esse lugar de pessoas sozinhas e tristes... Já disseram eu te amo mil vezes antes. Mas agora é diferente. É a mesma pessoa. A única pessoa. Mas se vou jurar, é melhor você estar sem nenhum sinal de honra, escutar o espaço e o tempo, me deixar entrar. Uma vez eu quis ser alguém que pudesse explicar os sentimentos. Sem franzir os olhos, ou arrumar o cabelo. Um vez eu quis. Aí veio o vento. Me levando pela sua rua escura. Nós nunca tivemos escolha. Eu preciso que você me diga que lembra. Levei a marca da arma. O peso no bolso, e depois , quando tudo se acalmou e você deitado no meu lado, de volta para mim. Depois. Tão perto, seguro, tão calmo. Bem, aí… Aqui está o meu amor. Vem para o mar, vem.
domingo, 28 de dezembro de 2008
Estranhos sinais
Acontecimentos muito estranhos se sucedem. Estivéssemos nós na virada do milênio, seria esta a explicação para tantas coincidências em tão curto espaço de tempo. Já que não é o caso, convém procurar outra desculpa. Vamos aos fatos:
Chove muito em dezembro. Desde que o magma da Terra esquentou, há mais de 3 mil anos, e as encostas cariocas foram criadas, nunca se viu nada igual. Verão sem sol. Areia molhada de água doce, mar com água escura. Muito mexido, alertam os surfistas. Culpa do vento e da água que cai do céu. Essa mesma água pinga no banco do meu carro. As janelas estão fechadas. Goteira. Pinganimim. Tem um furo no teto. Tem um buraco perto da luzinha que ascende quando a porta fica aberta. Por ali passa a água da chuva do verão - não confundir com chuva DE verão.
Muito estranho.
Vinte e quatro chopes. Cumé? Vinte e quatro chopes! Quem bebeu? Nós dois. Nós dois? Meio a meio. Jesus, eu bebo mesmo que nem homem… Deve ter sido isso. Isso o que? Isso que me fez descobrir que os meus dois acontecimentos mais importantes do ano nasceram no mesmo dia, mês, ano e hora. Isso mesmo, na mesma hora. Tivesse a mãe de um deles decidido parir no Brasil, e não no Canadá, eles seriam exemplares iguais de seres tão diferentes. A informação desceu quadrada junto com o último gole do chope final. O gole quente. Fosse possível juntar a afinidade intelectual que tenho com um, e a afinidade fundamental que tenho com o outro - vida, carinho, a segurança do abraço conhecido - estaria aí o ser ideal.
Muito estranho.
Almoço de domingo. Quatro sentados da mesa ao ar livre. A chuva deu uma folga, mas o céu continua cinza. Dezembro no Rio não é dourado, em 2008, o final do ano é cinza. Um passarinho faz cocô no meu braço. Êca, vou limpar. É sorte, os outros três entoam em coro. Sorte nada, vou limpar. Levanto, lavo, sento de novo. E a cena se repete. Como se não existisse tempo. Como se estivéssemos sempre encontrando as mesmas pessoas, os mesmos signos, a mesma merda de pássaro no braço.
Muito estranho.
Mistérios de dezembro chuvoso. Pequenos sinais alertam que o caminho é mesmo este.
Chove muito em dezembro. Desde que o magma da Terra esquentou, há mais de 3 mil anos, e as encostas cariocas foram criadas, nunca se viu nada igual. Verão sem sol. Areia molhada de água doce, mar com água escura. Muito mexido, alertam os surfistas. Culpa do vento e da água que cai do céu. Essa mesma água pinga no banco do meu carro. As janelas estão fechadas. Goteira. Pinganimim. Tem um furo no teto. Tem um buraco perto da luzinha que ascende quando a porta fica aberta. Por ali passa a água da chuva do verão - não confundir com chuva DE verão.
Muito estranho.
Vinte e quatro chopes. Cumé? Vinte e quatro chopes! Quem bebeu? Nós dois. Nós dois? Meio a meio. Jesus, eu bebo mesmo que nem homem… Deve ter sido isso. Isso o que? Isso que me fez descobrir que os meus dois acontecimentos mais importantes do ano nasceram no mesmo dia, mês, ano e hora. Isso mesmo, na mesma hora. Tivesse a mãe de um deles decidido parir no Brasil, e não no Canadá, eles seriam exemplares iguais de seres tão diferentes. A informação desceu quadrada junto com o último gole do chope final. O gole quente. Fosse possível juntar a afinidade intelectual que tenho com um, e a afinidade fundamental que tenho com o outro - vida, carinho, a segurança do abraço conhecido - estaria aí o ser ideal.
Muito estranho.
Almoço de domingo. Quatro sentados da mesa ao ar livre. A chuva deu uma folga, mas o céu continua cinza. Dezembro no Rio não é dourado, em 2008, o final do ano é cinza. Um passarinho faz cocô no meu braço. Êca, vou limpar. É sorte, os outros três entoam em coro. Sorte nada, vou limpar. Levanto, lavo, sento de novo. E a cena se repete. Como se não existisse tempo. Como se estivéssemos sempre encontrando as mesmas pessoas, os mesmos signos, a mesma merda de pássaro no braço.
Muito estranho.
Mistérios de dezembro chuvoso. Pequenos sinais alertam que o caminho é mesmo este.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Dois mil e oito em fotos
Uma retrospectiva em imagens. 365 dias em 120 fotos. Aquela sensação de que tudo é muito grande. E belo. E muitas vezes triste.
http://www.boston.com/bigpicture/2008/12/the_year_2008_in_photographs_p.html
http://www.boston.com/bigpicture/2008/12/the_year_2008_in_photographs_p.html
Já é Natal
Escondo as unhas roídas. Mãos atrás do corpo magro e pequeno. A franja lisa começa a grudar na testa, estou um pouco suada. É dezembro, está quente e minha mãe me forçou a usar meia calça. Tem um embrulho grande na árvore de Natal. Deve ser uma bicicleta, tem que ser uma bicicleta. Papai Noel está sentado na cadeira ao lado da árvore. Os primos formam uma fila indiana. É por ordem de idade. Eu sou a segunda da fila. A primeira mulher de uma família de homens, muitos homens. Estou nervosa. Esse ano Papai Noel não vai me dar presentes. Sei que não fui uma boa menina. Estou com vontade de chorar. O Bom Velhinho chama meu primo. A bicicleta é para ele. Eu quero ir embora. Não quero ficar na fila. Ter que pensar em tudo o que passou. Papai Noel pede para ver as minhas mãos. Eu digo que não mostro. Desde pequena só faço o que quero. Pergunta se quero sentar no colo dele. Eu digo que não com a cabeça e uma lágrima escorre pelo meu rosto pequeno cheio de sardas. Eu quero ir brincar. Papai Noel me coloca sentada no colo dele. A roupa tem cheiro de mofo e me dá ataque de espirros. Preciso de ar. Não quero conversar com Papai Noel. Ele não pode ver que eu roí as unhas. Eu quero uma boneca Patinadora e patins novos. Para isso, me forçam a ficar na fila, mostrar as unhas, prometer que no ano que vem não vou sujar o meu vestido de festa na terra do parquinho, não vou implicar com o meu irmão, não vou ficar acordada até tarde, não vou fazer guerra de massinha, nem desarrumar o sofá da sala para montar uma cabana com almofadas. E depois me perguntam por que eu não gosto de Natal...
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Com Diablo no corpo
Esta é uma história real. Diablo Cody, a vencedora do Oscar de melhor roteiro de 2008, por Juno, estava prestes a completar 25 anos e ainda se sentia uma adolescente com formigas na calcinha. Medo de cruzar a fronteira para o lado negro dos 20 anos e perder a última chance de fazer uma grande loucura sem ter que lidar com responsabilidades da vida adulta. Para fugir do tédio, decidiu tirar a roupa em bares sujos de Minnesota – rebolando por notas de 10 dólares e passando noites em claro agarrada a um poste, ou qualquer coisa vertical e dura, depois escrever o livro Minha vida de stripper, ganhar o tal prêmio da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood e, e aí sim, fazer a vida valer a pena.
Longe de ser uma diva do sexo, Diablo não é o tipo que chama a atenção ao atravessar a rua e jura – no livro – que até ter decidido virar stripper nas horas vagas era praticamente beata. Afinal, nunca havia andado de moto, engravidado por acidente ou feito um aborto, jogado bebida na cara de alguém no meio de um porre, roubado batom de uma loja bacana. Pior: recebeu cada um dos sacramentos católicos, com exceção do matrimônio e da extrema-unção e terminou a faculdade em exatamente oito semestres. “Podia sentir meu fogo apagando. Minha crise dos 25 anos pesou no estômago como um cheeseburguer duplo. Acho que esta é uma das razões para eu ter acabado seminua numa boate”, escreve no livro, em que conta absolutamente tudo sobre a experiência, que deve ser muito mais interessante que fazer mochilão pela Europa, intercâmbio na Nova Zelândia, cortar o cabelo curtíssimo, ou essas coisas que as garotas com medo de chegar aos 30 costumam fazer.
Dá até vontade de seguir as sugestões da moça. Literalmente. Ela lista as 10 melhores e piores músicas para tirar a roupa – a melhor fica com Remix to ignition, de R. Kelly, seguida por Purple rain, do Prince: “Arqueie suas costas como se o próprio Prince estivesse derramando glitter no seu abdômen. Tem mais efeito em lojas de suco quase vazias, que promovem uma atmosfera emocionante”, escreve. Será? Acho que não... O fato é que Diablo vive com a mesma intensidade com que escreve. O característico humor ácido, rápido e pra lá de moderninho de Juno é usado com a ousadia de quem passa longe de ser uma diva do sexo, mas tem coragem de leiloar a própria calcinha ao som de Honky tonk woman, dos Rolling Stones, ao mesmo tempo em que trabalha como redatora em uma agência de publicidade. E ela conta tudo sobre a indústria do sexo pago, com os mínimos detalhes. Talvez picantes até demais, mas que nas palavras de Diablo soam mais como conversa de garotas moderninhas que papo de filme pornô.
Pois foi com esse espírito – com, digamos, com a Diablo Cody no corpo – que convidamos escritoras brasileiras também pra lá de moderninhas para se despirem de moralismos e se sentirem na pele de uma stripper. Em microcontos de cerca de 20 linhas, as nossas divas deveriam escrever experiências de um striptease. A poeta Maria Rezende levou a brincadeira para o lado romântico, sem deixar de ser exibida. A consagradíssima Ana Miranda transforma o ritual em sagrado, praticamente místico. A autora teatral e romancista Manoela Sawitzki experimenta a negociação com o contratante do serviço. A sempre moderna Ivana Arruda Leite faz uma enfermeira tirar o uniforme ao som de Roberto Carlos. Todas elas e Diablo colocaram em suas personagens a adrenalina pulsante de quem expõe suas maiores vulnerabilidades em público.
(Leiam mais sábado, no caderno Idéias, do Jornal do Brasil)
Longe de ser uma diva do sexo, Diablo não é o tipo que chama a atenção ao atravessar a rua e jura – no livro – que até ter decidido virar stripper nas horas vagas era praticamente beata. Afinal, nunca havia andado de moto, engravidado por acidente ou feito um aborto, jogado bebida na cara de alguém no meio de um porre, roubado batom de uma loja bacana. Pior: recebeu cada um dos sacramentos católicos, com exceção do matrimônio e da extrema-unção e terminou a faculdade em exatamente oito semestres. “Podia sentir meu fogo apagando. Minha crise dos 25 anos pesou no estômago como um cheeseburguer duplo. Acho que esta é uma das razões para eu ter acabado seminua numa boate”, escreve no livro, em que conta absolutamente tudo sobre a experiência, que deve ser muito mais interessante que fazer mochilão pela Europa, intercâmbio na Nova Zelândia, cortar o cabelo curtíssimo, ou essas coisas que as garotas com medo de chegar aos 30 costumam fazer.
Dá até vontade de seguir as sugestões da moça. Literalmente. Ela lista as 10 melhores e piores músicas para tirar a roupa – a melhor fica com Remix to ignition, de R. Kelly, seguida por Purple rain, do Prince: “Arqueie suas costas como se o próprio Prince estivesse derramando glitter no seu abdômen. Tem mais efeito em lojas de suco quase vazias, que promovem uma atmosfera emocionante”, escreve. Será? Acho que não... O fato é que Diablo vive com a mesma intensidade com que escreve. O característico humor ácido, rápido e pra lá de moderninho de Juno é usado com a ousadia de quem passa longe de ser uma diva do sexo, mas tem coragem de leiloar a própria calcinha ao som de Honky tonk woman, dos Rolling Stones, ao mesmo tempo em que trabalha como redatora em uma agência de publicidade. E ela conta tudo sobre a indústria do sexo pago, com os mínimos detalhes. Talvez picantes até demais, mas que nas palavras de Diablo soam mais como conversa de garotas moderninhas que papo de filme pornô.
Pois foi com esse espírito – com, digamos, com a Diablo Cody no corpo – que convidamos escritoras brasileiras também pra lá de moderninhas para se despirem de moralismos e se sentirem na pele de uma stripper. Em microcontos de cerca de 20 linhas, as nossas divas deveriam escrever experiências de um striptease. A poeta Maria Rezende levou a brincadeira para o lado romântico, sem deixar de ser exibida. A consagradíssima Ana Miranda transforma o ritual em sagrado, praticamente místico. A autora teatral e romancista Manoela Sawitzki experimenta a negociação com o contratante do serviço. A sempre moderna Ivana Arruda Leite faz uma enfermeira tirar o uniforme ao som de Roberto Carlos. Todas elas e Diablo colocaram em suas personagens a adrenalina pulsante de quem expõe suas maiores vulnerabilidades em público.
(Leiam mais sábado, no caderno Idéias, do Jornal do Brasil)
sábado, 20 de dezembro de 2008
Um suspiro
Observa a formiga encontrar seu caminho sobre a mesa de laca bege - o bichinho mexe as perninhas rápido demais, as antenas buscam espaço livre. Seu rosto tem manchas vermelhas, sinal do pranto. A lista de afazeres é infinita. Não vai dar tempo, não vai dar tempo. Corre para lá e para cá como o coelho branco, de Alice no País das Maravilhas. De vez em quando bate um desespero e ela chora ainda mais. É filme, é blog, é site, é revista, é jornal. Todas as mídias em uma pessoa só. Curto –circuito. As amigas ficam para depois, a academia para janeiro, manicure também. Sai às 7h, volta às 3h – tudo da manhã. Tem que terminar antes que 2008 acabe. E às vezes, mas só às vezes, quando a lista de afazeres é escrita em pilot vermelho no bloquinho de anotações, a cabeça pára de pensar. E ela observa a formiga ser livre sobre a mesa.
Dois mil e nove é um suspiro.
Dois mil e nove é um suspiro.
domingo, 23 de novembro de 2008
O mito do pintinho
Domingo de manhã, ou de tarde, sei lá. Acordei às 14hs. Descalça, meio descabelada, camiseta e calcinha, peguei o jornal do dia em cima da mesa. Aos domingos, vou direto pras revistas. Veja Rio, Domingo e Revista devidamente recolhidas, sentei na mesa do café da manhã, e a medida que preparava a mistura de iogurte, semente de linhaça, cereais integrais e salada de fruta, folheava as publicações. E aí aconteceu. Entre uma colherada e outra, abri a capa da Revista e li: “Entrevista: Selton Mello fala de amor, de ócio e até de nudez”. Larguei a colher imediatamente. Ainda bem que não era café preto. Filhasdaputa. Filhasdaputa, pensei sem censura.
Semana passada mesmo, conversava com um casal de amigos na mesa do Bar Lagoa, era quarta-feira, eu acho, e comentávamos sobre o mito dos mitos: o tamanho da coisa do Selton. Não que eu, ou qualquer um deles, já tenho visto o dito cujo do ator, ou qualquer pessoa que eu conheça já tenha estado frente a frente, ou mão a mão com a coisa. E era justamente isso que nos fazia argumentar sobre como um boato toma tamanhas proporções a ponto de se tornar tão verdade. Porque é assim: todo mundo diz que sabe que o pinto do Selton é pequeno. Não há dúvidas que o cara seja um puta ator, carismático pacas, gatinho e charmoso. Zero problema se ele tiver um pintinho… A questão é: será que ele mesmo sabe que é uma das maiores lendas urbanas do Rio? Não lembro de já ter lido nada sobre o assunto.
Na mesa do bar, amigos começavam a desenrolar teorias sobre o Selton nunca ter feito um papel nu. Outros disseram que ele até foi convidado a fazer o Vadinho, em Dona Flor e seus Dois Maridos, mas recusara sem explicações. Sorte do Marcelo Faria que estourou as bilheterias peladão no palco do Teatro dos Quatro. Mas especulações a parte, naquela quarta-feira, prometi aos meus amigos, e a mim mesma, que se algum dia tivesse a chance de entrevistar o Selton, eu perguntaria sobre o mito do pintinho. É aí que voltamos a reportagem da Revista…
Quando li a chamada, tive certeza: eles perguntaram, roubaram a minha pergunta. Filhasdaputa. Fui direto pra página 18. Todas as provas estavam lá. Legenda da primeira foto: Selton, que acaba de estrear como diretor, fala do movimento anti-nudez de Pedro Cardoso: “Ele ofereceu algumas casacas nesse manifesto, e nenhuma delas é o meu número”. Mais a diante: “Talvez não tenha sido saudável esse modus operandi, mas foi funcionando… Agora estou a fim de subversão”. E outra: “Eu vivo num momento de sentar no carrinho e bater no elefante”. “Não sou tão festeiro, nem tão pegador. Fico muito em casa, sozinho com meus botões”. Ao final da entrevista, a tal pergunta ainda era minha.
Eu juro que quando estiver entrevistando o Selton, a minha última pergunta será: Você conhece o mito do pintinho? Aí ele provavelmente vai me responder algo como: “É patético. A gente é patético, a vida é patética”. O triste, e hilário, é que não existe maior verdade no mundo, mas pelo menos terei feito a pergunta.
:::
Momento de identificação com o Selton: “O amor é algo muito importante, mas não sei se é fundamental. Eu não acredito muito na frase “É impossível ser feliz sozinho.” Duvido também de fidelidade, não sei se ela existe. E a vida vai bem só, nestes anos em que estou sem namorar. Nesse tempo, casos, rolos, ficantes, quase casamentos… A Nanda Torres uma vez me disse: “Você não precisa casar, você já é casado com a sua profissão.” Está tudo em xeque agora, inclusive isso.” Tudo em xeque, Selton, tudo em xeque.
Semana passada mesmo, conversava com um casal de amigos na mesa do Bar Lagoa, era quarta-feira, eu acho, e comentávamos sobre o mito dos mitos: o tamanho da coisa do Selton. Não que eu, ou qualquer um deles, já tenho visto o dito cujo do ator, ou qualquer pessoa que eu conheça já tenha estado frente a frente, ou mão a mão com a coisa. E era justamente isso que nos fazia argumentar sobre como um boato toma tamanhas proporções a ponto de se tornar tão verdade. Porque é assim: todo mundo diz que sabe que o pinto do Selton é pequeno. Não há dúvidas que o cara seja um puta ator, carismático pacas, gatinho e charmoso. Zero problema se ele tiver um pintinho… A questão é: será que ele mesmo sabe que é uma das maiores lendas urbanas do Rio? Não lembro de já ter lido nada sobre o assunto.
Na mesa do bar, amigos começavam a desenrolar teorias sobre o Selton nunca ter feito um papel nu. Outros disseram que ele até foi convidado a fazer o Vadinho, em Dona Flor e seus Dois Maridos, mas recusara sem explicações. Sorte do Marcelo Faria que estourou as bilheterias peladão no palco do Teatro dos Quatro. Mas especulações a parte, naquela quarta-feira, prometi aos meus amigos, e a mim mesma, que se algum dia tivesse a chance de entrevistar o Selton, eu perguntaria sobre o mito do pintinho. É aí que voltamos a reportagem da Revista…
Quando li a chamada, tive certeza: eles perguntaram, roubaram a minha pergunta. Filhasdaputa. Fui direto pra página 18. Todas as provas estavam lá. Legenda da primeira foto: Selton, que acaba de estrear como diretor, fala do movimento anti-nudez de Pedro Cardoso: “Ele ofereceu algumas casacas nesse manifesto, e nenhuma delas é o meu número”. Mais a diante: “Talvez não tenha sido saudável esse modus operandi, mas foi funcionando… Agora estou a fim de subversão”. E outra: “Eu vivo num momento de sentar no carrinho e bater no elefante”. “Não sou tão festeiro, nem tão pegador. Fico muito em casa, sozinho com meus botões”. Ao final da entrevista, a tal pergunta ainda era minha.
Eu juro que quando estiver entrevistando o Selton, a minha última pergunta será: Você conhece o mito do pintinho? Aí ele provavelmente vai me responder algo como: “É patético. A gente é patético, a vida é patética”. O triste, e hilário, é que não existe maior verdade no mundo, mas pelo menos terei feito a pergunta.
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Momento de identificação com o Selton: “O amor é algo muito importante, mas não sei se é fundamental. Eu não acredito muito na frase “É impossível ser feliz sozinho.” Duvido também de fidelidade, não sei se ela existe. E a vida vai bem só, nestes anos em que estou sem namorar. Nesse tempo, casos, rolos, ficantes, quase casamentos… A Nanda Torres uma vez me disse: “Você não precisa casar, você já é casado com a sua profissão.” Está tudo em xeque agora, inclusive isso.” Tudo em xeque, Selton, tudo em xeque.
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Não me leve a sério
Vou escrever em terceira pessoa. Não, não vou escrever. Vai ficar tudo em branco. Aqui tem coisa demais, gente demais, pensamento que não acaba mais. Ando vivendo por demais e ainda não deu tempo de processar. O que aconteceu com o ócio criativo? Não há. Não há nada aqui. Os números do pé da página mostram que tem gente que lê. Tem gente que leva a sério essas palavras, que não dizem nada, mas formam frases e isso já basta para que acreditem que têm alguma espécie de significado. Vou contar amenidades pra ver se alguém se entedia e eu possa voltar a ser o que era antes. Antes de vocês esperarem por palavras. Soa mal educado da minha parte, mas tenho me sentido na obrigação. Não sei de onde tirar aquele frio na barriga que me dava a página em branco. A emoção da primeira frase, o lead conciso, a última palavra que precede o ponto final. É que na verdade não existe o ponto final. Veja a gente por exemplo. Aos quatorze anos quase tive um treco quando você segurou a minha mão. Estávamos encostados na pilastra, numa noite escura. Eu de body e botas - pode rir, mas era o que as meninas de 97 usavam - e você de top sider e blusa social do cavalinho. A minha mão estava gelada e eu fechei os olhos com tanta força que a luminosidade fez doer quando o beijo acabou. Mais de dez anos depois, quando eu achei que já tinha superado toda a dor do término, lágrimas incontáveis, e noites em claro discutindo a relação, você me levantou do chão, me beijou no meio da pista de dança. Se algum dia inventarem a máquina do tempo, não será novidade pra mim. O dj colocou Do you remember como se soubesse que a música era para gente, depois veio Time after time e aposto que só não tocou I touch myself porque a música apareceu listada como uma das 10 melhores para se fazer um streap tease no novo livro da Diablo Cody e aquilo era um casamento, e aí já viu. Nossos amigos de infância cochichavam coisas como “nossa, eles estão juntos”, e aqueles que não nos viam há anos juravam que sempre estivemos assim: felizes. Naquela noite fomos a prova de que no Rio, não importa quantos anos passem, nada muda. Me senti com 15 anos, só que mais feliz. Sai ano, entra ano, estaremos todos lá, cantando Time after time. Só que essa impressão não serve para mim. É pra gente que nada no rasinho. Eu sempre gostei de ir pro fundão. Foi uma viagem no tempo. A prova de que não existe ponto final. Que não acaba nunca, só quando chega o fim, e o fim é muito mórbido para entrar nesse texto. E se hoje minhas amigas usam aliança na mão esquerda, ou direita, sei lá qual é a mão certa; se hoje o seu amigo é papai; se vou fazer um filme, lançar um livro, ou abandonar tudo e virar dona de casa, pelamordedeus alguma coisa tem que ter acontecido; se apesar de toda a intimidade eu e você não nos conhecemos mais no escuro do quarto, no chope do dia seguinte, na mão que procura por fim na ansiedade com cigarro, é porque muita coisa mudou. Eu mudei. Eu não vou mais escrever porque você não pode sair por aí achando que eu sou esse amontoado de letras. Eu não sou isso, nem aquilo que você já conheceu tão bem. Por isso eu peço, imploro: não leve essas palavras a sério. É muito mais vivo quando não é sério, me deixa brincar de imaginar. Nem eu mesma sei o que é real, o que é invenção, e o pior: o que é mentira. Se alguém acreditar no que digo aqui, juro que paro de escrever. Não me leve a sério. Aqui sou meio eu, mais outro alguém, e uma parte que não sei da onde vem. A credibilidade nas palavras escritas é pior que censura. O que conta mesmo são os olhos nos olhos.
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Emprestamos futon
A noite foi longa. Tomei o último gole de chope ao som dos passarinhos do Leblon. Para mim, os passarinhos que cantam no Leblon têm todo um significado: quando eles começam a piar antes que eu tenha ido dormir - nesse caso, quando ainda nem saí do bar - é sinal de que a coisa está preta. Enfim. Cheguei em casa, tirei a maquiagem, tomei um banho, troquei de roupa e comecei mais uma sexta-feira. “Você tem espaço no quarto para um futon?”, perguntou o editor assim que eu coloquei os pés – ainda doloridos pelo salto da noite anterior – na redação. Passei a noite em claro, mas convenhamos que ainda não tinha chegado ao ponto de ter alucinações. Se a pergunta era aquela mesmo, só havia duas opções, ou ele me tinha mudado de ramo e queria me convencer a comprar um colchão japonês; ou era mais uma idéia maluca.
Era o seguinte: Ele tinha ouvido falar por aí que a Futon Company – loja especializada na tecnologia que nos anos 80 virou mania entre europeus e americanos – está emprestando o tal colchão por três dias, assim o cliente pode saber se gosta ou não. É só ligar e pedir para experimentar. Então, achou que eu deveria fazer o teste. O meu primeiro pensamento foi: “E se eu acordar com dor nas costas, ganho folga na segunda-feira?”, mas a pergunta ficou só no pensamento mesmo. Tem coisas que não se diz para chefe, e essa era definitivamente uma delas. A outra era que eu tinha passado a noite em claro, e que mesmo que fosse no chão da cozinha essa noite eu não teria a menor dificuldade em cair no sono. Mas tudo bem, que venha o tal futon.
Como era de se esperar, passei a tarde inteira sonhando com a minha cama. Quando cheguei em casa, armada com quatro DVDs para assistir embaixo do edredom e com o ar condicionado no máximo, dei de cara com colchão oriental no lugar do meu clássico. A loja entregara o colchão de algodão, esmpuma de látex e fibras de coco, revestido com lonita crua no mesmo dia. Era no colchão de 15 cm de espessura desenvolvido especialmente pela Futon Company para se adaptar as camas “ocidentais” que eu passaria a minha noite.
Segundo o site da loja, um futon é um futon porque é feito de algodão. A fibra é hipotérmica e por isso garante noites mais frescas. É bom para a coluna, porque se adapta de forma ortopedicamente correta. É um colchão firme, mas confortável. Apesar de futon significar colchão em japonês, quem inventou a coisa foram os indianos, há 3 mil anos. A tecnologia só chegou ao Japão no início do século XV, e virou mania no ocidente na década de 80.
Deitei na cama e me senti como a princesa daquele conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, “ A princesa e a ervilha”, que conta a história de um principe a procura de uma princesa de verdade. Apesar das inúmeras concorrentes, não havia provas de que elas eram de fato da família real. A rainha disse que só teria um jeito de descobrir a verdade: colocar uma ervilha sob os vários colchões e cobertas da cama da moça. Somente uma princesa de verdade poderia ter a pele tão sensível a ponto de sentir o pequeno caroço embaixo de tanto algodão. A “pequena” diferença é que no conto a garota sente o tal caroço, e na vida real eu dormi profundamente das 21h ao meio-dia. A experiência se repetiu por mais três noites – claro que nunca por tantas horas assim, mas com certeza foram noites bem dormidas.
O curioso de dormir em um futon várias noites é que assim como um sapato confortável, o colchão sofre uma leve deformação com o peso do corpo, e “imprime” algo parecido com a impressão digital da sua posição de dormir. Eu adorei, mas atenção: quem gosta de colchão mole deve ficar longe de um futon.
Era o seguinte: Ele tinha ouvido falar por aí que a Futon Company – loja especializada na tecnologia que nos anos 80 virou mania entre europeus e americanos – está emprestando o tal colchão por três dias, assim o cliente pode saber se gosta ou não. É só ligar e pedir para experimentar. Então, achou que eu deveria fazer o teste. O meu primeiro pensamento foi: “E se eu acordar com dor nas costas, ganho folga na segunda-feira?”, mas a pergunta ficou só no pensamento mesmo. Tem coisas que não se diz para chefe, e essa era definitivamente uma delas. A outra era que eu tinha passado a noite em claro, e que mesmo que fosse no chão da cozinha essa noite eu não teria a menor dificuldade em cair no sono. Mas tudo bem, que venha o tal futon.
Como era de se esperar, passei a tarde inteira sonhando com a minha cama. Quando cheguei em casa, armada com quatro DVDs para assistir embaixo do edredom e com o ar condicionado no máximo, dei de cara com colchão oriental no lugar do meu clássico. A loja entregara o colchão de algodão, esmpuma de látex e fibras de coco, revestido com lonita crua no mesmo dia. Era no colchão de 15 cm de espessura desenvolvido especialmente pela Futon Company para se adaptar as camas “ocidentais” que eu passaria a minha noite.
Segundo o site da loja, um futon é um futon porque é feito de algodão. A fibra é hipotérmica e por isso garante noites mais frescas. É bom para a coluna, porque se adapta de forma ortopedicamente correta. É um colchão firme, mas confortável. Apesar de futon significar colchão em japonês, quem inventou a coisa foram os indianos, há 3 mil anos. A tecnologia só chegou ao Japão no início do século XV, e virou mania no ocidente na década de 80.
Deitei na cama e me senti como a princesa daquele conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, “ A princesa e a ervilha”, que conta a história de um principe a procura de uma princesa de verdade. Apesar das inúmeras concorrentes, não havia provas de que elas eram de fato da família real. A rainha disse que só teria um jeito de descobrir a verdade: colocar uma ervilha sob os vários colchões e cobertas da cama da moça. Somente uma princesa de verdade poderia ter a pele tão sensível a ponto de sentir o pequeno caroço embaixo de tanto algodão. A “pequena” diferença é que no conto a garota sente o tal caroço, e na vida real eu dormi profundamente das 21h ao meio-dia. A experiência se repetiu por mais três noites – claro que nunca por tantas horas assim, mas com certeza foram noites bem dormidas.
O curioso de dormir em um futon várias noites é que assim como um sapato confortável, o colchão sofre uma leve deformação com o peso do corpo, e “imprime” algo parecido com a impressão digital da sua posição de dormir. Eu adorei, mas atenção: quem gosta de colchão mole deve ficar longe de um futon.
sábado, 8 de novembro de 2008
Is the end of the world as I know it
Tentei o quanto pude. As palavras enganam e não sei como reagir. E não posso voltar. O tempo é traiçoeiro e passa. Tentei o máximo que pude.
O peito angustiado não sabe se vai ou se fica. Se ganha dinheiro ou se vive. Não tem coragem de partir e não aguenta mais ficar. Tentei o quanto pude. Mesmo agora, quando as palavras demoram a sair, continuo procurando. Imagino textos infinitos, palavras incontáveis publicadas na tela do computador. Tudo impede. A angústia não me deixa escrever. É que sou decidida, cheia de certezas, pronta para o front. Momento de escolha me deixa sem ar. Os olhos grandes de criança observam o mundo assustados. O tempo passa e sempre chega a hora de decidir.
Jornalismo é salário vida. Um mundo de possibilidades. Turbilhão de informações. Uma agenda apertada e olheiras cobertas por maquiagem.
Do outro lado do mundo, tempo e dinheiro. Projetos paralelos. Vida calma e estável. Tempo para cuidar das olheiras. Tempo para olhar para dentro. Tempo. Esse mesmo que corre sem que eu veja, que me angústia, que compete com o salário vida. Vou sair antes da festa acabar. Eu vou embora na parte boa, antes que o melhor chegue ao fim. É sempre assim.
Não consigo saber se é sonho ou realidade. Fico desconcertada. Quem não sabe ouvir elogio é mesmo patético. Eu tentei o máximo que pude. Escolhi o melhor vestido, tento de verdade ser uma pessoa melhor. É sério, sempre. Eu vou, me jogo, mas sempre arrumo um jeito de estragar tudo. Um jeito doce de dizer que não, um jeito confuso de não conseguir escolher, uma desculpa qualquer para não ser feliz.
E esse texto muda de tom conforme a música. Não sei se essas palavras são reais. Palavras enganam. E já é hora de desistir e entender. O que nos impede de ser francos. Os pequenos problemas são pequenos, se soubermos dizer que sim. Eu prometi dizer mais sim. Só que nunca temos a mesma chance duas vezes. O que passou sempre será um retrato em preto e branco, daqueles que vão amarelando e sempre pensamos com carinho.
O peito angustiado não sabe se vai ou se fica. Se ganha dinheiro ou se vive. Não tem coragem de partir e não aguenta mais ficar. Tentei o quanto pude. Mesmo agora, quando as palavras demoram a sair, continuo procurando. Imagino textos infinitos, palavras incontáveis publicadas na tela do computador. Tudo impede. A angústia não me deixa escrever. É que sou decidida, cheia de certezas, pronta para o front. Momento de escolha me deixa sem ar. Os olhos grandes de criança observam o mundo assustados. O tempo passa e sempre chega a hora de decidir.
Jornalismo é salário vida. Um mundo de possibilidades. Turbilhão de informações. Uma agenda apertada e olheiras cobertas por maquiagem.
Do outro lado do mundo, tempo e dinheiro. Projetos paralelos. Vida calma e estável. Tempo para cuidar das olheiras. Tempo para olhar para dentro. Tempo. Esse mesmo que corre sem que eu veja, que me angústia, que compete com o salário vida. Vou sair antes da festa acabar. Eu vou embora na parte boa, antes que o melhor chegue ao fim. É sempre assim.
Não consigo saber se é sonho ou realidade. Fico desconcertada. Quem não sabe ouvir elogio é mesmo patético. Eu tentei o máximo que pude. Escolhi o melhor vestido, tento de verdade ser uma pessoa melhor. É sério, sempre. Eu vou, me jogo, mas sempre arrumo um jeito de estragar tudo. Um jeito doce de dizer que não, um jeito confuso de não conseguir escolher, uma desculpa qualquer para não ser feliz.
E esse texto muda de tom conforme a música. Não sei se essas palavras são reais. Palavras enganam. E já é hora de desistir e entender. O que nos impede de ser francos. Os pequenos problemas são pequenos, se soubermos dizer que sim. Eu prometi dizer mais sim. Só que nunca temos a mesma chance duas vezes. O que passou sempre será um retrato em preto e branco, daqueles que vão amarelando e sempre pensamos com carinho.
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Manhã de domingo
Dias de sol têm cheiro de verão. Horizonte limpo, mar azul, nem um risco de brisa. Sorvete de figo com nozes. Sombra, chapéu de linho. Um cochilo no colo de quem se quer. Cafuné. A onda estoura na praia. O som chuá dentro do peito. Coração que bate calmo, preguiça da estação. Cóque no topo da cabeça. Nuca livre do calor. Fotografia fosca. Cores pálidas da lembrança. Tons vivos da paisagem tropical. Água de coco. Lábios molhados. Boca com boca. Maresia, sal na pele morena do corpo alheio. Arrepio dos pêlos do braço. Carinho no lóbulo da orelha. You better come, come, come, to me. You better run, run, run to me. What comes its better than what came before.
sábado, 18 de outubro de 2008
Primas
No carnaval de 1986, eu e você já estávamos fantasiadas de cancan no bailinho do petropolitano. O colant preto, saia de tule vermelha e a rosa presa no pescoço denunciavam o que foi a nossa infância. Um mundo de fantasias. No palco imaginário da varanda da casa da vovó, em Petrópolis, eu e você fazíamos o papel de dançarina para o show da nossa outra prima. Primas. Se não de sangue, de criação e mais importante ainda de coração. Dez carnavais mais tarde, eu implorava para que o irmão mais velho da minha melhor amiga me levasse para o bailinho de carnaval de Araruama, e apesar da dificuldade, cheguei do feriado te contanto que o irmão da Pri era sensacional. Não demorou muito tempo para que você que me desse as boas novas: o irmão sensacional é seu amor. E as coincidências foram ficando cada vez menores, porque foi sendo cada vez tão natural que nossos laços se estreitassem não só pelo vínculo de carinho e história que existe entre nós duas, mas também por relações em comum com pessoas que nos são tão próximas. E quer saber, sou muito orgulhosa de ter pessoas incríveis como você e o Gustavo na minha história. Por mais que eu não tenho sido uma madrinha muito presente nas organizações do casório (já que o trabalho não me permitiu gravar o vídeo, nem entregar fotos a tempo do álbum), não tenham dúvidas que pretendo estar para sempre presente nos momentos especiais da vida de vocês (mesmo que a distância me obrigue a assisti-los de longe…).
terça-feira, 14 de outubro de 2008
Backspace
Acabou. Fim. Sempre chega esse dia e eu me lembro que alguém já disse que nunca há como saber se quando será a última vez. Talvez tenha sido eu que disse, mas já esqueci. A última vez. Algumas frases se acumulam perdidas e desconexas. Pensamentos sem sentido que denotam a escassez de idéias claras. A inspiração desaparece com a insônia. Tem dias que nosso último encontro é em momentos confusos sem lápis nem papel por perto. A última idéia que tive antes da insônia. O último suspiro antes de virar as costas. Pela última vez. Delete.
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
terça-feira, 7 de outubro de 2008
Do alto da ponte...
Meus olhos estão fechando, meu pé não tem mais sola e dentro de mim não sei o que fazer com um frio intenso que não corresponde a temperatura ambiente. Fui no Moma duas vezes hoje, e só. Estou com medo de não conseguir ver tudo o que há pra sentir. Não sei se escrevo, se pinto, se fotografo, se filmo, se canto, se deixo em paz em silêncio. Uma paralisia toma conta da minha alma. A lista de infinitas possibilidades me faz querer pular da Brookling bridge, do topo de algum prédio de 50 andares, ou até mesmo me juntar aos ratos cinzas que cruzam os trilhos do subway. Um final magistral, tragicômico, digno de filme holywoodiano. Os últimos dias de Anna em Nova York. Isso aqui fosse um papel, eu rasgaria em mil pedaços e jogaria antes do pulo. Se nós fossemos uma folha em branco, faria uma bolinha e deixaria que o vento levasse pelas ruas secas da cidade que nunca dorme. Até isso é mentira. Nova York dorme muito mais que eu - até de férias. É que eu não quero perder nada. Sugar a vida, ler todos os livros do mundo, conhecer todas as artes já feitas, permanecer para sempre no centro do mundo, onde tudo e todos se cruzam, correndo, com pressa, vem ver, tornando todas as imagens borradas, uma fusão de cores em um só vento colorido. E eu fico a observar. Parada. Enquanto tudo a minha volta gira. A vertigem de olhar do alto da ponte. O impulso do salto. Pensar duas vezes. É madrugada em Nova York. As luzes não se apagam, mas nas avenidas, só eu e o meu cigarro. Os lábios rachados não sabem sorrir, nem chorar. A fumaça branca confunde-se com a que sai do boeiro. Mas isso é uma carta para você, só mais uma carta, e por isso vou até o final, por mais que o xizinho branco no quadradinho vermelho no canto direito da tela funcione como um imã para as minhas mãos. Eu resisto a forças externas enquanto consigo. Sou uma mulher forte, sem senso de direção, isso é certo, mas forte. Nova York e toda sua simplicidade geométrica e espacial me faz perdida. Não fui feita para coisas simples e rasas, você sabe. Nem essa raiva que se confunde aqui dentro me deixa em paz. As linhas do metrô se cruzam embaralhadas sob prédios que alcançam o céu. Eu me embaralho entre os imigrantes do vagão. Não tenho coragem de tirar a foto, é invasão de privacidade congelar a alma das pessoas assim. Não sou capaz. Mas bem que queria guardar para sempre a imagem da indiana vestida a caráter ao lado do muçulmano, também típico, sentados lado a lado com o jovem loiro de boné NY, entre o casal de franceses, no banco da linha E, no sentido Downtown, bem em frente de mim. Hablas español? Me pergunta uma senhora. Si, un poco, soy brasileira, digo em portunhol. Ela começa a falar o sotaque alongado, com a língua entre os dentes. Entendo que ela diz que eu pareço perdida. Pergunto a mim mesma em que sentido ela se refere. Fui do Bronx ao Brooklin sem querer. Estava no Queens e queria mesmo é ir para o Soho. Eu sei que no final acabo me encontrando. Tudo dá certo no final. Tudo dá certo. E a sua sorte é que essa folha é digital. E que eu sou forte, muito forte, e que no fundo eu sei. Mas do que isso. No fundo eu sinto. Não preciso de palavras, nem de atitudes de culpa pela parte de quem for. Me poupem dos detalhes, eu não falo espanhol mas entendo tudo . E na real, eu tenho um mapa no bolso. Não uso porque acho que a melhor parte de viajar é se perder, para depois se encontrar. No caminho, tudo é novo. Algumas esquinas reconheço, outras me surpreendem. Entre lá e cá, eu penso na ponte, no alto do prédio, nos trilhos do trem, em deletar essa página. O que me segura é saber sem palavras. É esse frio na barriga. E a confirmação que vem por MSN. O coração bate apressado. Mas eu sabia antes mesmo de me perder que eu gosto é da aventura. Você é mero detalhe. Isso tudo aqui é raiva dentro da fortaleza de uma mulher só.
Não deleto essa página. Mas também não envio.
Em silêncio, eu te deixo a minha paz.
Lidar com a tempestade fica por minha conta, que eu aguento.
“A arte é aquilo que ajuda a escapar da inércia. Outra vez os olhos.
Os dele produzem uma indiferença quando ele me conta o que é a arte.
Estou te dizendo isso há oito dias. Aprendo a focar em pleno parque. Imagino a onipotência dos fotógrafos escrutinando por trás do visor, invisíveis como Deus. Eu não sei focar ali no jardim, sobre a linha do seu rosto, mesmo que seja por displicência estudada, a mulher difícil que não se abandona para trás, para trás, palavras escapando, sem nada que volte e retoque e complete.
Explico mais ainda: falar não me tira da pauta; vou passar a desenhar; para sair da pauta.
Estou muito compenetrada no meu pânico.
Lá de dentro tomando medidas preventivas” ACC.
Não deleto essa página. Mas também não envio.
Em silêncio, eu te deixo a minha paz.
Lidar com a tempestade fica por minha conta, que eu aguento.
“A arte é aquilo que ajuda a escapar da inércia. Outra vez os olhos.
Os dele produzem uma indiferença quando ele me conta o que é a arte.
Estou te dizendo isso há oito dias. Aprendo a focar em pleno parque. Imagino a onipotência dos fotógrafos escrutinando por trás do visor, invisíveis como Deus. Eu não sei focar ali no jardim, sobre a linha do seu rosto, mesmo que seja por displicência estudada, a mulher difícil que não se abandona para trás, para trás, palavras escapando, sem nada que volte e retoque e complete.
Explico mais ainda: falar não me tira da pauta; vou passar a desenhar; para sair da pauta.
Estou muito compenetrada no meu pânico.
Lá de dentro tomando medidas preventivas” ACC.
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Um dia despertei, sentei na cama e sorri
“Existem apenas pessoas, e em todas há um grão da verdadeira, e nenhuma delas tem o que do outro nós esperamos e desejamos”. (De verdade, Sándor Márai)
“Dá pra ver que eu chorei?…” Essa foi a última frase que li antes que De verdade, do escritor Sándor Márai, caísse do alto da janela do meu quarto e se espatifasse nos densos arbustos do jardim. Era uma noite no início de mais uma primavera, não havia estrelas no céu, o ar estava relativamente frio e podia-se ouvir as ondas estourando na praia de São Conrado. Antes que eu chegasse em “É estúpido, mas você sabe, somos assim estúpidas”, um vaga-lume pousou no meu ombro. A pequena luz verde piscante tornou-se mais um ponto entre as dezenas de pintas que colorem a minha pele. Com um salto brusco, soltei um grito contido e deixei o livro voar pela noite. A capa com a fotografia das mesinhas de um café vazias caiu bem entre as bromélias e a palmeira - a mesma árvore aonde os passarinhos constroem seus ninhos nessa época do ano. As páginas amassadas esconderam o resto da história; assim como a verdade se perdia entre mais uma ilusão. Alguém já deve ter dito algo como “pobres aqueles que acreditam”, se não disseram, escrevo aqui pela primeira vez.
Eu tenho medo de muitas coisas. Seres voadores, entre elas. Nada contra as asas, desde que as patas não pousem em mim. No entanto, durante toda a minha vida, espécies voadoras escolheram o meu corpo para o momento do descanso. No primário, estava pulando amarelinha no pátio da escola, quando uma borboleta amarela de bolinhas pretas - ou seria o contrário? - pousou nas minhas costas. Tirei a blusa ali mesmo, no meio de todo mundo, e virei piada entre as outras crianças até o fim do ano letivo. Anos mais tarde, fui atacada por um enxame de borboletas coloridas enquanto andava a cavalo na fazenda de uma amiga. Gritei tanto que o bicho disparou. Depois vieram os passarinhos e seus voos rasantes, mais algumas borboletas nos cabelos, e até mesmo uma pomba branca que achou que o meu ombro fosse poleiro e não arredou pé do parapeito da minha janela - isso me privou das leituras mais agradáveis - até que eu mandasse o jardineiro sumir com ela. A ave era tão branca, que parecia saída da cartola de um mágico. Até que veio esse vaga-lume me obrigar a sair no meio da noite, ao relento, em busca De verdade no canteiro.
Me equilibrei em duas pedras, pulei uma grande bromélia, coloquei os pés com receio entre a folhagem baixa, vi um lagarto fugir por entre o mato, e alcancei o livro ao pé da palmeira que eu vi crescer pela minha janela. No meio da noite, sob o relento, estava De verdade, molhado de orvalho, sujo de terra, com as folhas amassadas. Segurei o calhamaço de 445 páginas no mesmo segundo em que a luz acabou - isso aconteceu sem uma gota de chuva, o que tornaria o fato bem normal por aqui. Fiquei no breu, mas com a verdade nas mãos. No horizonte, o farol piscava vermelho e branco me mostrando o caminho. Entre a folhagem próxima, o vagalume verde. Pobres aqueles que acreditam que quando duas águias se encontram planam lado a lado. Águias voam. E assim como quaisquer seres com asas, me dão um baita susto ao se aproximar. Fiquei com a verdade nas mãos, apesar da escuridão da noite.
“Dá pra ver que eu chorei?…” Essa foi a última frase que li antes que De verdade, do escritor Sándor Márai, caísse do alto da janela do meu quarto e se espatifasse nos densos arbustos do jardim. Era uma noite no início de mais uma primavera, não havia estrelas no céu, o ar estava relativamente frio e podia-se ouvir as ondas estourando na praia de São Conrado. Antes que eu chegasse em “É estúpido, mas você sabe, somos assim estúpidas”, um vaga-lume pousou no meu ombro. A pequena luz verde piscante tornou-se mais um ponto entre as dezenas de pintas que colorem a minha pele. Com um salto brusco, soltei um grito contido e deixei o livro voar pela noite. A capa com a fotografia das mesinhas de um café vazias caiu bem entre as bromélias e a palmeira - a mesma árvore aonde os passarinhos constroem seus ninhos nessa época do ano. As páginas amassadas esconderam o resto da história; assim como a verdade se perdia entre mais uma ilusão. Alguém já deve ter dito algo como “pobres aqueles que acreditam”, se não disseram, escrevo aqui pela primeira vez.
Eu tenho medo de muitas coisas. Seres voadores, entre elas. Nada contra as asas, desde que as patas não pousem em mim. No entanto, durante toda a minha vida, espécies voadoras escolheram o meu corpo para o momento do descanso. No primário, estava pulando amarelinha no pátio da escola, quando uma borboleta amarela de bolinhas pretas - ou seria o contrário? - pousou nas minhas costas. Tirei a blusa ali mesmo, no meio de todo mundo, e virei piada entre as outras crianças até o fim do ano letivo. Anos mais tarde, fui atacada por um enxame de borboletas coloridas enquanto andava a cavalo na fazenda de uma amiga. Gritei tanto que o bicho disparou. Depois vieram os passarinhos e seus voos rasantes, mais algumas borboletas nos cabelos, e até mesmo uma pomba branca que achou que o meu ombro fosse poleiro e não arredou pé do parapeito da minha janela - isso me privou das leituras mais agradáveis - até que eu mandasse o jardineiro sumir com ela. A ave era tão branca, que parecia saída da cartola de um mágico. Até que veio esse vaga-lume me obrigar a sair no meio da noite, ao relento, em busca De verdade no canteiro.
Me equilibrei em duas pedras, pulei uma grande bromélia, coloquei os pés com receio entre a folhagem baixa, vi um lagarto fugir por entre o mato, e alcancei o livro ao pé da palmeira que eu vi crescer pela minha janela. No meio da noite, sob o relento, estava De verdade, molhado de orvalho, sujo de terra, com as folhas amassadas. Segurei o calhamaço de 445 páginas no mesmo segundo em que a luz acabou - isso aconteceu sem uma gota de chuva, o que tornaria o fato bem normal por aqui. Fiquei no breu, mas com a verdade nas mãos. No horizonte, o farol piscava vermelho e branco me mostrando o caminho. Entre a folhagem próxima, o vagalume verde. Pobres aqueles que acreditam que quando duas águias se encontram planam lado a lado. Águias voam. E assim como quaisquer seres com asas, me dão um baita susto ao se aproximar. Fiquei com a verdade nas mãos, apesar da escuridão da noite.
sábado, 20 de setembro de 2008
É tudo invenção
Ela disse que escreve sem saber o que escreve. Vai colocando as palavras na tela branca sem saber qual será a próxima. Quando vê, tem uma frase, depois um parágrafo e mais uma linha de sentimentos que não sabe reconhecer. Disse que fora a Feira de São Cristóvão encontrar a sua Macabéia, não achou. Voltou com cheiro de churrasco nos cabelos e gosto de castanhas-de-cajú velhas. Disse que quando é muito tarde da noite, ou muito cedo da manhã, abre os olhos e fica a escutar o silêncio. O silêncio faz zumbido que dói o ouvido, disse. Certa vez, escreveu a palavra regalo sem saber o significado. Soou bonito regalo e ele deixou assim mesmo. Descobriu que poderia ser presente em espanhol. Queria que fosse casca, ou caroço, mesmo que casca e caroço sejam praticamente antônimos. Desde a segunda série - que hoje deve se chamar segundo ano do ensino médio, não sei para quê - não escrevia antônimo. Chegou a pensar que a palavra não fosse essa, não lembrava de se parecer com Antônio, e sentiu a saudades de escrever sinônimo, onomatopéia, convexo e de resolver uma equação com x, y e z. Se bem que nunca tinha conseguido entender porque x era igual a zero. Disse que sonhara com formiguinhas andando por sua língua, passeando entre os dentes, subindo pelo céu da boca e saindo pelo nariz. Ás vezes achava que dentro dela morava um formigueiro, os bichinhos sempre trabalhando, por isso aquele buraco no estômago. A imagem me fez lembrar um cadáver, mas ela me acusou de mórbida e de não saber enxergar a beleza das coisas. Ela me disse que escreve sem saber o que escreve, só para que eu leia. E quando não tem nada para contar, inventa. Ás vezes quer me deixar com raiva só de maldade, aí me manda lindos contos de amor que não me incluem. Quando quer me deixar com ciúmes, diz que escreve para que ele leia - e a verdade é que sempre o faz. Quando quer me deixar triste, não me escreve e ponto, tampouco me procura. É de propósito, só porque eu gosto de você, disse-me, com ar implicante de menino da segunda série que quer namorar. Eu quero um abraço, eu disse, com ar de menina que precisa se encontrar. E assim fomos caminhando, sem saber o significado das coisas. (Coisa é uma palavra muito infantil, ela ainda é uma criança). Quando estamos no escuro, só mesmo a mão alheia faz o coração bater mais devagar - ela ainda não entendeu que qualquer mão não serve, tem que ser aquela que encaixa.
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Your love alone is not enough
Quando te vi do outro lado da rua, esqueci do chão e tropecei no buraco. Você riu, eu fiquei roxa, mas fingi que nada aconteceu e você também. Outros braços seguraram a minha queda, eu fingi estar salva, e você acreditou. Prestou atenção nas mãos dele na minha cintura, os dedos entre os meus cabelos, deslizando pela nuca. Eu sorri antes que ele me beijasse, você viu, mas fingiu que não, e eu também. Quando os braços dele se enroscaram no meu corpo, a cabeça apoiada no meu ombro, eu abri os olhos e dei de encontro com os seus. We danced together on the roof of the party, we didn’t give a chit about what they would say. Eu fingi que dessa vez era igual e dentro de mim soube que você concordava. Você atravessando a rua decidido a me tirar dali, eu já estava vendo tudo, a confusão, eu dizendo que não sou sua, que você tem que perder essa mania, que não gosto de confusão, que se eu abrir mão de tudo por sua causa, você não consegue encarar e desiste. Mais um gole de chope, e seus olhos no fundo de mim, meu corpo pedindo para ir, esse seu jeito de me convencer de qualquer coisa, de sair de mim, de dizer que sim, que eu largo tudo para estar junto de você. E ele falando, segurando a minha mão, beijando o meu pescoço, e meus olhos sempre voltavam para os seus. Eu querendo me livrar de você, parar de sentir o seu cheiro, esquecer a gente atrás da pilastra, sem ligar para o que eles diriam. We didn’t give a chit. Eu dizendo não, você fingindo acreditar e eu também. A verdade é que eu sempre estarei no Braseiro e você no Hipódromo, você sempre vai sorrir quando eu tropeçar, nossos olhos sempre vão se encontrar na multidão, você sempre vai saber o que eu estou pensando, eu sempre vou saber te ler pelos olhos, e ainda sim, tudo vai continuar como antes. A lembrança de me perder em você. Testa com testa, a sua mão na minha nuca e aquela paz que eu nunca mais encontrei. Por isso que eu deixo o chope pela metade, os amigos na mesa, ele ali sem saber o que houve e prefiro simplesmente vir para casa. Eu nunca vou conseguir te ver do outro lado da rua sem tropeçar. You won’t make a mess of me .
terça-feira, 16 de setembro de 2008
Anna sem Ana
"Ana me deixou e isto dói. Muito. O espetáculo poderia ser resumido nessa simples frase. Tudo o que é dito e o que acontece em cena é tão somente a ausência de Ana. Eu sem Ana. O texto é extraído do conto "Sem, Ana, Blues" em que Caio Fernando de Abreu pinta um retrato poético e doloroso de falta. Mas que falta é essa que Ana representa? No conto de Caio, trata-se de uma mulher que abandonou um homem. Mas, ainda que esse seja o seu significado primeiro, procuramos, na peça, trabalhar com outras possibilidades de leitura. A começar pelo fato do texto ser interpretado por uma atriz. Poderíamos, assim, estar falando de uma mulher que foi deixada por outra. Mas podemos pensar o sentido desta ausência para além da pessoa amada. A atriz em cena também se chama Ana. Portanto, Ana sem Ana. Uma pessoa que sente falta de uma parte sua que se foi com a partida de outra, do que ela era com essa outra pessoa. Ou então, tão somente a ausência de si mesmo. De uma parte nossa que ficou para trás simplesmente porque mudamos e deixamos de ser quem éramos, porque deixamos a nós mesmos. Ou ainda, Ana poderia representar a falta do que gostaríamos de ser, de ter, de viver. A ausência em si, porque sempre há algo faltando. Ana é o nosso eterno buraco. Porque por mais que Ana esteja com Ana, mesmo assim, e sempre, Ana estará sem Ana". (Ivan Sugahara)
Eu estou ficando sem Anna, e isso me assusta imensamente. Medo de me perder no buraco. De afundar na minha profundidade. Nossa, como estou intensa e chata! Ainda bem que você me entende e sabe que metade dessas palavras são drama, puro drama. Meu padastro me qualifica de "Terrorista", isso quando não me chama de "Meu nome é Cultura". Isso que dá nascer na família errada. Oh well, é Caio Fernando Abreu sem Ana.
"Quando Ana me deixou - Essa frase ficou na minha cabeça, de dois jeitos - e depois que Ana me deixou. Sei que não é exatamente uma frase, só um começo de frase, mas foi o que ficou na minha cabeça. Eu pensava assim: Quando Ana me deixou - e essa não-continuação era aúnica espécie de continuação que vinha. Entre aquele quando e aquele depois, não havia nada mais na minha cabeça nem na minha vida além do espaço em branco deixado pela ausência de Ana, embora eu pudesse preenchê-lo - esse espaço branco sem Ana - de muitas formas, tantas quantas quisesse, com palavras ou ações. Ou não-palavras e não-ações, porque o silêncio e a imobilidade foram dois dos jeitos menos dolorosos que encontrei, naquele tempo, para ocupar meus dias, meu apartamento, minha cama, meus passeios, meus jantares, meus pensamentos, minhas trepadas e todas essas outras coisas que formam uma vida com ou sem alguém como Ana dentro dela". (CFA)
Estou me perdendo de mim mesma e com muito medo do que está por vir. Estou abandonando Anna. Como será a nova Anna? Certa vez te disse que não me conhecia, que tinha medo de me envolver porque não me conhecia. Temo o conhecimento e o envolvimento que poderá vir com ele. Eu não quero me entregar. Tenho medo do que posso ser nas mãos de outro. Gosto do controle, por mais que muitas vezes o perca de vez - ainda bem que esses momentos só duram alguns segundos.
Tenho um buraco de angústia no peito. Parece um rodamoinho de vida.
Eu estou ficando sem Anna, e isso me assusta imensamente. Medo de me perder no buraco. De afundar na minha profundidade. Nossa, como estou intensa e chata! Ainda bem que você me entende e sabe que metade dessas palavras são drama, puro drama. Meu padastro me qualifica de "Terrorista", isso quando não me chama de "Meu nome é Cultura". Isso que dá nascer na família errada. Oh well, é Caio Fernando Abreu sem Ana.
"Quando Ana me deixou - Essa frase ficou na minha cabeça, de dois jeitos - e depois que Ana me deixou. Sei que não é exatamente uma frase, só um começo de frase, mas foi o que ficou na minha cabeça. Eu pensava assim: Quando Ana me deixou - e essa não-continuação era aúnica espécie de continuação que vinha. Entre aquele quando e aquele depois, não havia nada mais na minha cabeça nem na minha vida além do espaço em branco deixado pela ausência de Ana, embora eu pudesse preenchê-lo - esse espaço branco sem Ana - de muitas formas, tantas quantas quisesse, com palavras ou ações. Ou não-palavras e não-ações, porque o silêncio e a imobilidade foram dois dos jeitos menos dolorosos que encontrei, naquele tempo, para ocupar meus dias, meu apartamento, minha cama, meus passeios, meus jantares, meus pensamentos, minhas trepadas e todas essas outras coisas que formam uma vida com ou sem alguém como Ana dentro dela". (CFA)
Estou me perdendo de mim mesma e com muito medo do que está por vir. Estou abandonando Anna. Como será a nova Anna? Certa vez te disse que não me conhecia, que tinha medo de me envolver porque não me conhecia. Temo o conhecimento e o envolvimento que poderá vir com ele. Eu não quero me entregar. Tenho medo do que posso ser nas mãos de outro. Gosto do controle, por mais que muitas vezes o perca de vez - ainda bem que esses momentos só duram alguns segundos.
Tenho um buraco de angústia no peito. Parece um rodamoinho de vida.
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
Outras vidas
Vi-me comprimida dentro de um corpo que não é meu. Obrigada a olhar para dentro: uma pomba branca cruzou a escuridão das minhas pálpebras fechadas; um horizonte em solo árido, rachado pelo sol ardente e a seca nordestina, apareceu como um slide. Paisagem triste, porém bela. O céu de um azul anil, o pôr-do-sol a meio palmo do fim, uma única árvore magra, ausente de folhas, sobrevivente na terra laranja. Senti-me jovem, comprimida dentro de um corpo que não é meu. O olhar no horizonte isolado, seco e infinitamente só. Tem vezes que eu esqueço de respirar. A alma precisa de um corpo, o corpo precisa de ar. O encontro de almas é tão efêmero quanto roçar dos corpos. O grande momento só acontece quando os corpos se unem simultaneamente às almas.
Vi-me comprimida dentro de um corpo que não é meu. A minha alma sente não pertencer a lugar algum. Na escuridão das pálpebras fechadas, minhas mãos idosas tem unhas sujas de terra. Os pés pequenos, sapatilhas pretas de pano. O rosto coberto pela burca preta, os cabelos grisalhos escondidos, a pele tão marcada pelas rugas, quanto o solo cor de tijolo da outra deixava-se rachar pelo sol. Eu rachava pelo tempo. Do lado direito uma senhora chora em silêncio, cabeça entre as pernas. Do lado esquerdo outra senhora murmura uma prece. Eu aperto tão forte a correntinha de ouro enrolada na minha palma direita que ela corta a pela seca. Uma gota de sangue escorre. O horizonte é um corredor cheio de mulheres e burcas negras. Tem vezes que eu esqueço de respirar. Não sei se a dor, a pressa de sair dali, ou o falta de palavras. O grande momento é a morte.
Vi-me comprimida dentro de um corpo que não é meu. Nos olhos fechados, a vida parece slide de filme dos anos 70. Sou uma criança que brinca de rodar. Rodar, rodar, rodar. Rodar cada vez mais rápido. Quem sabe assim a alma de desprende desse corpo que não me deixa voar? Os objetos em volta do corpo que roda perdem a forma.. Parede amarela, vaso chinês, Monet, boneca de porcelana, cinzeiro sujo, livros de capa de couro, sofá encardido, ganham a mesma cor: cor de vento. O grande momento é quando fecho os olhos de olhos fechados. Por um minuto me sinto cor do vento. Pena que sempre vem a tontura do corpo, que faz a alma tropeçar.
Vi-me comprimida dentro de um corpo que não é meu. Nos olhos fechados, o medo de abrir. A vida parece mesmo flashe de realidade, principalmente quando há consciência das pálpebras grudadas. A cabeça gira sem rodar. São pensamentos de lá para cá, num vai e vem de idéias, sempre rápidas de mais para se concretizar. A mente é mesmo bomba relógio terrorista. Máquina sabotadora dos grandes momentos. Dá espaço que ela pensa, analisa, descreve, trabalha, inventa, sonha, vive, escreve, faz, enrola, desabotoa, desalinha, constrói tudo outra vez, sempre diferente. O grande momento há de ser quando ela pára. Há de ser. Nem que seja em outro corpo.
Vi-me comprimida dentro de um corpo que não é meu. A minha alma sente não pertencer a lugar algum. Na escuridão das pálpebras fechadas, minhas mãos idosas tem unhas sujas de terra. Os pés pequenos, sapatilhas pretas de pano. O rosto coberto pela burca preta, os cabelos grisalhos escondidos, a pele tão marcada pelas rugas, quanto o solo cor de tijolo da outra deixava-se rachar pelo sol. Eu rachava pelo tempo. Do lado direito uma senhora chora em silêncio, cabeça entre as pernas. Do lado esquerdo outra senhora murmura uma prece. Eu aperto tão forte a correntinha de ouro enrolada na minha palma direita que ela corta a pela seca. Uma gota de sangue escorre. O horizonte é um corredor cheio de mulheres e burcas negras. Tem vezes que eu esqueço de respirar. Não sei se a dor, a pressa de sair dali, ou o falta de palavras. O grande momento é a morte.
Vi-me comprimida dentro de um corpo que não é meu. Nos olhos fechados, a vida parece slide de filme dos anos 70. Sou uma criança que brinca de rodar. Rodar, rodar, rodar. Rodar cada vez mais rápido. Quem sabe assim a alma de desprende desse corpo que não me deixa voar? Os objetos em volta do corpo que roda perdem a forma.. Parede amarela, vaso chinês, Monet, boneca de porcelana, cinzeiro sujo, livros de capa de couro, sofá encardido, ganham a mesma cor: cor de vento. O grande momento é quando fecho os olhos de olhos fechados. Por um minuto me sinto cor do vento. Pena que sempre vem a tontura do corpo, que faz a alma tropeçar.
Vi-me comprimida dentro de um corpo que não é meu. Nos olhos fechados, o medo de abrir. A vida parece mesmo flashe de realidade, principalmente quando há consciência das pálpebras grudadas. A cabeça gira sem rodar. São pensamentos de lá para cá, num vai e vem de idéias, sempre rápidas de mais para se concretizar. A mente é mesmo bomba relógio terrorista. Máquina sabotadora dos grandes momentos. Dá espaço que ela pensa, analisa, descreve, trabalha, inventa, sonha, vive, escreve, faz, enrola, desabotoa, desalinha, constrói tudo outra vez, sempre diferente. O grande momento há de ser quando ela pára. Há de ser. Nem que seja em outro corpo.
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Eu sei
O corpo quer domir, a cabeça quer pensar, a mão anseia segurar o cigarro, mas os dedos querem escrever. A boca quer beijar, alguma parte de mim quer dançar, mas os olhos estão cansados de enxergar além.
terça-feira, 9 de setembro de 2008
Monalisa Pura
Ou , deixa estar jacaré que a maré há de secar
Ou, a vida é mesmo muito estranha
Ou, um quinhão por uma vida regrada
Ou, a partir de amanhã tudo vai ser diferente
Ou, sobre madaleines, macarrons, sushi, padres, zoológicos e astrologia
Quando o despertador tocou às 6h30, como era de se esperar quando o alarme toca, eu apertei o botão que me dá mais cinco minutos na cama e virei para o lado direito, travesseiro em baixo do joelho esquerdo dobrado, perna direita esticada, edredom até a orelha, tudo em seus devidos lugares, só mais cinco minutos não vai ter problema nenhum. Quando virei para o lado esquerdo e estiquei o braço para alcançar os óculos, pegar o celular e olhar as horas, vi que já eram 9h30 e eu estava atrasada de novo. Ah não, começou, e eu não entendo mesmo porque não consigo seguir uma vida regrada de gente normal, com hora para dormir e acordar, gente que não é tão mimada e consegue no mínimo obedecer o despertador e diferente de mim, não faz só o que quer. De hoje em diante eu quero fazer planos e chega de energia gasta com aventuras que não levam a lugar nenhum. Decidida a mudar de vez toda uma filosofia de vida, fiz como dizem os livros de auto-ajuda e a filosofia oriental e comecei pelas pequenas coisas. No café-da-manhã troquei iogurte com aveia por meio papaya, um pedaço de queijo minas e uma xícara de café preto. Talvez o erro tenha sido clicar na página do horóscopo gravada na minha lista de “favoritos”, por que sei, que partir do momento que li as primeiras linhas sobre o dia de hoje, decidi também que não leria mais horóscopo, porque eles estão sempre certos e isso influência muito tudo ao meu redor. O de hoje era uma mistura de “libertar as amarras que prendem a alma ao passado“, com “não acreditar nas coisas que acontecem” e “preguiça adota máscaras enganosas”. Eu que já sentia que seria um dia muito estranho, tinha agora a certeza. “Vivemos num mundo de cobras”, era a frase de uma conhecida no MSN. “Quem nasce para lagartixa nunca chega a jacaré”, a da outra. E o mundo já parecia um zoológico, quando um beija-flor verde garrafa entrou junto comigo pela porta do carro, na boa, eu comecei a não acreditar nas coisas que aconteceriam dali em diante, MESMO. Vamos aos fatos: Um e-mail chega à minha caixa de entrada. “Parabéns pela reportagem, blablablabala … A foto do abre é um dos melhores retratos que vi em toda a história da revista, monalisa pura”. Isso mesmo, a pessoa usou “Monalisa Pura” como adjetivo. Me diga se não é mesmo sensacional. Enquanto isso, o Marechal imprime 20 páginas. Desce para pegar as impressões no andar de baixo. Sobe. Gargalha. Diz: “Monalisa Pura!”. Imprime mais 20. Desce. Sobe. Ri. Diz: “O romance tem 500 páginas, foi recusado por duas grandes editoras. É que Anna, 150 páginas são só de sacanagem”. Imprime mais 20. Desce. Sobe. Ri. Passa os olhos pela página. Diz. “Justamente as 150 que estou imprimindo. Monalisa Pura!”. Gargalha. Monalisa Pura vira sinonimo de maravilha, sensacional, incrível, e o que mais a sua imaginação mandar. Até que os padres da igreja colada ao jornal, começam uma partida de futebol. E como qualquer partida de futebol, o espetáculo fica por conta da torcida, que vibra: “ Olê, olá, São Judas vem aí, e o padre vai pegar” , “Jesus! Jesus! Jesus!”, “ê ô, ê ô, Jesus é o terror!”. Aí o Nelson diz que 33 é veterano, e o Júlio completa que diferente do Pelé, Jesus soube a hora de parar. E piadinhas é o que não faltam, e alguém solta “Monalisa Pura”. E todo mundo ri muito. Aí corre o boato que o estagiário foi o enterro do Fausto Wolff e perguntou para o dono do jornal quem era o dono do jornal, e isso não é piada. E no meio disso tudo, vem o outro e me diz no google talk que “gente com cara de madelaine não sabe achar bangu no mapa”, e eu digo que surpreendi o outro por gostar de cabrito enquanto ele achava que eu tinha cara de sushi de cinquenta reais, e ele insiste: “você não tem cara de sushi, tem cara de madaleine“. Esse aí ainda vai se surpreender muito comigo, eu sou ótima de mapa. Não que eu queira achar Bangu, mas enfim... o chefe reponde o meu e-mail "segue o texto para essa semana" com uma única palavra: “Tintuntá”. E eu sem entender porque não consigo ter uma vida regrada…. Deixa estar jacaré, que a maré há de secar.
Ou, a vida é mesmo muito estranha
Ou, um quinhão por uma vida regrada
Ou, a partir de amanhã tudo vai ser diferente
Ou, sobre madaleines, macarrons, sushi, padres, zoológicos e astrologia
Quando o despertador tocou às 6h30, como era de se esperar quando o alarme toca, eu apertei o botão que me dá mais cinco minutos na cama e virei para o lado direito, travesseiro em baixo do joelho esquerdo dobrado, perna direita esticada, edredom até a orelha, tudo em seus devidos lugares, só mais cinco minutos não vai ter problema nenhum. Quando virei para o lado esquerdo e estiquei o braço para alcançar os óculos, pegar o celular e olhar as horas, vi que já eram 9h30 e eu estava atrasada de novo. Ah não, começou, e eu não entendo mesmo porque não consigo seguir uma vida regrada de gente normal, com hora para dormir e acordar, gente que não é tão mimada e consegue no mínimo obedecer o despertador e diferente de mim, não faz só o que quer. De hoje em diante eu quero fazer planos e chega de energia gasta com aventuras que não levam a lugar nenhum. Decidida a mudar de vez toda uma filosofia de vida, fiz como dizem os livros de auto-ajuda e a filosofia oriental e comecei pelas pequenas coisas. No café-da-manhã troquei iogurte com aveia por meio papaya, um pedaço de queijo minas e uma xícara de café preto. Talvez o erro tenha sido clicar na página do horóscopo gravada na minha lista de “favoritos”, por que sei, que partir do momento que li as primeiras linhas sobre o dia de hoje, decidi também que não leria mais horóscopo, porque eles estão sempre certos e isso influência muito tudo ao meu redor. O de hoje era uma mistura de “libertar as amarras que prendem a alma ao passado“, com “não acreditar nas coisas que acontecem” e “preguiça adota máscaras enganosas”. Eu que já sentia que seria um dia muito estranho, tinha agora a certeza. “Vivemos num mundo de cobras”, era a frase de uma conhecida no MSN. “Quem nasce para lagartixa nunca chega a jacaré”, a da outra. E o mundo já parecia um zoológico, quando um beija-flor verde garrafa entrou junto comigo pela porta do carro, na boa, eu comecei a não acreditar nas coisas que aconteceriam dali em diante, MESMO. Vamos aos fatos: Um e-mail chega à minha caixa de entrada. “Parabéns pela reportagem, blablablabala … A foto do abre é um dos melhores retratos que vi em toda a história da revista, monalisa pura”. Isso mesmo, a pessoa usou “Monalisa Pura” como adjetivo. Me diga se não é mesmo sensacional. Enquanto isso, o Marechal imprime 20 páginas. Desce para pegar as impressões no andar de baixo. Sobe. Gargalha. Diz: “Monalisa Pura!”. Imprime mais 20. Desce. Sobe. Ri. Diz: “O romance tem 500 páginas, foi recusado por duas grandes editoras. É que Anna, 150 páginas são só de sacanagem”. Imprime mais 20. Desce. Sobe. Ri. Passa os olhos pela página. Diz. “Justamente as 150 que estou imprimindo. Monalisa Pura!”. Gargalha. Monalisa Pura vira sinonimo de maravilha, sensacional, incrível, e o que mais a sua imaginação mandar. Até que os padres da igreja colada ao jornal, começam uma partida de futebol. E como qualquer partida de futebol, o espetáculo fica por conta da torcida, que vibra: “ Olê, olá, São Judas vem aí, e o padre vai pegar” , “Jesus! Jesus! Jesus!”, “ê ô, ê ô, Jesus é o terror!”. Aí o Nelson diz que 33 é veterano, e o Júlio completa que diferente do Pelé, Jesus soube a hora de parar. E piadinhas é o que não faltam, e alguém solta “Monalisa Pura”. E todo mundo ri muito. Aí corre o boato que o estagiário foi o enterro do Fausto Wolff e perguntou para o dono do jornal quem era o dono do jornal, e isso não é piada. E no meio disso tudo, vem o outro e me diz no google talk que “gente com cara de madelaine não sabe achar bangu no mapa”, e eu digo que surpreendi o outro por gostar de cabrito enquanto ele achava que eu tinha cara de sushi de cinquenta reais, e ele insiste: “você não tem cara de sushi, tem cara de madaleine“. Esse aí ainda vai se surpreender muito comigo, eu sou ótima de mapa. Não que eu queira achar Bangu, mas enfim... o chefe reponde o meu e-mail "segue o texto para essa semana" com uma única palavra: “Tintuntá”. E eu sem entender porque não consigo ter uma vida regrada…. Deixa estar jacaré, que a maré há de secar.
domingo, 7 de setembro de 2008
Previsão do tempo: chuva forte com rajadas de vento. Cuidado: risco de desabamento
O sol da manhã passou pelo vidro da janela e um feixe de luz refletiu sobre as pétalas de flor laranja espalhadas pelo chão do hall. Os pés descalços sentiam a textura do tapete de palha. A porta entreaberta deixava entrar o vento forte que antes despetalara as flores do arranjo em cima da mesa. A luminosidade do dia que começava a fez franzir os olhos e o nariz. A pele pálida e sem cor pedia o abrigo escuro do quarto, o calor da cama, o afago do sono. A camisola curta de algodão branco deixava transparecer o coração em pedaços. Alma encolhida pela falta do abraço. Lembrou do sonho do qual acabara de acordar. Ele o perseguia pelas ruas do Centro, mas ela não sabia que direção tomar. Todos os prédios pareciam iguais, as recepções tinham o mesmo ar e a presença dele atrás dela desaparecia no momento em que ela virava-se para encontrá-lo. O cheiro de gente deixava rastro. Angústia que tomava o peito agora amornado pelo sol da manhã. Vontade de não começar o dia, de voltar para a cama. Por mais tristes que fossem os sonhos, pior ainda seria a realidade. O cheiro do café fresco encontrava seu caminho pela casa. O estômago embrulhado pedia que ela chorasse na manhã de mais um domingo de sol. Que lindo domingo de céu azul, brisa quente e pétalas laranjas pelo chão. Lágrimas secas amontoadas no fundo do peito formavam um imenso mar, oceano profundo em seus mistérios. A dor tão íntima não alcançava os olhos, não se deixava correr pela face branca. As solas sentiram a segurança do piso de tábua corrida e caminharam em direção ao mármore gelado do chão da cozinha. Ela sentou na cadeira de plástico branco, de design moderno e formas arredondadas, cruzou as pernas e esperou que lhe servissem o café quente. Ouviu dizerem que a camisola estava curta demais, que deveria cobrir as pernas, que os ombros com as sardas de fora a faziam meio nua, e imediatamente lembrou que estava nua, mesmo vestida. Entregara sua alma, seus defeitos e qualidades, na esperança de que ele fosse capaz de entende-la. Que a segurasse em seus braços, reconfortasse com o abraço apaziguador e confirmasse aquilo que ela já sabia: que foram feitos um para o outro. O rosto sem sorriso, a vontade de silêncio, transparecia toda a dor que sentia. Perdia aos poucos o rumo e a palavra. Ele recusou o maior presente que ela poderia oferecer: coração, alma, corpo, carinho, noites e noites de risada. Ele disse que não, obrigada. E agora ela tinha que encarar mais um domingo de sol. Provou o café quente e decidiu voltar para o quarto. Ficar na escuridão é bem mais seguro que se aventurar numa tarde de sol, principalmente quando o vento quente avisa que por aí vem temporal. Ela vai desabar a qualquer momento.
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
humpf
Só penso em Américo Pisca-pisca e suas abóboras. Américo fica sentado sob a árvore dizendo que o mundo é errado e que as jabuticabas, levinhas, deviam ficar em árvores baixas, rasteiras, e as abóboras, pesadas, deviam ficar nas árvores de troncos fortes. "No dia em que eu mandar no mundo", ele diz. "Tudo isso vai mudar". Ele adormece e cai uma jabuticaba na cabeça dele. Não preciso continuar a história, né? Agora, toda vez que eu penso que se fosse prefeita proibiria caminhões de circular pela cidade de 6 às 22hs; ônibus de entrarem em ruas pequenas; banheiros que são divididos em homens e mulheres, mas a pia é em conjunto; chocolate de engordar e outras coisas mais sem graça ainda, eu só penso no Pisca-pisca e suas abóboras. Ando precisando do barulho do silêncio, ou então, muitos abraços, alguns beijos e pelo menos um frasco de floral. E gostaria muito de contar ao Américo Pisca-pisca sobre a existência de uma fruta chamada jaca.
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
Non, je ne regrette rien
Fomos juntos na exposição de Clarice Lispector. Você disse que assim como ela só escreve quando quer, eu só faço o que quero. Concordei com a cabeça. Quando a mocinha do museu disse que eu não podia datilografar na máquina de Clarice, nem brincar de ser escritora e, sem precisar dizer nada, disse que as palavras de Clarice eram só de Clarice, nós trocamos olhares e sabíamos que pensávamos a mesma coisa: “Essa gente é mesmo muito chata”. Rimos muito, e veja só essa carta do Sabino, e aquela do Caio Fernando se dizendo fã, e Clarice foi uma mulher tão estranha, não me surpreende que seu mundo interno seja tão rico e seus poros transpareçam em cada vírgula, estejam ou não elas nos lugares certos. E chovia lá fora. E eu e você ríamos muito. Pensamos uma lista de coincidências, a começar por eu ler Sophie Calle ao mesmo tempo que você me mostrava um livro dela. E tudo bem que ela seja genial, mas um livro custar R$380 é mesmo um roubo. Eu também adoro o cabrito com arroz de brócolis e alho do Nova Capela e você não acreditou porque eu tenho cara de sushi de cinquenta reais. E conversamos sobre Turandot, Rimbaud, Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade, porque Vinicius, me dizia você. A pilha de bolachas da Brahma crescendo geometricamente no canto da mesa, o papelão meio molhado esfarelando, e as mãos se tocavam, e quando quase lá, um pouco de floral para disfarçar. E ríamos muito. Torcicolo, não, pleonasmo. E listávamos infinitos motivos ao quadrado para ficarmos de fato juntos, mas o único que aparentemente nos mantém separados pesa mais que todas as razões e acasos. “Not to kiss again, seems like pretending. We loved, we laugh, we cried. The story ends, but we’re just friends…” dizem as notas de Stan Getz & Chet Baker, naquela versão que eu tanto gosto e aposto que você também. E as risadas foram levadas a outros bares, e por horas a fio a beber, já tripulantes da embarcação ébria, a como você gosta tanto de dizer, Cazuzear. E eu te perguntei como era mesmo aquela palavra que você gosta tanto e que significa algo como rápido, passageiro. Efêmero, é isso mesmo. E rimos muito. E como disse o velho Braga naquela crônica: “E fomos tocando pela tarde e pela noite, de um lado e outro, como se estivéssemos procurando uma pessoa amiga, uma pessoa que procurávamos a tanto tempo e que já havíamos esquecido quem era mesmo. E não tinha importância. De repente me contaste coisas amargas. Eu mirei tua boca, teus olhos e tua testa com um profundo respeito”. E entrelaçamos as mãos, e os corpos, e alma repleta de floral. Os bolsos lotados de chicletes baratos, o cheiro de sândalo e aquele verso que o vendedor disse e que na hora soou tão lindo e surreal, mas que já esqueci. E rimos com a entrevista de Vinicius na Tv Cultura, a minha foto na sua cortiça, e eu quase sufoquei no casaco de lã, e pediu que eu tirasse a blusa. E eu não tirei. Já estava despida e você concordou que eu pareço mesmo andar por aí de canga, com a alma livre e aberta para quem quiser olhar. Eu fingi concordar, sem precisar dizer que eu ficava muito mais a vontade com você. E fugi. Fugi pela varanda assim que veio o raiar do dia, pulando poças d’água de chuva como se tivesse feito algo errado. “Non, je ne regrette rien”, já cantou Edith Piaf. Ou quase nada.
terça-feira, 26 de agosto de 2008
O Rio não é aqui
O cheiro da maresia não chega ao lado de lá. Você nunca sentiu o cheiro de sal? Nosso ar tem gosto de praia, tem vento de mar, textura de água gelada. Do lado de lá a brisa não chega. Tem carro demais. Tem gente demais, paisagem de menos. Do outro lado da cidade - ou será que o outro lado é aqui? - tem criança com saco de lixo preto na cabeça para se proteger do chuvisco. Tem carro tocando funk, tem churrasco em cada esquina, tem mulher de barriga de fora, homem sem camisa, mas não tem mar. Tem trânsito de kombi, pilha de pneu de fusca. Lá, aonde o cheiro não é de sal, o ar é meio marrom. Tem saco de lixo acumulando na esquina, tem mosca voando sob a panela, tem condução soltando fumaça. Tem água do filtro de barro no copo de requeijão. Muita gente carregando sacola de plástico, sorriso de dente amarelo, tinta descascada no muro; muita propaganda eleitoral. Lá, onde a rua faz mais barulho, tem muita loja de roupa de lycra por dez reais. Tem jogo do bicho, fila na loteria, muita gente bebendo cachaça no bar ao meio-dia. Em dias de sol, tem gente suada, tem ônibus lotado, tem muito chinelo pisando no asfalto. Lá, tem linha de trem, trânsito de ônibus, pamonha quentinha na esquina. Lá, é aonde a cidade é a cidade. Do lado de lá, não tem Cristo Redentor, nem chão de pedra portuguesa. Não tem garota de Ipanema, nem areia branca. Tem buraco na rua, tem cachorro magro meio sem pêlo. Lá, eles chamam o canal de valão, polícia é assunto proibido e ninguém pergunta: “será que são fogos?”. Lá, eles sabem que é tiro. Eles se acostumaram com o cheiro de esgoto, assim como nós com o cheiro de mar. Lá, onde as crianças brincam na poça, tem televisão ligada na hora do almoço, tem café meio frio na garrafa que não esquenta mais. Lá, aonde depois da novela é perigoso, é que eles se arrumam para vir para cá. De lá, demora para chegar no serviço, é muita gente saindo antes do sol raiar. Para vir para cá. Aqui eles ficam meio camuflados entre nós - coisa de costume, que nem o cheiro do mar. Nós não somos eles, lá. Aqui, a gente brinca de ser. Mas quando eu vou para lá, abro vidro da janela até em baixo. Ponho a cabeça para fora, cachorro sentindo o vento na cara. Criança de olhos arregalados conhecendo a cidade. O cheiro é ruim, o ar é espesso, tem gente demais me olhando passar. É que eu não sou de lá, não sou do Rio, não tenho lugar. Lá, eu só ponho a cabeça para dentro quando passo perto do Batalhão - o caveirão fica estacionado na calçada (eu tenho medo de fuzil, principalmente na mão de guarda). Quando a polícia olha para mim, eu mostro o crachá. Pedaço de plástico que me protege, passaporte para a vida real. Lá, quando eu faço perguntas, me sinto muito mais boba - não se pode dizer tudo, é mesmo melhor assim. Lá é aonde o Rio é carioca. Aqui, é parque de diversão para turista achar graça e a gente brincar de viver. Lá é que a coisa é séria.
sábado, 23 de agosto de 2008
"De tudo ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro", Fernando Sabino.
Minha mão cabe dentro da sua
Carne viva não cabe, aqui
Lateja, ainda.
Ter comprometimento com a palavra é saber medir a dimensão do impacto. De filosofia barata, já basta o resto do mundo. Exagerado, foi Cazuza. Cheio de amor inventado.
No fundo desta baía, o mundo é tão real que vira sonho
- Imagens dignas de Tim Walker.
Orelha é porta de serviço da alma
- Já que a da frente são os olhos.
Palavra no tímpano,
Onda, eco
do lado de dentro.
Pela entrada social,
só com a senha secreta
rodamoinho,
buraco negro,
infinito azul,
possibilidades
ao quadrado
escondidas.
Palavras sussurradas levam ao mesmo lugar,
sem tanta classe, mas chegam
e tocam e perdem-se
no universo sem fim
daqui.
O estômago impede,
ainda. Sentir, viver, pulsar
na veia. Pagar, para ver.
O caminho comum não tem mistério, mas
Pegar o desvio, estrada de terra batida, dá frio na espinha.
Se a sola toca o chão, o peso da rua entra.
Para flutuar, o segredo é o encaixe das mãos,
Pares perfeitos, protegem.
Sem o outro por perto,
A terra vira asfalto,
Cinza, queima, o pé.
Felicidade em pílula só serve para rastrear sentimentos - que los hay, los hay.
Paris é logo ali.
O céu é perto, quando se flutua
- dessa parte eu já contei o segredo
Se a sola toca a nuvem, o peso do mundo sai.
Mas agora foi.
Palavras cuspidas têm força de pedra.
Sem proteção, afundam no oceano.
Não me venha dizer-se submerso no mar, se ainda não aprendeu a respirar debaixo d’água. Não me venha falar sobre o melhor do ano, se um passo é o suficiente para que você o deixe partir. O resto do mundo faz nas coxas. Eu faço na veia. Tentei caminhar no raso, mas fui peixe fora d’água. Pertenço a águas profundas. E não me diga que gostas, se não fosse ao contrário, não me deixaria escapar por entre os dedos - da mão que encaixa perfeita na minha.
Lateja, ainda.
Ter comprometimento com a palavra é saber medir a dimensão do impacto. De filosofia barata, já basta o resto do mundo. Exagerado, foi Cazuza. Cheio de amor inventado.
No fundo desta baía, o mundo é tão real que vira sonho
- Imagens dignas de Tim Walker.
Orelha é porta de serviço da alma
- Já que a da frente são os olhos.
Palavra no tímpano,
Onda, eco
do lado de dentro.
Pela entrada social,
só com a senha secreta
rodamoinho,
buraco negro,
infinito azul,
possibilidades
ao quadrado
escondidas.
Palavras sussurradas levam ao mesmo lugar,
sem tanta classe, mas chegam
e tocam e perdem-se
no universo sem fim
daqui.
O estômago impede,
ainda. Sentir, viver, pulsar
na veia. Pagar, para ver.
O caminho comum não tem mistério, mas
Pegar o desvio, estrada de terra batida, dá frio na espinha.
Se a sola toca o chão, o peso da rua entra.
Para flutuar, o segredo é o encaixe das mãos,
Pares perfeitos, protegem.
Sem o outro por perto,
A terra vira asfalto,
Cinza, queima, o pé.
Felicidade em pílula só serve para rastrear sentimentos - que los hay, los hay.
Paris é logo ali.
O céu é perto, quando se flutua
- dessa parte eu já contei o segredo
Se a sola toca a nuvem, o peso do mundo sai.
Mas agora foi.
Palavras cuspidas têm força de pedra.
Sem proteção, afundam no oceano.
Não me venha dizer-se submerso no mar, se ainda não aprendeu a respirar debaixo d’água. Não me venha falar sobre o melhor do ano, se um passo é o suficiente para que você o deixe partir. O resto do mundo faz nas coxas. Eu faço na veia. Tentei caminhar no raso, mas fui peixe fora d’água. Pertenço a águas profundas. E não me diga que gostas, se não fosse ao contrário, não me deixaria escapar por entre os dedos - da mão que encaixa perfeita na minha.
terça-feira, 19 de agosto de 2008
Dessas coisas que a gente diz - ou, parece mesmo um filme
Em 5 de julho de 1982, às 22:07:34, um pernilongo, capaz de bater as asas 40.743 vezes por minuto, é morto entre as palmas da mão de um senhor gordo alérgico ao tipo. No mesmo segundo, num café à beira mar carioca, guardanapos de papel voam levados pelo vento sudoeste fazendo com que o garçom em sua gravata borboleta corra para recolhê-los na calçada de pedras portuguesas. Nesse instante, no primeiro andar do número 50 da Avenida Vieira Souto, em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro, Myriam Cabral deixa escorregar de suas mãos um copo de cristal ainda com restos de cabernet-sauvignon no tapete persa e pela primeira vez desde que conheceu seu marido, há 30 anos, solta um palavrão. Ainda neste mesmo segundo, um espermatozóide de cromossomo X, pertencente ao Sr. Alexandre de Albuquerque destacou-se do pelotão e alcançou um óvulo pertecente à Sra. Albuquerque, em solteira, Thereza. Precisamente nove meses depois, num rápido contrair de diafragma o primeiro sopro de vida alcançaria os meus pulmões, fazendo pela primeira vez o meu coração sair de seu ritmo contínuo, ao mesmo tempo que as primeiras lágrimas escorrem pelo rosto branco, ainda sem as marcas que um dia teria. Tudo isso para que muito tempo depois, palavras como as que seguem fossem trocadas:
- Nós devemos ter sido irmãos na outra vida. Ou amantes, sei lá.
- Melhor do que termos nos conhecido em outras vidas, é nos conhecermos nesta.
***
- Ou você escreve cada vez melhor, ou sou eu que te leio cada vez mais perto.
- A coisa é mais pra frente.
***
- Adoro quando estou nas suas palavras
- Uso tudo o que tenho
***
- Eu e você é diferente. É dessa vida, é de outra vida. Sei ser amiga, mas não sei se consigo ser só isso. Ainda vamos descobrir o caminho, com certeza será o melhor, no mínimo amigo. Desculpa essa confusão toda…
- Que confusão que nada, estamos na vida para se encontrar e se perder. Não necessariamente nesta ordem.
- Desculpa.
- Mas nunca mais faz isso, tá?
- Nunca mais, nunca mais…
- Nós devemos ter sido irmãos na outra vida. Ou amantes, sei lá.
- Melhor do que termos nos conhecido em outras vidas, é nos conhecermos nesta.
***
- Ou você escreve cada vez melhor, ou sou eu que te leio cada vez mais perto.
- A coisa é mais pra frente.
***
- Adoro quando estou nas suas palavras
- Uso tudo o que tenho
***
- Eu e você é diferente. É dessa vida, é de outra vida. Sei ser amiga, mas não sei se consigo ser só isso. Ainda vamos descobrir o caminho, com certeza será o melhor, no mínimo amigo. Desculpa essa confusão toda…
- Que confusão que nada, estamos na vida para se encontrar e se perder. Não necessariamente nesta ordem.
- Desculpa.
- Mas nunca mais faz isso, tá?
- Nunca mais, nunca mais…
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
Tenho apenas duas mãos e todas as histórias do mundo, como o poeta
Comecei a ler enquanto fazia as unhas. Sexta-feira é dia de manicure às 9hs. O nome da manicure nova é Rosi – a antiga, a Lú não agüentou a angústia de ficar olhando pela janela a espera do ônibus que o amante dirige e fugiu com os três filhos debaixo do braço para uma cidadezinha do Norte, tão no interior que eu nem sei o nome. Não agüentou, coitada. Também o coração quase pulava pela boca, o meu também. Toda vez que o ônibus passava ela desconcentrava e quase arrancava um bife do meu dedão. Diz a Rosi (é assim com i mesmo) que a Lu foi morar numa casinha nos fundos do terreno da sogra. Deve ter sido culpa, pobrezinha, o que não se agüenta por culpa...
Voltando, comecei a ler e agora estou tão absorta nas cartas trocadas por Fernando Sabino e Clarice Lispector que não consigo parar e estou mesmo ficando atrasada para o trabalho. Eu já vou, eu já vou. As cartas me deram saudades. De que? E por acaso é preciso motivo ou objeto para sentir saudades? A minha vó me contou que quando era novinha tinha aulas com o Aurélio – aquele do dicionário. Um dia o Aurélio disse para a Tônia Carrero (eu sei, essa frase é mesmo surreal). A Tônia e a minha vó eram da mesma turma. O Aurélio disse: “Tônia, você vai ser atriz”. E ela é. Aí o Aurélio disse para uma outra colega de sala da minha vó, (ela não lembrava o nome e “colega” é mesmo o tipo de palavra de vó). O Aurélio disse: “menina, você vai ser famosa”. E a moça é. (A minha vó não sabe o nome, só sabe que é gente muito famosa). Aí um dia, para surpresa da minha vó, o Aurélio chegou para ela e disse: “Marisa, você vai ser escritora”. E a minha vó não é, quer dizer, pelo menos diz que não. Escreve num caderninho coisas que fazem os meus olhos encherem de lágrimas, me escreve cartas de doer o coração, mas diz que não é escritora. Quando me contou essa história, a minha vó disse: “Se eu pudesse voltava no tempo só para dizer para o Aurélio que eu não sou escritora, mas a minha neta é”. “Aí que o sr. Dicionárioráculo ia ver só uma coisa né, vó?”, eu respondi, só para deixá-la continuar achando que eu sou qualquer coisa. É bom que as pessoas tenham com o que sonhar, mesmo que seja através dos outros. Por exemplo, a mãe da minha vó, a minha bisavó, é portuguesa e está com Alzaimer. Passa o dia cantarolando músicas lusitanas do século retrasado, literalmente – ela tem 98 anos. A minha vó estava contando a história do Aurélio, aí eu olhei para a bisa e achei ela com cara de sede. Sabe cara de sede? Se não sabe, nunca deve ter visto alguém com cara de sede. Mas a minha bisa estava sedenta (que feia essa palavra, sedenta é muito pior que faminta). Aí eu disse: “Vó, a bisa não bebe água não?”. E a Bisa disse, como se estivesse lúcida e atenta à conversa: “Eu quero água sim”. Nem sei agora porque conto essa história, já perdi o fio da meada há muito tempo.
Bom, estava lendo as cartas e achei que o livro fosse meu. Não o texto, o livro mesmo. Já tinha derrubado um espirro de café na página 67, já ia escrever na bordinha da 68 um comentário, quando lembrei que o livro é emprestado. Sentiu a frustração? É por isso que eu não gosto de pegar livro emprestado. Aí começou a tocar a música do Tim Maia enquanto a Rosi tirava a cutícula. “Não sei porque você se foi, tantas saudades eu senti...” E tudo ganhou um ar de despedida e de cartas entre Clarice e Fernando. Eu cantei, impossível não cantar. “Cantar faz o dia mais feliz”, disse a Rosi. A Rosi é negra e linda. Mãe de gêmeas e um menino. Quando o mês é bom, ela ganha mil reais. Trabalha de 9 às 8, mora longe, volta de trem. Pelo menos, na sexta-feira, volta no horário do samba. Me chamou para ir com ela. Disse para eu falar com o meu chefe, que ela aposta que se ele deixa eu escrever sobre o pessoal do samba do trem. Eu disse para ela não insistir que eu vou, e aí corro o risco de gostar e quem sabe nunca mais voltar. (Eu sempre corro esse risco) Aí ela disse: “ E tu sabe lá sambá?” “ Rosi, já viu branquela sardenta que nem eu saber sambar?” “Já vou deixar lá avisado, que é para se eles verem uma branquela com cara de princesa não acharem estranho”. (Por que as pessoas tem a mania de me chamar de princesa? Pelo menos é melhor que o Alex, da cantina, que me chama de Branca de Neve....)
Vou dar de presente para a Rosi a minha faixa de colocar no cabelo. É laranja cor de uniforme de gari, vai ficar lindo na pele negra. Também, depois que ela me mostrou como faz o cabelo ficar para cima daquele jeito, o meu cabelo meio ondulado virou liso e perdeu a graça por completo. Quero um cabelo pixaim. Quero ir dançar no samba. Quero pele dura e sem marca. Ando obcecada com uma figura da Kara Walker. É genial. Uma mulher de época fazendo uma bola de chiclete, que na época deveria se chamar goma de mascar, se quer que o treco existia na época da moça de época. Há maior figura revolucionária que uma senhorita de época mascando goma? Chê Guevara, coitado, perde de longe. Melhor ele ficar pro lado de lá das Américas mesmo que quem manda aqui são os americanos.... Pois é, acredite, Kara Walker é negra, americana e feminista. Quem me contou foi a Analu, e como ela sabe tudo de artes, eu é que não discuto. A Analu disse que eu precisava ver a exposição da Kara no Drawing Center, em NY, mas eu não precisava nada, porque se visse, ia levar tudo comigo. Aí eu fugiria para Angola. Quando estudei em Londres conheci uma menina de Angola. Ela parecia brasileira, era negra e falava português. Eles falam português na Angola. Não deve ser difícil arrumar um emprego de escrever lá. Mentira. Sempre é difícil arrumar um emprego de escrever.
Não sei mais escrever a mão e a minha tendinite do pulso dói. Estou atrasada para o trabalho e poderia continuar aqui escrevendo muito mais. Mas há outras coisas mais burocráticas a serem escritas. A matéria dessa semana.... depois eu conto.
Tchau, Salut.
Obs. Não escrevi no livro, usei um caderno. Fiquei com pena, mas continuo gostando de escrever nas bordas dos livros. Da próxima vez que tiver vontade, não estou nem aí, vou escrever e não devolvo mais o livro.
***
Fechei o caderno, o livro, guardei a caneta. Coloquei os óculos. Caminhei em direção ao carro. Devo ter sonhado que escrevia, porque desde que abri os olhos essa manhã, todos os meus pensamentos vem em forma de frases. Fui caminhando pela calçada e o texto se formando. O aperto no peito veio com o medo de perder as palavras. Apertei o passo. Tentei alcançar a velocidade dos pensamentos. Fui tirando da bolsa o caderno, a caneta. Encostei no pitoco, gelo-baiano, chame como quiser esse pedaço de cimento que atravanca as calçadas de Ipanema. Escrevi, escrevo, essas palavras. Quem passa por aqui deve achar que sou louca, imaginar que escrevo uma carta urgente (ainda escreve-se cartas urgentes?), um bilhete suicida (esses escreve-se aos montes), bilhete de amor desesperado (preciso de ti agora). Não deixam de ser palavras urgentes. A urgência das palavras é sempre irremediável. Não sei mais escrever à mão. Não tenho... não tenho... como é mesmo a palavra? Coordenação motora. Não tenho coordenação motora para acompanhar a fluidez de pensamentos. E a tendinite dói. Maldito computador, ou será que a culpa é da cadeira? Voltamos a culpa, veja só. O que importa é o fato. O fato é que me dói o antebraço direito. Serei eu capaz de entender esses garranchos escritos a sombra da amendoeira no encosto do gelo baiano? Acho que agora já consigo dirigir. Estou atrasada, afinal.
So long, farewell.
***
Sentei no carro. Não consigo parar. E agora José? Como chegarei à redação? José, você percebeu que esses pombos de Ipanema não tem mais medo de gente? Um deles quase posou na minha cabeça enquanto eu procurava a chave do carro. Algumas páginas daquele livro que não é meu amassaram, tomara que o Pedro, dono do livro, não perceba. Ainda não abri os vidros do carro. As lentes dos óculos escuros embaçaram. Aqui dentro está muito quente. É começo da primavera e lá fora está fresquinho. Os sabiás já estão fazendo ninho na palmeira da janela do meu quarto. “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”. Eu juro que tem. A minha terra é minha janela. Mas eu já estou suando. Vou abrir os vidros. Chega. Eu vou.
À labuta, amém.
Voltando, comecei a ler e agora estou tão absorta nas cartas trocadas por Fernando Sabino e Clarice Lispector que não consigo parar e estou mesmo ficando atrasada para o trabalho. Eu já vou, eu já vou. As cartas me deram saudades. De que? E por acaso é preciso motivo ou objeto para sentir saudades? A minha vó me contou que quando era novinha tinha aulas com o Aurélio – aquele do dicionário. Um dia o Aurélio disse para a Tônia Carrero (eu sei, essa frase é mesmo surreal). A Tônia e a minha vó eram da mesma turma. O Aurélio disse: “Tônia, você vai ser atriz”. E ela é. Aí o Aurélio disse para uma outra colega de sala da minha vó, (ela não lembrava o nome e “colega” é mesmo o tipo de palavra de vó). O Aurélio disse: “menina, você vai ser famosa”. E a moça é. (A minha vó não sabe o nome, só sabe que é gente muito famosa). Aí um dia, para surpresa da minha vó, o Aurélio chegou para ela e disse: “Marisa, você vai ser escritora”. E a minha vó não é, quer dizer, pelo menos diz que não. Escreve num caderninho coisas que fazem os meus olhos encherem de lágrimas, me escreve cartas de doer o coração, mas diz que não é escritora. Quando me contou essa história, a minha vó disse: “Se eu pudesse voltava no tempo só para dizer para o Aurélio que eu não sou escritora, mas a minha neta é”. “Aí que o sr. Dicionárioráculo ia ver só uma coisa né, vó?”, eu respondi, só para deixá-la continuar achando que eu sou qualquer coisa. É bom que as pessoas tenham com o que sonhar, mesmo que seja através dos outros. Por exemplo, a mãe da minha vó, a minha bisavó, é portuguesa e está com Alzaimer. Passa o dia cantarolando músicas lusitanas do século retrasado, literalmente – ela tem 98 anos. A minha vó estava contando a história do Aurélio, aí eu olhei para a bisa e achei ela com cara de sede. Sabe cara de sede? Se não sabe, nunca deve ter visto alguém com cara de sede. Mas a minha bisa estava sedenta (que feia essa palavra, sedenta é muito pior que faminta). Aí eu disse: “Vó, a bisa não bebe água não?”. E a Bisa disse, como se estivesse lúcida e atenta à conversa: “Eu quero água sim”. Nem sei agora porque conto essa história, já perdi o fio da meada há muito tempo.
Bom, estava lendo as cartas e achei que o livro fosse meu. Não o texto, o livro mesmo. Já tinha derrubado um espirro de café na página 67, já ia escrever na bordinha da 68 um comentário, quando lembrei que o livro é emprestado. Sentiu a frustração? É por isso que eu não gosto de pegar livro emprestado. Aí começou a tocar a música do Tim Maia enquanto a Rosi tirava a cutícula. “Não sei porque você se foi, tantas saudades eu senti...” E tudo ganhou um ar de despedida e de cartas entre Clarice e Fernando. Eu cantei, impossível não cantar. “Cantar faz o dia mais feliz”, disse a Rosi. A Rosi é negra e linda. Mãe de gêmeas e um menino. Quando o mês é bom, ela ganha mil reais. Trabalha de 9 às 8, mora longe, volta de trem. Pelo menos, na sexta-feira, volta no horário do samba. Me chamou para ir com ela. Disse para eu falar com o meu chefe, que ela aposta que se ele deixa eu escrever sobre o pessoal do samba do trem. Eu disse para ela não insistir que eu vou, e aí corro o risco de gostar e quem sabe nunca mais voltar. (Eu sempre corro esse risco) Aí ela disse: “ E tu sabe lá sambá?” “ Rosi, já viu branquela sardenta que nem eu saber sambar?” “Já vou deixar lá avisado, que é para se eles verem uma branquela com cara de princesa não acharem estranho”. (Por que as pessoas tem a mania de me chamar de princesa? Pelo menos é melhor que o Alex, da cantina, que me chama de Branca de Neve....)
Vou dar de presente para a Rosi a minha faixa de colocar no cabelo. É laranja cor de uniforme de gari, vai ficar lindo na pele negra. Também, depois que ela me mostrou como faz o cabelo ficar para cima daquele jeito, o meu cabelo meio ondulado virou liso e perdeu a graça por completo. Quero um cabelo pixaim. Quero ir dançar no samba. Quero pele dura e sem marca. Ando obcecada com uma figura da Kara Walker. É genial. Uma mulher de época fazendo uma bola de chiclete, que na época deveria se chamar goma de mascar, se quer que o treco existia na época da moça de época. Há maior figura revolucionária que uma senhorita de época mascando goma? Chê Guevara, coitado, perde de longe. Melhor ele ficar pro lado de lá das Américas mesmo que quem manda aqui são os americanos.... Pois é, acredite, Kara Walker é negra, americana e feminista. Quem me contou foi a Analu, e como ela sabe tudo de artes, eu é que não discuto. A Analu disse que eu precisava ver a exposição da Kara no Drawing Center, em NY, mas eu não precisava nada, porque se visse, ia levar tudo comigo. Aí eu fugiria para Angola. Quando estudei em Londres conheci uma menina de Angola. Ela parecia brasileira, era negra e falava português. Eles falam português na Angola. Não deve ser difícil arrumar um emprego de escrever lá. Mentira. Sempre é difícil arrumar um emprego de escrever.
Não sei mais escrever a mão e a minha tendinite do pulso dói. Estou atrasada para o trabalho e poderia continuar aqui escrevendo muito mais. Mas há outras coisas mais burocráticas a serem escritas. A matéria dessa semana.... depois eu conto.
Tchau, Salut.
Obs. Não escrevi no livro, usei um caderno. Fiquei com pena, mas continuo gostando de escrever nas bordas dos livros. Da próxima vez que tiver vontade, não estou nem aí, vou escrever e não devolvo mais o livro.
***
Fechei o caderno, o livro, guardei a caneta. Coloquei os óculos. Caminhei em direção ao carro. Devo ter sonhado que escrevia, porque desde que abri os olhos essa manhã, todos os meus pensamentos vem em forma de frases. Fui caminhando pela calçada e o texto se formando. O aperto no peito veio com o medo de perder as palavras. Apertei o passo. Tentei alcançar a velocidade dos pensamentos. Fui tirando da bolsa o caderno, a caneta. Encostei no pitoco, gelo-baiano, chame como quiser esse pedaço de cimento que atravanca as calçadas de Ipanema. Escrevi, escrevo, essas palavras. Quem passa por aqui deve achar que sou louca, imaginar que escrevo uma carta urgente (ainda escreve-se cartas urgentes?), um bilhete suicida (esses escreve-se aos montes), bilhete de amor desesperado (preciso de ti agora). Não deixam de ser palavras urgentes. A urgência das palavras é sempre irremediável. Não sei mais escrever à mão. Não tenho... não tenho... como é mesmo a palavra? Coordenação motora. Não tenho coordenação motora para acompanhar a fluidez de pensamentos. E a tendinite dói. Maldito computador, ou será que a culpa é da cadeira? Voltamos a culpa, veja só. O que importa é o fato. O fato é que me dói o antebraço direito. Serei eu capaz de entender esses garranchos escritos a sombra da amendoeira no encosto do gelo baiano? Acho que agora já consigo dirigir. Estou atrasada, afinal.
So long, farewell.
***
Sentei no carro. Não consigo parar. E agora José? Como chegarei à redação? José, você percebeu que esses pombos de Ipanema não tem mais medo de gente? Um deles quase posou na minha cabeça enquanto eu procurava a chave do carro. Algumas páginas daquele livro que não é meu amassaram, tomara que o Pedro, dono do livro, não perceba. Ainda não abri os vidros do carro. As lentes dos óculos escuros embaçaram. Aqui dentro está muito quente. É começo da primavera e lá fora está fresquinho. Os sabiás já estão fazendo ninho na palmeira da janela do meu quarto. “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”. Eu juro que tem. A minha terra é minha janela. Mas eu já estou suando. Vou abrir os vidros. Chega. Eu vou.
À labuta, amém.
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
Se eu pedir, você vem?
O que aconteceu com a noite, que o dia já apagou? Para onde correram as horas, que o meu corpo não sentiu o cansaço de tantos dedos no teclado, seguidos por palavras pintando de preto o fundo branco da tela? Por que continuo dizendo que hoje é hoje, se hoje já é amanhã? O que deu em mim que eu não pedi o abraço? Será que os meus olhos ardem de tanto tempo sem fechar, ou será que dói atrás do globo ocular porque eles não aguentam nem piscar? O que é mais viciante, a escrita ou a leitura? Para onde foi a paciência de ver televisão? Mesmo estando aqui escondida, só me vê mesmo quem eu quero? Não é meio misterioso que eu me sinta tão invisível? Mas por que não me enxergou se eu olhei dentro dos olhos? Será que os meus olhos estavam muito profundos? Ou era a minha parte de dentro mesmo? A noite de anteontem não acaba nunca mais? Ninguém vai me achar no meu esconderijo? O que acontece se a gente fugir do trabalho? Por que quando eu comecei a escrever eram dez horas da noite, aí já eram duas e meia? Aonde já se viu amanhecer às duas e meia? Será que o tempo mudou de lugar? Ou foi o espaço que quebrou? São seis e meia? Como pode o dia começar se eu ainda nem fechei os olhos? Como eu vim parar aqui no trabalho de novo? Se eu pedir você vem comigo? Nem se tiver calça de moletom, coberta acolchoada e escurinho? Porque os livros não tem luz própria como o computador? Ou será que é o contrário? E se alguém pegar a minha chave? Aquela é mesmo a porta do meu esconderijo? Você não sabe como abrir? O que é mais triste, não saber ou não conseguir? Por que você não confia? É por que pensa demais? Ou por que eu pergunto muito? Por que isso parece tudo muito bobo? Posso pedir aquele abraço agora?
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
… em período agudo de precisar receber e não escrever…. Muita informação entrando ao mesmo tempo leva tempo para digerir… Ando dando voltas com Rubem Braga, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Inês Pedrosa e Sérgio Vieira de Mello… E as reportagens burocráticas - que tanto me agregam em experiência de mundo - estão sempre lá… Alguma hora as coisas todas se assentam aqui dentro…
Do lado de dentro
Essas coisas, tão próprias em mim, soam em outro tom ao alcançarem seus ouvidos, que é mesmo muito natural preferir ficar calada. Talvez um dia você consiga dimensionar o tamanho desse buraco negro que há aqui dentro - espaço infinito no qual me perco constantemente. Os olhos são a porta para alcançar a alma, já dizia o outro. Ou a janela. Isso, os olhos são as janelas da alma. Dá no mesmo. Ter o mapa para conseguir por aqui se nortear se torna impossível quando fico certa de que a realidade é saber controlar a loucura. Mas só quando fico certa. Mudo muito de idéia e isso torna mais difícil achar a saída. Ou não. Pode ser que não haja de fato uma saída. E isso tudo agora só me fez perceber que talvez não haja mesmo porque voltar-se para a fora, já que ser só mais um louco na multidão insana é preguiça. Ser inteiro é compreender-se único e aceitar. Conviver com a solidão é a melhor forma de apreender a partilhar o próprio mundo. Do lado de dentro, do lado de lá do espelho, os caminhos se tocam insensatamente. E talvez, justamente por isso, escrever agora seja tão difícil. Organizar do lado de fora o centro do universo perdido do lado de dentro. Preciso ainda processar. Os convites. Os trabalhos. Fazer uma lista. Contar uma história é ter deixado para trás. Ver de fora. De perto tudo fica fosco. Estou muito perto agora. Imersa no buraco de dentro. Letras de música me confundem. Frase feitas se misturam com pensamentos em construção. São muitos livros ao mesmo tempo. Muita coisa mecânica sendo produzida. O medo iminente do perigo de virar máquina encerra por aqui a produção de algo inconstante. O lado de dentro não tem forma. Mas espirra matérias, filmes, livros que nada condizem entre si. Em comum só que são meus. Reflexo da multiplicidade interna. Essa que você não consegue ver. Essa que é impossível dividir, ao menos que você queria muito tocar. Dar uma espiada pela janela. Quem sabe bater na porta. Do lado de dentro é escuro, mas só porque ainda não acendi a luz. Eu prometo que é mágico. Que é meu. Vem. Bate. Olha. Encosta o ouvido aqui no meu peito e escuta o vácuo que gira com força. Tem energia aqui. Sensações e intuições que pedem abrigo. A mim.
sábado, 2 de agosto de 2008
É assim....
"Procuro dizer o que sinto Sem pensar em que o sinto. Procuro encostar as palavras à idéia. E não precisar dum corredor Do pensamento para as palavras Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir (...) E assim escrevo, querendo sentir a natureza, nem sequer como um homem, mas como quem sente a natureza e mais nada." Fernando Pessoa em "O Eu profundo e os outros eus".
Despedida
Dear,
Eu não fui. Não foi por falta de carinho, ou amizade. Eu não fui porque não sei. Não sei me despedir, dizer tchau, deixar para trás o tempo. O tempo e suas consequências; que passam. Desculpas. Eu não fui. Eu fujo. Sou brava para tanto, mas me escondo na hora de dizer adeus. Invento desculpas para mim mesma. O choro depois da análise, o cansaço depois do dia de trabalho, a fome depois de tanto tempo sem comer, o não gostar do túnel à noite, o medo de me perder pelo caminho. Sou fraca nessas horas. Nos momentos do abraço, no segundo que separam os corpos, na hora da despedida. Não sei me despedir, por isso que não fui. Não sei comemorar com sorrisos, com cerveja, com amigos, o adeus. O tempo que passou. Tão depressa, o tempo passa. Eu não fui. Não foi por falta de alegria por ti, não foi por falta de esperança, nem por pouca amizade. Não fui porque não sei ir. Como te disse outro dia, cada um tem o seu jeito de dizer que se importa. Cada um tem uma maneira de pedir desculpas. Este o meu jeito de dizer adeus. Este é o meu abraço de boa sorte. Esta é a minha certeza de que estarei aqui para quando precisar. Seja o quando, quando for. Foi um prazer dividir tantas risadas, ouvir tantas histórias, confessar tantos olhares.
Aproveite uns barbudinhos por mim.
Sucesso,
Anna.
Eu não fui. Não foi por falta de carinho, ou amizade. Eu não fui porque não sei. Não sei me despedir, dizer tchau, deixar para trás o tempo. O tempo e suas consequências; que passam. Desculpas. Eu não fui. Eu fujo. Sou brava para tanto, mas me escondo na hora de dizer adeus. Invento desculpas para mim mesma. O choro depois da análise, o cansaço depois do dia de trabalho, a fome depois de tanto tempo sem comer, o não gostar do túnel à noite, o medo de me perder pelo caminho. Sou fraca nessas horas. Nos momentos do abraço, no segundo que separam os corpos, na hora da despedida. Não sei me despedir, por isso que não fui. Não sei comemorar com sorrisos, com cerveja, com amigos, o adeus. O tempo que passou. Tão depressa, o tempo passa. Eu não fui. Não foi por falta de alegria por ti, não foi por falta de esperança, nem por pouca amizade. Não fui porque não sei ir. Como te disse outro dia, cada um tem o seu jeito de dizer que se importa. Cada um tem uma maneira de pedir desculpas. Este o meu jeito de dizer adeus. Este é o meu abraço de boa sorte. Esta é a minha certeza de que estarei aqui para quando precisar. Seja o quando, quando for. Foi um prazer dividir tantas risadas, ouvir tantas histórias, confessar tantos olhares.
Aproveite uns barbudinhos por mim.
Sucesso,
Anna.
Respirar
Eu vi. Lá.
Eu vi. Te.
Assim. Eu vi.
Tudo. Lá.
Pedaços.
Palavras soltas na página branca.
Antes do tempo.
Antes do resto. Me ensinar. A ser.
Eu vi.
Antes do resto.
Eu te.
Assim.
Tudo.
Sempre.
Lá.
Sempre. Lá.
Eu vi,
O filme Palavras do ator principal O franzir das sobrancelhas Sorriso tímido Que desconserta Cabelo liso Que dá nó O tom das letras Na mensagem de texto Embaraçam Você em mim Até confundir Como o ar As letras Do texto Tem Tom Som Teu Tento Tanto Tudo Lá A respiração não deixa, Tudo Lá O som Não Me deixa dormir O ar que sai de você já passou Por mim Dentro No meu Peito Compartilhar O ser Antes de tudo Compartilhar O ar.
Depois de ti.
No espaço do segundo que separa os corpos.
Que determina as vidas.
No ar.
As palavras soltas não deixam. O sopro de ar entre as letras.
Afastadas. Letras afastadas.
O sopro de ar. Empurra.
Como as letras. Eu tento. Tanto.
Ter fôlego. Para. Voar. No ar.
Me Libertar. Do espaço. Que me afasta de você.
Eu vi. Te.
Assim. Eu vi.
Tudo. Lá.
Pedaços.
Palavras soltas na página branca.
Antes do tempo.
Antes do resto. Me ensinar. A ser.
Eu vi.
Antes do resto.
Eu te.
Assim.
Tudo.
Sempre.
Lá.
Sempre. Lá.
Eu vi,
O filme Palavras do ator principal O franzir das sobrancelhas Sorriso tímido Que desconserta Cabelo liso Que dá nó O tom das letras Na mensagem de texto Embaraçam Você em mim Até confundir Como o ar As letras Do texto Tem Tom Som Teu Tento Tanto Tudo Lá A respiração não deixa, Tudo Lá O som Não Me deixa dormir O ar que sai de você já passou Por mim Dentro No meu Peito Compartilhar O ser Antes de tudo Compartilhar O ar.
Depois de ti.
No espaço do segundo que separa os corpos.
Que determina as vidas.
No ar.
As palavras soltas não deixam. O sopro de ar entre as letras.
Afastadas. Letras afastadas.
O sopro de ar. Empurra.
Como as letras. Eu tento. Tanto.
Ter fôlego. Para. Voar. No ar.
Me Libertar. Do espaço. Que me afasta de você.
domingo, 27 de julho de 2008
Eu também sei
Acordei na manhã de sábado em Copacabana. Na manhã de sábado , em Copacabana, já tem gente no boteco. Já tem homem levando o cachorro para passear, porteiro conversando na calçada, eu saindo do prédio andando meio torta com cara de ontem. Eu tentando equilibrar o salto alto no chão de pedras portugueses. Malditos portugueses que inventaram esse chão que eu preciso me equilibrar às 7h30 da manhã do sábado nublado. (Depois fez sol, mas às 7h30 o dia estava nublado). Um caminhão da Fábrica da Felicidade - imagino que seja algum tipo de Baú da Felicidade - está estacionado na esquina. Mas eu ando mais um quarteirão, não quero pegar o táxi na cara dos porteiros que conversam na calçada. Tenho vergonha de pegar um táxi às 7h30 da manhã em Copa com a roupa de ontem. Esqueço que é dia, e digo boa noite, quer dizer, bom dia. Os porteiros me olham passar, os homens do boteco me olham passar, o cara dentro do carro parado no sinal me olha esperar. O taxista me olha como quem diz: “Eu sei o que você fez ontem à noite”.
XXXX
Eu vivo para escrever o que vivi. O meu maior medo é o coração parar de tanto bater. Causa mortis: vida.
O olhar que congela a alma e põe silêncio onde antes havia palavras entrou pelos meus olhos. Causa mortis: olhos nos olhos, quero ver o que você faz.
XXXX
Eu vivo para escrever o que vivi. O meu maior medo é o coração parar de tanto bater. Causa mortis: vida.
O olhar que congela a alma e põe silêncio onde antes havia palavras entrou pelos meus olhos. Causa mortis: olhos nos olhos, quero ver o que você faz.
El portunhol selvagem
Domador de Jacaré olhou nos olhos do Céu de Maracujá e disse: “El sentido normal de las palabras no le hace bien al poema”
Na fronteira entre Brasil, Bolívia e Paraguai, 11 mil pessoas falam uma língua que mais parece um poema: El Portunhol Selvagem. Mistura de português, espanhol e guarani, o novo idioma pode ser considerado o mais democrático da América do Sul. Cada pessoa fala, escreve e pensa seu próprio portunhol. Segundo reportagem no caderno Idéias, no JB, até o poeta Manoel de Barros enviou à comunidade uma carta de próprio punho autorizando a transposição de toda sua obra para o idioma. A Mariana Filgueiras, repórter que escreveu o texto, grande companheira de risadas na redação e minha gêmea astrológica - ela também é peixes com escorpião e lua em sagitário - esteve pessoalmente em San Bernardino, a 35 quilômetros de Assunção, para acompanhar o evento chamado Kapital Mundial de la Ficción, uma reunião de gente que escreve e traduz el portunhol selvagem. A Mari me trouxe de presente histórias contadas com o brilho nos olhos de quem viu de perto um movimento que quem vive aqui nem sonha, causos de gente cuja o nome significa “céu de maracujá” e “domador de jacaré”, frases de um idioma onde a palavra preguiça não está no vocabulário. Em portunhol selvagem preguiça equivaleria a “vento do outono”, um vento morno que sopra devagar. Mas a Mari me trouxe também um livro em cartonera - “Tapa hecha com cartón comprado en la via pública de Asunción (Paraguay) a G$ 1000 el kilo y pintada a mano por El Domador de Yakarés nel Outono del 2008 nel taller de Yiyi Yambo” - do escritor paraguaio Edgar Pou. O título é Pombero Tamaguxi. Segue o poema “Tesarai“:
Fueras tú la que espera
Al final de la cuerva del beso del ácido
Traspasados los pechos por una sed furibunda
Estallara la asfixia retórica que precede al grito
La luna lavada de silencio si fuera noche
La humareda de smog si fuera día
Non se trata de agorafobia
Soledad uñas fiebre
Horizonte palideciendo
Nightmares
Al encuentro de algo como encerrado
(un niño que no puedes ver)
O una mordida fulmínea en un puño
Donde patalea una sonriza
Y la tarde envenenara la doble avenida del antes y el
después
Y la tarde olvidara cerrar los ojos inútiles de las flores
La tarde para morir sin que te arranquen tu secreto
No sé de que trata la película
Y
Aunque no fueras tú la que espera
Al final deal zarpaso amniótico del sueño
Acurrucada en la luz de mil dientes de léon sin soplar
Te encontraré y solo ahí sabremos
Para que te he buscado tanto Sharón Tate…
Na fronteira entre Brasil, Bolívia e Paraguai, 11 mil pessoas falam uma língua que mais parece um poema: El Portunhol Selvagem. Mistura de português, espanhol e guarani, o novo idioma pode ser considerado o mais democrático da América do Sul. Cada pessoa fala, escreve e pensa seu próprio portunhol. Segundo reportagem no caderno Idéias, no JB, até o poeta Manoel de Barros enviou à comunidade uma carta de próprio punho autorizando a transposição de toda sua obra para o idioma. A Mariana Filgueiras, repórter que escreveu o texto, grande companheira de risadas na redação e minha gêmea astrológica - ela também é peixes com escorpião e lua em sagitário - esteve pessoalmente em San Bernardino, a 35 quilômetros de Assunção, para acompanhar o evento chamado Kapital Mundial de la Ficción, uma reunião de gente que escreve e traduz el portunhol selvagem. A Mari me trouxe de presente histórias contadas com o brilho nos olhos de quem viu de perto um movimento que quem vive aqui nem sonha, causos de gente cuja o nome significa “céu de maracujá” e “domador de jacaré”, frases de um idioma onde a palavra preguiça não está no vocabulário. Em portunhol selvagem preguiça equivaleria a “vento do outono”, um vento morno que sopra devagar. Mas a Mari me trouxe também um livro em cartonera - “Tapa hecha com cartón comprado en la via pública de Asunción (Paraguay) a G$ 1000 el kilo y pintada a mano por El Domador de Yakarés nel Outono del 2008 nel taller de Yiyi Yambo” - do escritor paraguaio Edgar Pou. O título é Pombero Tamaguxi. Segue o poema “Tesarai“:
Fueras tú la que espera
Al final de la cuerva del beso del ácido
Traspasados los pechos por una sed furibunda
Estallara la asfixia retórica que precede al grito
La luna lavada de silencio si fuera noche
La humareda de smog si fuera día
Non se trata de agorafobia
Soledad uñas fiebre
Horizonte palideciendo
Nightmares
Al encuentro de algo como encerrado
(un niño que no puedes ver)
O una mordida fulmínea en un puño
Donde patalea una sonriza
Y la tarde envenenara la doble avenida del antes y el
después
Y la tarde olvidara cerrar los ojos inútiles de las flores
La tarde para morir sin que te arranquen tu secreto
No sé de que trata la película
Y
Aunque no fueras tú la que espera
Al final deal zarpaso amniótico del sueño
Acurrucada en la luz de mil dientes de léon sin soplar
Te encontraré y solo ahí sabremos
Para que te he buscado tanto Sharón Tate…
sexta-feira, 25 de julho de 2008
O tempo passa
A sua mão sente a falta da minha?
Sente.
Falta.
Eu.
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo foi e me deixou aqui sozinha. O espelho refletiu as veias da minha mão. Quando via a minha prima tocar piano, achava que o mais bonito eram as veias da mão pulando ao som de cada nota. As mãos magras e brancas. As veias, a vida que pulsava dentro dela. 26 anos de vida, e eu achava as veias dela lindas. E o tempo foi. Andou. Correu pelo caminho. E eu tinha, e tenho tanto a fazer. E as veias. As veias pulsam aqui. E o tempo foi. E eu caminho. Eu ando pelo tempo. Eu corro no tempo. E as coisas passam. Eu flutuo. Eu pairo sob o correr do tempo. E olho estarrecida o fim de tarde na Lagoa. A chuva de folhas do lado de fora do vidro. A força do vento. Eu sinto estarrecida a força do vento. As veias da minha mão vibram com a força. Força. Força. Força.
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo passa. Os corpos ficam aqui. A pele fica aqui. Aqui. As veias pulsam aqui. Por mais que o tempo corra, por mais que tempo gire, por mais que o vento rodopie num furacão de folhas secas, as veias pulsam aqui. Aqui, onde os corpos ficam secos. Uma folha seca que flutua ao vento da tarde. Terral. O vento terral. Aqui a força terral faz o tempo passar. A pele seca. O corpo fica aqui.
Sente.
O corpo.
Sente.
Falta.
O seu corpo sente a falta do meu corpo?
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo passa.
É aqui que a veia pulsa.
Anda logo, o tempo passa.
Se a sua mão sente falta da minha,
Segura.
Força.
Segura, senão o tempo passa.
Sente.
Falta.
Eu.
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo foi e me deixou aqui sozinha. O espelho refletiu as veias da minha mão. Quando via a minha prima tocar piano, achava que o mais bonito eram as veias da mão pulando ao som de cada nota. As mãos magras e brancas. As veias, a vida que pulsava dentro dela. 26 anos de vida, e eu achava as veias dela lindas. E o tempo foi. Andou. Correu pelo caminho. E eu tinha, e tenho tanto a fazer. E as veias. As veias pulsam aqui. E o tempo foi. E eu caminho. Eu ando pelo tempo. Eu corro no tempo. E as coisas passam. Eu flutuo. Eu pairo sob o correr do tempo. E olho estarrecida o fim de tarde na Lagoa. A chuva de folhas do lado de fora do vidro. A força do vento. Eu sinto estarrecida a força do vento. As veias da minha mão vibram com a força. Força. Força. Força.
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo passa. Os corpos ficam aqui. A pele fica aqui. Aqui. As veias pulsam aqui. Por mais que o tempo corra, por mais que tempo gire, por mais que o vento rodopie num furacão de folhas secas, as veias pulsam aqui. Aqui, onde os corpos ficam secos. Uma folha seca que flutua ao vento da tarde. Terral. O vento terral. Aqui a força terral faz o tempo passar. A pele seca. O corpo fica aqui.
Sente.
O corpo.
Sente.
Falta.
O seu corpo sente a falta do meu corpo?
A sua mão sente a falta da minha?
O tempo passa.
É aqui que a veia pulsa.
Anda logo, o tempo passa.
Se a sua mão sente falta da minha,
Segura.
Força.
Segura, senão o tempo passa.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Acredite
Depois de conversas infindáveis, regadas a vinho e risadas, a lua ilumina o caminho, que há tempos planejávamos seguir. O que somos agora é o prenúncio da imensidão do que seremos. Hoje somos produtos em compasso. Mas o amarrar do tempo de nada impede que os sonhos sejam realizados. A completude da nova rota, traçada pela vontade, ímpeto de ser, realiza projetos impossíveis. Almejar novas escolhas clareia as certezas de tal forma, que quem está de fora não percebe a multiplicidade do que somos. Amiga, tenha certeza que o futuro é próspero, que os frutos serão colhidos. De nada adianta ter o mundo nas mãos, se a alma não está completa. Pelo amor a arte e as palavras, pelo amor ao ser e ao viver, sejamos plenas, mesmo que isso signifique sermos únicas e diferentes. A beleza está na essência da individualidade. No ser infinito que somos, no acreditar sem palavras e no sentir ao respirar. Amiga, sejamos simples assim. É preciso apenas acreditar na vida, e nas escolhas. Há muito mais por aí do que nossos olhos podem enxergar.
domingo, 20 de julho de 2008
Entregue-se, digo eu.
Eu que nada sei desconfio de muita coisa, afinal senti antes de pensar. Na suavidade de nada dizer e tudo se entender, o correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinqueta. O que ela quer da gente é coragem. Por isso sigo vivendo em voz alta. E não tem jeito, quem não quiser sofrer que se isole. Feche as portas da própria alma enquanto possível à luz do convívio. A realidade está repleta de acasos, é o que nos faz ser quem somos. Não se preocupe em entendê-la, viver ultrapassa todo o entendimento. Não há problema em hesitar, se depois você prosseguir. O certo é que se você ficar fazendo o que sempre fez, vai sempre conseguir os mesmos resultados. Por isso que eu digo: Entregue-se.
O resto quem disse foi (na respectiva ordem das frases citadas): Guimarães Rosa, Rousseau, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, E. Zola, Fernando Pessoa, Paul Auster, Clarice Lispector, Brecht, Antony Robbins.
O resto quem disse foi (na respectiva ordem das frases citadas): Guimarães Rosa, Rousseau, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, E. Zola, Fernando Pessoa, Paul Auster, Clarice Lispector, Brecht, Antony Robbins.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
A maldição de Newton
Muito antes que eu começasse a desejar um dia com mais 8 horas e o mundo contemporâneo criasse o tempo real, tornando cada vez menor a possibilidade dos sonhos se realizarem, Platão acreditava que o tempo era parte de uma ordem divina, Aristóteles fazia de sua noção algo intrínseco ao universo, Santo Agostinho dizia que o passar dos segundos resultava do movimento de todos os corpos, Kant acreditava que apesar de essencial, o tempo era destituído de realidade, até que um dia Newton afirmou que o tempo era de fato uniforme, e aí criaram o relógio, e por consequência surgiu o meu desespero. Por que quando dá sexta-feira, e eu fico quinze minutos deitada enrolada no edredon antes da angústia de perder a vida que está passando lá fora me empurre para o Baixo, tudo o que eu mais queria é que não estivesse tão cansada. Por que quando a Pri me convida para ir para Angra, tudo o que eu queria é que não estivesse precisando tanto da minha casa. E quando o chefe me oferece uma nova coluna, eu queria muito poder aceitar sem que isso se tornasse mais um estresse. E os freelas. E a proposta da Produtora. E o livro. E a natação. E aquele livro que eu queria ler. E aquele texto que eu pensei em escrever. O e-mail que eu não tive tempo de responder. Todos os filmes que estão no cinema e eu não vi. A exposição da amiga que eu simplesmente esqueci. Aquele amigo que eu deixei falando sozinho no msn. E para piorar a arrumadeira foi embora, a pilha de roupa suja está amontoando, eu já acordei atrasada, não deu tempo de fazer a cama, nem de gravar o vídeo para o chá de panela daquela amiga, nem de separar as fotos de infância com aquela outra, nem de fazer uma salada para o almoço. E agora vou ter que pedir delivery do Espoleto e comer macarrão aqui no teclado, porque ainda tenho duas matérias para escrever, e mais três colunas para pensar, e já são 20hs e o chefe está me perguntando o que está acontecendo com a qualidade do meu trabalho. O que está acontecendo? O que está acontecendo é que eu não durmo mais de 5 horas por noite, choro escondido no banheiro da redação e passo muito mais tempo Online no MSN do que eu gostaria - e não é para bater papo, é que o meu chefe acredita que MSN é a melhor forma de comunicação da humanidade. O que está acontecendo é que a minha vida tem sido para o trabalho, e por mais que eu ame tudo que eu faço, agora eu estou muito cansada para sair. Muito cansada para tomar chope com as amigas, com preguiça de conhecer alguém novo e sem paciência para papinho. Vamos logo ao que interessa. E mesmo assim, só de pensar em me arrumar me dá preguiça. Hoje eu quero sair de pijama. Só vou dançar se puder ir com a minhaa calça xadrez de flanela rosa e não precisar colocar lentes. Hoje só vou se for de óculos e mesmo assim só se não precisar dirigir. Só vou se for para te encontrar e você gostar de mim assim mesmo, com essas olheiras. E até que ponto vale a pena conseguir fazer tudo em 24 horas (menos 5 horas para dormir), se no final, eu só queria mesmo um abraço (e quem sabe aquelas 5 horas de sono pudessem ser ao seu lado).
terça-feira, 15 de julho de 2008
Uma tarde em Santa
Um gato eriçou os pêlos e espreguiçou-se com aquela manha que só os gatos têm. Eu mal cheguei em Santa e os gatos já me olhavam pela janela. Minha primeira reunião foi na Chácara do Céu. Subi a rua de paralelepípedos a pé e lembrei daquela foto que você tirou de mim, aquela em que estou com a blusa florida azul e verde e o sorriso de quem tem só vinte anos e um mundo de sonhos pela frente. Aquela exposição do Debret não está mais exposta, hoje as paredes mostram "Bichos". A chácara estava vazia, não recebe visitas às terças-feiras. Segui à procura da rua Triunfo, o nome não me parecia estranho, mas eu ainda não tinha me tocado que era a nossa rua. Passei pelo Sobrenatural, pela venda do português, pelo Mineiro, e me disseram que a rua era a próxima à direita. Sempre sozinha. Em cada canto, uma cena, uma memória, um diálogo, uma história de amor. Nós tínhamos amor em cada palavra. Em cada troca de olhar, versos infinitos. Coragem de quem não tem nada a perder. Outro dia li em algum lugar algo explicando porque os casais apaixonados vivem em uma bolha, como se o mundo inteiro fosse o outro… Não me lembro agora. Já faz tanto tempo que eu não me apaixono. Às vezes me pergunto se ainda consigo. O número 38, o número que eu procurava, era o castelo aonde a Paula estudava acupultura. A janela do nosso quarto estava fechada. A janela do rés do chão. Coloquei o rosto pela grade do seu portão. Tinha uma bicicleta naquele pátio interno, mas não era a sua (ela ainda existe?). O pátio está florido e bem cuidado, mas o menino que hoje mora no castelinho (você sabia que virou uma pousada?) me disse que o ap está para alugar. Lembrei dos pêlos dos gatos pela casa, do futon, do edredon verde e das manhãs frias em que eu esperava você voltar com o pão e jornal. Meus ouvidos atentos aos assobios - um jeito tão seu de avisar que estava chegando, que aquela seria mais uma manhã fria na rede. Seria bom se o amor sempre assobiasse quando estivesse chegando perto. Eu tenho medo de cair se ele chegar assim de repente. Se ele ainda chegar. Eu ainda vou me apaixonar de novo, não vou? Comi uma cocada branca. Não devia comer cocada desde aquele tempo. Hoje em dia eu vivo sempre de dieta. Deve ser um sinal de que a vida anda mais séria. Ninguém quer mais se entregar, e as coisas vão ficando assim, sem graça. Mal sabem eles que o segredo é não se levar tão à sério. E era tão gostoso né? Não se levar a sério, só se deixar levar. Quem me ciceroneou em Santa foi a Ana, e eu já tinha achado essa coincidência incrível, até que eu vi o Chico. Calma, não é o Buarque (esse eu ainda vejo de vez em quando pelo Leblon, e o meu coração ainda pára). Eu vi foi o Chico seu primo, que subiu meio correndo, esbaforido, a escadaria do casarão da Livraria Largo das Letras (acho que o nome é esse mesmo, Largo das Letras). O Chico carregava uma caixa de som, e eu olhei no olho dele e disse “Opa”. O menino que vinha atrás do seu primo parou e me olhou. Procurei no rosto daquele garoto qualquer traço familiar, mas não o reconheci. Perguntei o que eles faziam ali. “Tocamos às terças”, ele disse. O nome da banda era Brasil com Z. Eu achei o nome meio ruim para uma banda instrumental, mas lembrei das noites em que você me carregava a contragosto ao Clube Naval. “Vocês tocavam no Clube Naval, ao lado do Municipal?”, perguntei. O garoto demorou um pouco para entender, mas no final disse que eram meio que uma ramificação do grupo daquela época. Ainda tentei trocar algum olhar com o Chico, em busca de que ele se lembrasse de mim. Mas acho que não. Desci as escadas de volta ao Largo dos Guimarães saudosa. Ah que saudade que me deu dos meus 20 anos, dos planos e de tudo mais. Não deve ter sido por acaso, mas estava agorinha limpando a minha caixa de e-mail e achei uns escritos por você. Cartas cheias de saudade, quando eu estava em Buenos Aires. Cartas cheias de mágoas, quando você não entendeu que eu simplesmente precisava seguir. Precisava conhecer mais. Experimentar mais. Ser mais. Precisava ver sozinha. E as cartas de amor. O que dizer das cartas de amor. E aí me veio de novo aquela agonia de não ter como falar com você. De vez em quando eu sinto essa agonia. É que eu fico te imaginando depois de tanto tempo. O meu olhar ainda é o mesmo, mas os olhos já são outros. Procurei seu telefone nos e-mails, mas nada. Se não me engano, a última vez que nos falamos era você quem estava em Buenos Aires. Fuxiquei os e-mail mais um pouco e encontrei um número antigo. Não lembro se esse número era da casa do seu pai ou da sua, só tenho certeza que não era da sua da mãe. O da sua mãe começava com 2551. Disquei o tal do 2225. Não sei para que, mas disquei. O telefone tocou, tocou, tocou, e uma menina atendeu. Uma voz novinha, um jeito de garota. E eu desliguei. Vai que não era a sua casa, vai que era a sua namorada, vai que era a sua irmãzinha que cresceu. Ver o tempo passar assusta.
domingo, 13 de julho de 2008
Você conseguiu ser o centro das atenções. Ele me disse isso enquanto o M. pegava ar para continuar mais uma frase. Eu fiz aquela minha cara que faço antes de receber uma crítica. Dizem que é uma cara de "manda ver que eu agüento" misturada com "minha intenção não era essa", que resulta basicamente no olhar atento àquele que fala, e no pior dos casos um leve franzir das sobrancelhas e contração do canto da boca. Ele disse "você conseguiu ser o centro das atenções", o M. olhou para mim, eu fiz a cara de quem não entendia e ele continuou: Em cinco minutos de conversa você conseguiu que eu te contasse coisas que eu nunca disse para ninguém, e mais, me fez ouvir o meu irmão dizendo coisas que nunca ouvi ele dizer, e mais ainda, fez com que eu e ele praticamente brigássemos para ver quem ia falar primeiro. O M. ficou me olhando sério enquanto ele falava. E eu fiquei sem saber se aquilo era uma crítica ou um elogio. Quando ele disse que saber ouvir era uma qualidade rara, eu pude finalmente relaxar o lábio e a sobrancelha. Ele ficou me olhando, o M. ficou me olhando e eu me senti o centro das atenções, aí não consegui falar mais nada. Dei uma gargalhada para descontrair, mas aí ela chegou dizendo que ele estava dizendo aquilo porque nunca tinha sido entrevistado por mim. Ser entrevistado por mim era muito pior. Aí o outro disse que tinha medo do meu olhar. E era tanta gente reparando em mim que preferi mesmo é continuar muda, escapulir pelo buraco. Aì fiquei pensando nisso, pensando que tenho preferido mesmo escutar. É que ultimamente, quando tento colocar as coisas em palavras elas perdem a sua imensidão, mais ainda quando elas dizem respeito a mim. Deve ser por isso que não tenho conseguido escrever. As dimensões das palavras não significam nada sem o valor de seus sentimentos. O lado de dentro está tão sem forma, que as palavras embaralham e todos ficam me olhando com uma cara muito de não sei o que, meio sem entender porque eu segurei o choro na hora de falar, porque eu não consegui dizer nada. Acho que é por isso. Por isso que eu venho transformando as minhas conversas em entrevistas. Por isso que quando ele disse "Você conseguiu ser o centro das atenções" eu tomei como crítica. Porque o pior mesmo é quando as palavras ficam presas aqui dentro não porque eu não sei como dizê-las, mas porque talvez não haja quem possa compreendê-las. Talvez não haja quem de fato se interesse.
sábado, 12 de julho de 2008
Very Important People *
É mais um começo de noite de domingo no Rio de Janeiro. Isso mesmo, domingo. Não é sexta-feira à noite, muito menos madrugada de sábado. Ao mesmo tempo que boêmios da cidade ocupam as mesas dos botecos preferidos para o último gole do final de semana, familiares se despedem do tradicional almoço semanal e crianças escrevem as últimas linhas do dever de casa, uma fila de gente na faixa dos 30 anos se forma na esquina da rua Farme de Amoedo e Prudente de Moraes, em Ipanema. Às 19h30, ambos os lados da calçada do quarteirão entre as ruas Visconde de Pirajá e Prudente de Moraes estão ocupados por carros. Motoristas impacientes buzinam em fila única, inconformados com o trânsito causado pelos manobristas em frente ao Clube 69, boate descolada que cativa a juventude cool da cidade. Ali, seguranças de terno e gravata e a hostess da casa decidem quem é digno ou não de se acabar em mais um Bailinho. Isso mesmo, Bailinho – a festa de nome vintage (existe algo mais in que vintage?) que durante 35 semanas ferveu o Rio. Sim, ferveu.
Domingo passado foi o último – embora ninguém da fila soubesse disso. A festa, que a princípio seria exclusiva para amigos e os amigos dos amigos do ator-produtor-diretor-DJ-agitador cultural Rodrigo Penna alcançou notoriedade e tornou-se um inferno, e passou a ser mais uma a usar indiscriminadamente o antigo, mas tão atual, conceito de VIP, sigla para Very Important People.
E é exatamente por causa disso que a fila de jovens que dobrava um dos quarteirões mais nobres de Ipanema não saía do lugar. E mais: crescia em progressão geométrica, a medida em que mais pessoas se infiltravam nela – afinal, no Rio, todo mundo conhece alguém na fila. O problema é que para entrar na casa, hoje, só com o reconhecimento do staff. “Só entra VIP, quem não tem nome na lista tem que esperar”, berra o leão de chácara.
Amigo do amigo
Ok, mas uma vez que a cena relatada aqui não é exclusividade do Bailinho e repete-se na porta de outras casas pela cidade, quem é VIP?
Bem, definir o conceito VIP carioca não é fácil. Isto por que, além de dândis, modelos, filhos de gente importante, celebridades e grã-finos, as listas estão repletas de... amigos. Gente que conhece quem organiza a casa, quem convida, quem promove, gente que é amigo do amigo. Nem sempre com dinheiro, mesmo assim, gente que paga a entrada. Sim, no Rio, muito “VIP” paga a entrada.
As pessoas que conseguiram entrar no Bailinho domingo passado, por exemplo, não eram VIP, mas amigos. Pelo menos foi o que me disse Rodrigo Penna: “Nós temos uma lista amiga. Só quem entra sem pagar são os Djs que já tocaram na festa, designers e fotógrafos envolvidos no processo de produção do evento”. A tal lista amiga à qual Rodrigo se refere é uma mala direta normalmente enviada por e-mail a amigos, freqüentadores cativos e pessoas que conhecem esses nomes, tornando possível definir e estabelecer o público específico – sem misturar grupos. E, principalmente, deixando a playboyzada de fora. Gente descolada odeia playboy, ou seja, gente que vai para a night só para pegar mulher.
*Lista amiga, um glossário do vocabulário vip carioca, muita polêmica sobre a noite no Rio e a continuação deste texto, na revista Domingo
Domingo passado foi o último – embora ninguém da fila soubesse disso. A festa, que a princípio seria exclusiva para amigos e os amigos dos amigos do ator-produtor-diretor-DJ-agitador cultural Rodrigo Penna alcançou notoriedade e tornou-se um inferno, e passou a ser mais uma a usar indiscriminadamente o antigo, mas tão atual, conceito de VIP, sigla para Very Important People.
E é exatamente por causa disso que a fila de jovens que dobrava um dos quarteirões mais nobres de Ipanema não saía do lugar. E mais: crescia em progressão geométrica, a medida em que mais pessoas se infiltravam nela – afinal, no Rio, todo mundo conhece alguém na fila. O problema é que para entrar na casa, hoje, só com o reconhecimento do staff. “Só entra VIP, quem não tem nome na lista tem que esperar”, berra o leão de chácara.
Amigo do amigo
Ok, mas uma vez que a cena relatada aqui não é exclusividade do Bailinho e repete-se na porta de outras casas pela cidade, quem é VIP?
Bem, definir o conceito VIP carioca não é fácil. Isto por que, além de dândis, modelos, filhos de gente importante, celebridades e grã-finos, as listas estão repletas de... amigos. Gente que conhece quem organiza a casa, quem convida, quem promove, gente que é amigo do amigo. Nem sempre com dinheiro, mesmo assim, gente que paga a entrada. Sim, no Rio, muito “VIP” paga a entrada.
As pessoas que conseguiram entrar no Bailinho domingo passado, por exemplo, não eram VIP, mas amigos. Pelo menos foi o que me disse Rodrigo Penna: “Nós temos uma lista amiga. Só quem entra sem pagar são os Djs que já tocaram na festa, designers e fotógrafos envolvidos no processo de produção do evento”. A tal lista amiga à qual Rodrigo se refere é uma mala direta normalmente enviada por e-mail a amigos, freqüentadores cativos e pessoas que conhecem esses nomes, tornando possível definir e estabelecer o público específico – sem misturar grupos. E, principalmente, deixando a playboyzada de fora. Gente descolada odeia playboy, ou seja, gente que vai para a night só para pegar mulher.
*Lista amiga, um glossário do vocabulário vip carioca, muita polêmica sobre a noite no Rio e a continuação deste texto, na revista Domingo
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